terça-feira, 20 de agosto de 2019

Estado e capital pisando no povo

Estado e capital pisando no povo
Por Gilvander Moreira[1]

Povo de Salto da Divisa, no Vale do Jequitinhonha, MG, reivindica indenização justa da empresa que construiu a Barragem e hidrelétrica de Itapebi, dia 02/7/2014. Foto: Pollyanna Maliniak

Urge resgatarmos histórias que podem inspirar lutas populares por justiça social. Necessário se faz pensarmos a partir da realidade das pessoas violentadas nos seus direitos. Eis um caso eloquente: A construção da barragem e da hidrelétrica de Itapebi, no rio Jequitinhonha, na região do Baixo Jequitinhonha, MG, se tornou um divisor de águas na vida do povo de Salto da Divisa: antes, vida simples, mas digna; depois, sofrimento e injustiça crescente.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), em dezembro de 1998, licitou a exploração do aproveitamento hidrelétrico das águas do rio Jequitinhonha, no município de Salto da Divisa, na região do Baixo Jequitinhonha, abrindo caminho, assim, para a construção da barragem e da hidrelétrica de Itapebi. Integrado pelo Grupo Neoenergia, formado por uma empresa espanhola - a Iberdrola (39%) -, Banco do Brasil (12%) e a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil - a PREVI (49%) -, o Consórcio Itapebi Geração de Energia S/A venceu a licitação (Cf. RIBEIRO, 2008). Em 2015, os acionistas do Grupo Neoenergia eram a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (PREVI), com 49,01% das ações da empresa, a Iberdrola, com 39%, e o Banco do Brasil, com 11,99.[2]
Os dados, acima, demonstram o capital internacional sendo investido no Brasil e se ampliando, pois a transnacional Iberdrola aumentou sua participação no consórcio de 39%, em 1998, para 49,01%, em 2015. O Estado brasileiro também investindo em barragens e construção de hidrelétricas, mas sem ter lucro, pois no caso da barragem e hidrelétrica de Itapebi, o Banco do Brasil, banco do Estado brasileiro, investiu 12%, em 1998, e 17 anos depois, estava apenas com 11,99% das ações. O dinheiro da previdência dos trabalhadores assalariados do Banco do Brasil também foi usado para financiar a construção da barragem e da hidrelétrica de Itapebi, mas sem ganho nenhum, pois em 1998 a PREVI investiu 49% do consórcio e 17 anos depois tinha os mesmos 49%. Conclusão: o grande projeto da barragem e da hidrelétrica de Itapebi, financiado em 61% com dinheiro do Estado brasileiro e de trabalhadores brasileiros, gerou ampliação de capital exclusivamente para uma transnacional: a Iberdrola.
Temos aqui um exemplo da aliança entre capital nacional e internacional: a espanhola Iberdrola com 39% das cotas, e o Banco do Brasil com 11,99%, banco que deveria ter de fato preponderância do interesse público, mas conjugado com o fundo de pensão dos bancários, a PREVI com 49,01% das cotas se associou para destroçar a vida de centenas de famílias que de forma austera e simples vivia feliz antes da construção da barragem. Não são apenas alguns patrões responsáveis pela opressão do povo, mas milhares de pessoas estão com as mãos sujas por sustentarem o capitalismo, que está gerando uma dramática injustiça social que campeia na região de Salto da Divisa, em Minas Gerais, na divisa com o estado da Bahia.
Ainda sem entender o que estava acontecendo, sem ser consultado, o povo do município de Salto da Divisa descobriu que o Grupo espanhol Iberdrola já estava com a Licença Prévia na mão, concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Logo após a licitação, seis meses depois, em julho de 1999, a Prefeitura Municipal de Salto da Divisa, MG, nas mãos das famílias Cunha Peixoto e Pimenta que se revezam no exercício do poder político municipal, por meio do Ofício nº 026/99, se posicionou dando anuência à implantação da barragem e da hidrelétrica de Itapebi. Estamos diante de um exemplo de comando compartilhado entre o poder político nacional, o estadual e o municipal. O coronelismo atuando em vários níveis. Com uma rapidez incrível, em setembro do mesmo ano, foi emitida a Licença de Instalação e, em dezembro de 2002, a Licença de Operação, atropelando centenas de famílias que foram encurraladas na Vila União, em um reassentamento precário.
A barragem e a hidrelétrica de Itapebi, com um lago artificial de 62 quilômetros² no rio Jequitinhonha, afetaram diretamente centenas de famílias pobres de Salto da Divisa, entre pescadores, extratores de pedra, lavadeiras e garimpeiros (de topázio e diamante), além de outras comunidades nos municípios de Itapebi, Itagimirim e Itarantim, todos na Bahia. O reassentamento foi feito em casas com muitos problemas de infraestrutura: goteiras, janelas que logo apodreceram, canos que arrebentaram logo no primeiro ano. A água da barragem, quase parada, iniciou processo de perda gradativa de qualidade, de acordo com relato de irmã Geraldinha: “A água está tão imunda que parece haver produtos químicos; há também vários animais mortos no lago. Antes do empreendimento a água era corrente e não havia este problema. A comunidade diz que depois do empreendimento não estão mais consumindo a água, estão usando água de fora. [...] A água tornou-se imprópria para o uso doméstico (...), lamacenta e com sujeiras que se acumulam nas margens não sendo possível lavar roupa, tomar banho, utilizar a água para fazer comida e outras coisas necessárias” (Relato de Irmã Geraldinha, uma das fundadoras do GADDH (Grupo de Apoio e Defesa dos Direitos Humanos de Salto da Divisa), extraído do Processo nº 1.22.000.002045/2006-08. Volume I).
Houve um aumento de doenças de pele e verminoses, além de intensa proliferação de mosquitos e pernilongos, nas proximidades da área alagada. Os Moradores denunciam ainda problemas referentes às alterações no modo de vida, agressão cultural grave, conforme expressa o relato de moradora de Salto da Divisa, durante Oficina de Cidadania e Justiça Ambiental, em 2009: “A gente tinha a nossa cachoeira que a gente aproveitava muito bem, era a nossa área de lazer. Aos domingos, minha mãe juntava a roupa da semana, colocava na cabeça, todo mundo com sua trouxa de roupa, caldeirão de feijoada, ia pra lá [para a beira do rio], passava o dia, a gente lá era feliz... E hoje? A gente não tem mais esse encontro. A gente tomava banho, a gente brincava na areia, a gente jogava bola, a gente corria, a gente brincava de esconde-esconde entre aquelas pedras. A coisa mais linda e bonita que a gente tinha [...] Então acabou com tudo isso. E como é que fica?”.
Aconteceram também muitos prejuízos e asfixia das formas camponesas de trabalho, como a exercida pelas lavadeiras, pelos pescadores, pelos garimpeiros e pelos extratores de pedra. Mas como tudo concorre para algum bem, essas injustiças levaram o povo a se organizar em associações, sempre estimulados por irmã Geraldinha. Eis um retrato dessa realidade revelado por Juvercilha Maria De Jesus, presidenta da Associação das Lavadeiras de Salto da Divisa, em Audiência do Ministério Público de Minas Gerais, na Câmara de Vereadores de Salto da Divisa, dia 08/6/2016: “E o que aconteceu é que nós exigimos a lavanderia, porque a gente lavava roupa no rio; lá a gente lavava, enxugava, trazia no ponto só de alisar e entregar pra patroa, era o nosso ganha pão. [...] Aí nós exigimos a lavanderia. Mas [...] eu nem sabia o que era lavanderia. [...] Então, um grupo de mulher, que vivia o tempo todo no rio, que ia de manhã e voltava de tarde, todo dia, sem depender de ninguém; ninguém pediu pra inundar o rio não, ninguém pediu ninguém pra fazer barragem. Nós tava vivendo sem precisar de barragem.”
Juvercilha relatou também: “A associação das lavadeiras está na justiça. Falaram que ia fazer a lavanderia, mas não foi feito do jeito que eles falaram. A pia é pequena e de plástico. Agora temos que pagar água e energia” (Juvercilha, na Audiência, dia 08/6/2016). Um funcionário da empresa Itapebi, a Neoenergia, propôs que as lavadeiras substituíssem a atividade de lavadeiras por um projeto de bordado e crochê. Indignadas, responderam: “Quando vocês [representantes da empresa] chegaram aqui, vocês não encontraram nenhuma de nós fazendo bordado e tricô não. Vocês nos encontraram lavando roupa pra sobreviver. Se a gente for aprender a fazer bordado e tricô pra sobreviver, até lá nós já morremos de fome” (Juvercilha, dia 08/6/2016).


Belo Horizonte, MG, 20/8/2019.

Referência.
RIBEIRO, Morel Queiroz da Costa. O Licenciamento ambiental de aproveitamentos hidroelétricos: o espaço da adequação. (Dissertação de Mestrado em Geografia). Belo Horizonte: IGC/UFMG, 2008. Disponível em http://gestaprod.lcc.ufmg.br/app/public/index.php/conflito/getFile/854

Obs.: Abaixo, vídeos que versam sobre o assunto apresentado, acima.
1 - Atingidos pela barragem de Itapebi em Salto da Divisa, MG: Irmã Geraldinha. 12/08/14



2 - Promotor do MP/MG, de Jacinto, MG: compromisso com os atingidos pela Barragem de Itapebi. 08/06/16



3 - Pescadores de Salto da Divisa, MG, exigem seus direitos pisados por empresas e barragem. 08/06 /16



4 - Vazanteiros de Salto da Divisa, MG, lutam pelos seus direitos pisados pela barragem. 08/06/16



5 - Pedreiros de Salto da Divisa, MG, lutam pelos seus direitos pisados pela barragem. 08/06/16



6 - Em Salto da Divisa, MG, casas desabando pela barragem de Itapebi e extratores pisados. 08/06/16



7 - Lavadeiras de Salto da Divisa, MG, exigem seus direitos pisados pela Itapebi com barragem. 08/06/16






[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB, CEBs e Movimentos Sociais Populares; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br - www.freigilvander.blogspot.com.br             www.twitter.com/gilvanderluis             Facebook: Gilvander Moreira III
[2] O Grupo NEOENERGIA. Itapebi. Disponível em http://www.itapebi.com.br/


segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Lançamento oficial/XXII Romaria das Águas e daTerra/MG/Romaria/Arquidioc...





Lançamento oficial da XXII Romaria das Águas e da Terra do Estado de Minas Gerais, em Romaria, Alto Paranaíba, Arquidiocese de Uberaba, MG – 11/8/2019.

Dia 11 de agosto, durante Missa Sertaneja, celebrada na Praça diante do Santuário da Mãe Abadia, com a participação das comunidades rurais do município de Romaria e dos setores da Paróquia, foi feito o lançamento da XXII Romaria das Águas e da Terra do Estado de Minas Gerais, que acontecerá em Romaria, dia 10 de novembro próximo (2019), com o tema “Com a Mãe Abadia, as filhas e filhos e toda a natureza clamam em dores de parto!” e com lema: “Das águas sujas, em Romaria, na luta pela terra e pelas águas, fontes de vida!”. Após a realização de dezenas de romarias da terra no Triângulo Mineiro, pela 1ª vez acontecerá Romaria das Águas e da Terra em nível de estado na Arquidiocese de Uberaba, e serão anfitriões o arcebispo Dom Paulo Peixoto e o padre Márcio Ruback, reitor do Santuário de Romaria. A Romaria das Águas e da Terra já está acontecendo em processo. A imagem de São Francisco de Assis, patrono da romaria, está peregrinando por paróquias e comunidades da arquidiocese de Uberaba. Nos mês de agosto, setembro e outubro, as comunidades de toda a arquidiocese de Uberaba, nos seus Grupos de Reflexão, serão convidadas a realizar seis Encontros/Roteiros Bíblicos a partir do Tema e do Lema da XXII Romaria. Serão abordados assuntos, tais como: A XXII Romaria das Águas e da Terra de MG e as monoculturas, o agronegócio, a mineração, a crise hídrica, a devastação ambiental, agroecologia, agricultura familiar, uso abusivo de agrotóxicos na agricultura brasileira e a organização popular, imprescindível na resistência diante de tantas amputações de direitos trabalhistas, previdenciários e sociais. A XXII Romaria das Águas e da Terra de Minas Gerais tem como objetivo pastoral refletir, discutir e celebrar com as comunidades cristãs que lugar sagrado não são apenas os santuários e as catedrais e nem só padre, freira, pastor, bispo ou papa. A terra é sagrada, é mãe e é fonte de vida. “Água, fonte de vida” foi o tema da Campanha da Fraternidade de 2004. De fato, o “espírito de Deus está nas águas”, permeia e perpassa as águas, nos diz o segundo versículo da Bíblia. Portanto, se a humanidade continuar tratando terra e água como mercadorias, estará também acelerando o curso do fim da vida humana sobre o Planeta Terra, nossa única casa comum. Nas ondas da evolução, o Deus da vida criou toda a natureza para ser um jardim e quis que fôssemos jardineiros/as e cuidadores/ras da terra e das águas. O Paraíso terrestre não pode ser só uma coisa do passado, é preciso ser reconstruído.

Missa Sertaneja de Abertura da XXIII Romaria das Águas e da Terra do estado de Minas Gerais, na Praça diante do Santuário de Nossa Senhora da Abadia, em Romaria, na Arquidiocese de Uberaba, MG, dia 11/8/2019. Foto: Divulgação do Santuário da Mãe Abadia.

*Filmagem de frei Gilvander, da CPT, das CEBs e do CEBI, e do Serviço de Comunicação do Santuário de Nossa Senhora da Abadia de Água Suja, em Romaria/MG. Edição de Nádia Oliveira, colaboradora da CPT-MG.
*Inscreva-se no You Tube, no Canal Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos, no link: https://www.youtube.com/user/fgilvander, acione o sininho, receba as notificações de envio de vídeos e assista a diversos vídeos de luta por direitos sociais. Se assistir e gostar, compartilhe. Sugerimos.

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Quem pratica a Justiça é filho/a de Deus


Quem pratica a Justiça é filho/a de Deus
Gilvander Moreira[1]

Foto: Divulgçaão / Rede Virtual.

No mês da Bíblia, em setembro, em 2019, somos convidados/as a estudar e refletir sobre e a partir da 1ª Carta de João, na Bíblia. Ao ler e estudar a 1ª Carta de João (1 Jo), faz bem termos em mente os clamores por justiça que advém dos porões da humanidade e das entranhas dos povos injustiçados. A 2ª parte da 1ª Carta de João (1 Jo 2,29-4,6) versa sobre a Justiça e afirma que quem pratica a justiça é filho/a de Deus. Esta 2ª parte está organizada em quatro partes menores, nas quais se fazem quatro exortações básicas. São elas: a) 1 Jo 2,29 - 3,2 - Deus é justo; b) 1 Jo 3,3-10 - Romper com o pecado; c) 1 Jo 3,11-24 - Praticar o amor; d) 1 Jo 4,1-6 - Saber discernir.
A 1ª Carta de João é escrita em forma de homilia, que é o seu gênero literário. O texto todo é perpassado por uma relação de proximidade e profundo carinho pelas Comunidades do Discípulo Amado. Isso transparece no vocabulário muito afetivo. A palavra ‘filhinhos’ aparece nove vezes na 1ª Jo[2] e a palavra ‘amados’ é usada cinco vezes[3]. Isso demonstra que o autor da Carta escreve para corrigir fraternalmente as comunidades cristãs, mas não é ríspido e, volta e meia, demonstra carinho e ternura no trato com as pessoas.
Deus é justo (1 Jo 2,29-3,2). ‘Deus é justo’ (1 Jo 1,9) e ‘Jesus Cristo é justo’ (1 Jo 2,1.29; 3,7), eis as duas primeiras afirmações de fé das Comunidades Cristãs do Discípulo Amado. “Vocês sabem que Jesus é justo; reconheçam, pois, que toda pessoa que pratica a justiça nasceu de Deus” (1 Jo 2,29). Jesus de Nazaré, condenado à pena de morte por crucifixão, porém Ressuscitado, está sendo fonte de inspiração e de luta no seio das Primeiras Comunidades Cristãs, e também, obviamente, no interior das Comunidades do Discípulo Amado, nas várias fases pelas quais as comunidades passaram, dentro e fora da Palestina, colônia do Império Romano. Entretanto, calúnias e difamações sobre a pessoa e a prática de Jesus não eram apenas coisas do passado. Havia nas Comunidades do Discípulo Amado ou ao redor delas, pessoas acusando Jesus Cristo de ser injusto. Essa crítica recaía também sobre as pessoas participantes das comunidades, pois ‘Como seguir alguém que era considerado injusto?’, alegavam os acusadores. A 1ª Carta de João tem também o objetivo de defender Jesus Cristo e seus seguidores e seguidoras dessa e de muitas outras acusações. Daí, a afirmação categórica advinda da experiência pessoal das pessoas integrantes das comunidades: Jesus é Justo e, por praticar a justiça, nós o consideramos Filho de Deus. Não basta ser batizado para ser filho ou filha de Deus: é preciso praticar a justiça. E não qualquer tipo de justiça, mas a Justiça libertadora e emancipatória. As comunidades do evangelista Mateus alertavam: “Se a justiça de vocês não superar a dos doutores da lei e dos fariseus, vocês não entrarão no reino dos céus” (Mt 5,20). Mateus estava se referindo aos doutores e fariseus ritualistas, fundamentalistas e moralistas, o que restou do farisaísmo após a guerra judaica, quando a cidade de Jerusalém e o templo foram devastados, por volta dos anos 70 do século I da era cristã.
Para as Comunidades do Discípulo Amado, “Deus é Pai” (1 Jo 3,1), não é o Deus temido, justiceiro e castigador. Se Deus é Pai, todas as pessoas são filhas e filhos de Deus, portanto, irmãs e irmãos e têm a mesma dignidade. Ninguém pode ser escravizado e nem discriminado ou rejeitado. “Somos filhas e filhas de Deus”, diziam alto e em bom som as pessoas participantes das Comunidades do Discípulo Amado. Isso era um ‘chute na canela’ do sistema escravocrata do imperialismo romano, pois ‘puxava o tapete’ da naturalização do relacionamento “senhor X escravo”. Anulava a hierarquia social e tornava ilegítimo o que a ideologia dominante da época repetia cotidianamente. Com isso, muitas pessoas escravizadas sentiam-se animadas a ingressarem nas Comunidades do Discípulo Amado, pois lá iriam ser tratadas com dignidade de pessoa humana e não mais como escravos. Reconhecer que Deus e Jesus são justos, leva à necessidade de se romper com relações sociais de pecado e de opressão.
Romper com o pecado (1 Jo 3,3-10). Se ficarmos na leitura superficial de 1ª Carta de João poderemos ser tentados a cair em dualismos e em moralismos. O autor da 1ª Carta de João é radical e só conhece “branco ou preto”, não há meio termo; exige-se posição clara e não política de boa vizinhança ou “acender uma vela a Deus e outra ao diabo”. A 1ª Carta de João exorta as Comunidades do Discípulo Amado a romperem com o pecado. Porém, não se refere a pecado no sentido moralista e, sim, a um sistema de pecado, engrenagem de morte que passo a passo vai empurrando as pessoas para a morte. Dessa engrenagem fazia parte o que impunha o imperialismo romano: a escravidão, a exploração tributária e a ideologia dominante, que agredia a dignidade da pessoa humana e apresentava os violentados como se fossem violentos e os violentos como se fossem vítimas.
Pecar é violar a lei” (1 Jo 3,4), mas qual lei? Certamente não o legalismo judaico-farisaico, que impunha um monte de leis moralistas para excluir e discriminar as pessoas empobrecidas. A 1ª Carta de João se refere à Lei original, que tem como fundamento o Decálogo bíblico (Ex 20,13) que tem como seu princípio fundamental a 5ª palavra, que afirma: “Não matarás!” ou dito de forma positiva: “Farás viver!”. As Comunidades do Discípulo Amado se opunham ao pecado para defender a vida, não de forma abstrata, mas por meio de condições materiais e objetivas que viabilizam a vida com dignidade.
Toda pessoa que permanece em Jesus – e no seguimento do seu projeto – não peca” (1 Jo 3,6). O que implica ‘permanecer’ em Jesus e ‘não pecar’? As Comunidades do Discípulo Amado eram frágeis e minoritárias. Participar de uma comunidade, ainda vista por muitos como uma seita herética, era um desafio. Dizer que se pertence a uma igreja majoritária é cômodo. O que predominava na época das Comunidades do Discípulo Amado eram as religiões imperiais – que divinizavam o imperador, os reis e seus sacerdotes - e as religiões mistéricas – que insistiam mais no culto como caminho de aproximação a Deus. Nesse contexto, a 1ª Carta de João exorta as pessoas a permanecerem (hipomonê, em grego) nas Comunidades do Discípulo Amado, a não perder a paixão do primeiro amor e, principalmente, a não desanimar diante das adversidades e das perseguições. ‘Permanecer’ significa resistir de baixo para cima e de dentro para fora. Na terra, a raiz da mandioca resiste de forma orgânica e, por isso, cresce e faz rachar a terra. É resistir para existir. Assim era a convicção do autor de 1 Carta de João.
Quem pratica a justiça é justo, assim como Jesus é justo” (1 Jo 3,8). A 1ª Carta de João enfatiza a prática que revela a justiça. Não basta dizer que somos justos. Nesse ponto, a 1ª Carta de João está em consonância com as comunidades de Tiago e com as comunidades lucanas que também enfatizam a PRÁTICA como critério do seguimento de Jesus Cristo. O autor da Carta de Tiago dizia: “A fé sem obras é morta” (Tg 2,17); é preciso prática libertadora. Para Lucas, a prática é decisiva. Isto é comprovado pelo Evangelho de Lucas e por Atos dos Apóstolos – obra lucana - em expressões tais como: “Façam coisas para provar que vocês se converteram...” (Lc 3,8a); “As multidões, alguns cobradores de impostos, alguns soldados... perguntaram a João Batista: ‘O que devemos fazer? ’” (Lc 3,10. 12.14). Um escriba pergunta a Jesus: “O que devo fazer para receber em herança a vida eterna?” (Lc 10,25) e depois de contar o “episódio-parábola” do Bom Samaritano, Jesus responde dizendo: “Vá, e faça a mesma coisa” (Lc 10,37). Muitos outros textos podem ser evocados para respaldar a conclusão de que Lucas dá uma grande prioridade à AÇÃO. O primeiro versículo dos Atos dos Apóstolos traz a seguinte frase: “... tudo o que Jesus começou a fazer e a ensinar”. A prática é recordada antes do ensinamento, o que quer dizer que acima da ortodoxia está a ortopráxis, prática correta e libertadora. Mais importante do que ter uma “opinião certa” é ter uma ‘prática correta, libertadora’. Lucas quer dizer que uma das grandes características das comunidades cristãs deve ser a ação, a prática, o testemunho. Não se trata de qualquer tipo de ação, mas de ação solidária e libertadora. Para ser libertadora, a ação não pode ser assistencialista, nem paternalista, nem clientelista, não pode ser para o pobre, mas COM o empobrecido. A ação libertadora acontece na atuação COM os pobres e A PARTIR DELES, estabelecendo lutas concretas que levam a conquistas dos seus direitos. No tocante à prática da justiça, o Evangelho de Lucas, Atos Apóstolos, a Carta de Tiago e a 1ª Carta de João estão irmanados.

Belo Horizonte, MG, 06/8/2019.

Obs.: Quem quiser adquirir o Livrinho Texto-base do mês da Bíblia, do CEBI-MG, de 2019 - A Comunhão entre Deus e Nós e como subtítulo Uma leitura da Primeira Carta de João feita pelo CEBI-MG - entrar em contato com CEBI-MG: Secretaria Estadual CEBI-MG
Rua da Bahia, 1148 – Edifício Maleta, Sala 1215 - Centro – Belo Horizonte/MG
CEP: 60.160-011 - Telefone: (31) 3222 1805 - E-mail : secretariado@cebimg.org.br



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.  E-mail: gilvanderlm@gmail.comwww.gilvander.org.br - www.freigilvander.blogspot.com.br            
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[2] Cf. 1 Jo 2,1.12.14.18.28; 3,7.18; 4,4; 5,21.
[3]1 Jo 3,2.21; 4,1.7.11;

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Movimento "Fé e Cidadania", em Passos, sudoeste de MG. Vídeo 1 - 09/6/2019.


Movimento "Fé e Cidadania", em Passos, sudoeste de MG. Vídeo 1 - 09/6/2019.


Dias 8 e 9/6/2019 aconteceu um Encontro de Formação em “Fé e Cidadania, em Passos, no sudoeste de Minas Gerais. O mandato da vereadora dona Cida, do PT, organizou o Encontro e convidou frei Gilvander para assessorar. O Tema foi “Fé e Cidadania”. No final, ficou acordado a continuidade do Movimento "Fé e Cidadania" e foi gravado dois pequenos vídeos. Segue aqui o Vídeo 1.

Durante do Encontro de Fé e Cidadania, em Passos, MG, dias 8 e 9/6/2019. Foto: frei Gilvander
*Filmagem e edição: frei Gilvander Moreira, da CPT, CEBs e CEBI.

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quarta-feira, 31 de julho de 2019

Quilombo Lapinha, em Matias Cardoso, MG: Pelo direito constitucional ao território tradicional, despejo não! Vídeo 4. 24/7/2019.


Quilombo Lapinha, em Matias Cardoso, MG: Pelo direito constitucional ao território tradicional, despejo não! Vídeo 4. 24/7/2019.


As 170 famílias da comunidade “Quilombo Lapinha”, localizada em Matias Cardoso, norte de Minas Gerais, receberam a notícia de uma liminar de reintegração de posse, despejo, para ser executada no inicio mês de agosto. Caso não seja revertida, 170 famílias em retomada de território ao lado do Rio São Francisco podem ser despejadas. A situação está muito tensa, pois as Comunidades do Quilombo Lapinha jamais aceitarão despejo. O Quilombo Lapinha possui reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares e possui também o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), que delimita o território tradicional. Todos os quilombolas já têm suas casas construídas e terra plantada que lhes dá o sustento. No Quilombo tem energia elétrica, escola, serviço de saúde, entre outros equipamentos públicos que lhes são de direito. Desde o século XVIII, as famílias constroem no local sua história, reafirmam a sua cultura e perpetuam os saberes e dinâmicas de cuidado com a mãe terra e com o irmão Rio São Francisco. Apesar desse contexto histórico de vivência e de cuidado do território de maneira sustentável, o Quilombo Lapinha está sob ameaça iminente de despejo. Espera-se que o Governo de Minas Gerais reverta a decisão e cumpra o direito constitucional de acesso dos quilombolas ao seu território tradicional. Reivindicamos também que o Ministério Público Federal (MPF) e Defensorias Públicas Estadual e da União, DPE/MG e DPU sigam firmes na defesa judicial dos Quilombos Lapinha. É claro também que a competência jurídica sobre Comunidades Quilombolas é da justiça Federal. E há também decreto do Governo do estado de Minas Gerais pró permanência das Comunidades Quilombolas Lapinha mas áreas retomadas. Logo, a decisão judicial do TJMG está recheada de inconstitucionalidades, ilegalidades, irregularidades e injustiça que clama aos céus. NEGOCIA, ZEMA. NEGOCIA, GOVERNO.

Ao romper da aurora do dia 28/12/2018, no Quilombo Lapinha, em Matias Cardoso, Norte de Minas Gerais, ao Som dos tambores as famílias receberam com muita alegria e expectativas a notícia da publicação do decreto de interesse social do quilombo Lapinha. Fruto de muitos anos de lutas, teimosia e resistência. Agora continuar na luta incansável pra manter e avançar a titulação do território. "Território livre e o nosso povo Liberto"... Fonte: informe e foto de Zilá de Mattos, da CPT.

*Filmagem e fotos de Zilah de Mattos, agente de pastoral da CPT-MG. Edição de Nádia Oliveira, colaboradora da CPT-MG. Matias Cardoso, norte de MG, 24/7/2019. Apoio e divulgação: Frei Gilvander Moreira, da CPT, das CEBs e do CEBI.
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Quilombo Lapinha, município de Matias Cardoso, MG: A Voz dos Tambores grita e clama: Esse território é nosso. Despejo, nunca! - Vídeo 3 - 24/7/2019.


Quilombo Lapinha, município de Matias Cardoso, MG: A Voz dos Tambores grita e clama: Esse território é nosso. Despejo, nunca! - Vídeo 3 - 24/7/2019.



As 170 famílias da comunidade “Quilombo Lapinha”, localizada em Matias Cardoso, norte de Minas Gerais, receberam a notícia de uma liminar de reintegração de posse, despejo, para ser executada no inicio mês de agosto. Caso não seja revertida, 170 famílias em retomada de território ao lado do Rio São Francisco podem ser despejadas. A situação está muito tensa, pois as Comunidades do Quilombo Lapinha jamais aceitarão despejo. O Quilombo Lapinha possui reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares e possui também o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), que delimita o território tradicional. Todos os quilombolas já têm suas casas construídas e terra plantada que lhes dá o sustento. No Quilombo tem energia elétrica, escola, serviço de saúde, entre outros equipamentos públicos que lhes são de direito. Desde o século XVIII, as famílias constroem no local sua história, reafirmam a sua cultura e perpetuam os saberes e dinâmicas de cuidado com a mãe terra e com o irmão Rio São Francisco. Apesar desse contexto histórico de vivência e de cuidado do território de maneira sustentável, o Quilombo Lapinha está sob ameaça iminente de despejo. Espera-se que o Governo de Minas Gerais reverta a decisão e cumpra o direito constitucional de acesso dos quilombolas ao seu território tradicional. Reivindicamos também que o Ministério Público Federal (MPF) e Defensorias Públicas Estadual e da União, DPE/MG e DPU sigam firmes na defesa judicial dos Quilombos Lapinha. É claro também que a competência jurídica sobre Comunidades Quilombolas é da justiça Federal. E há também decreto do Governo do estado de Minas Gerais pró permanência das Comunidades Quilombolas Lapinha mas áreas retomadas. Logo, a decisão judicial do TJMG está recheada de inconstitucionalidades, ilegalidades, irregularidades e injustiça que clama aos céus. NEGOCIA, ZEMA. NEGOCIA, GOVERNO.

Território tradicional do Quilombo Lapinha é constituído por cinco comunidades em Matias Cardoso, MG. Foto: J. R. Ripper

*Filmagem de Zilah de Mattos, agente de pastoral da CPT-MG. Edição de Nádia Oliveira, colaboradora da CPT-MG. Matias Cardoso, norte de MG, 24/7/2019. Apoio e divulgação: Frei Gilvander Moreira, da CPT, das CEBs e do CEBI.
*Inscreva-se no You Tube, no Canal Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos, no link: https://www.youtube.com/user/fgilvander, acione o sininho, receba as notificações de envio de vídeos e assista a diversos vídeos de luta por direitos sociais. Se assistir e gostar, compartilhe. Sugerimos.

Quilombo Lapinha, em Matias Cardoso, no norte de MG: “Lutar e Resistir. Do Quilombo não vamos sair.” Vídeo 2 – 24/7/2019.


Quilombo Lapinha, em Matias Cardoso, no norte de MG: “Lutar e Resistir. Do Quilombo não vamos sair.” Vídeo 2 – 24/7/2019.



As 170 famílias quilombolas da comunidade “Quilombo Lapinha”, localizada em Matias Cardoso, norte de Minas Gerais, receberam a notícia de uma liminar de reintegração de posse, despejo, para ser executada no inicio mês de agosto. Caso não seja revertida, parte das 170 famílias em retomada de território ao lado do Rio São Francisco podem ser despejadas. A situação está muito tensa, pois as 5 Comunidades do Quilombo Lapinha jamais aceitarão despejo. O Quilombo Lapinha possui reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares e possui também o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), que delimita o território tradicional. Todos os quilombolas já têm suas casas construídas e terra plantada que lhes dá o sustento. No Quilombo Lapinha tem rede de energia elétrica, escola, serviço de saúde, entre outros equipamentos públicos que lhes são de direito. Desde o século XVII, as famílias constroem no local sua história, reafirmam a sua cultura e perpetuam os saberes e dinâmicas de cuidado com a mãe terra e com o irmão Rio São Francisco. Apesar desse contexto histórico de vivência e de cuidado do território de maneira sustentável, o Quilombo Lapinha está sob ameaça iminente de despejo. Espera-se que o Governo de Minas Gerais se abra para negociação, não insista em fazer o despejo e cumpra o direito constitucional de acesso dos quilombolas ao seu território tradicional. Reivindicamos também que o Ministério Público Federal (MPF) e Defensorias Públicas Estadual e da União, DPE/MG e DPU sigam firmes na defesa judicial do Quilombo Lapinha. É claro também que a competência jurídica sobre Comunidades Quilombolas é da justiça Federal. E há também decreto do Governo do estado de Minas Gerais pró permanência das Comunidades Quilombolas Lapinha nas áreas retomadas. Logo, a decisão judicial do TJMG está recheada de inconstitucionalidades, ilegalidades, irregularidades e injustiça que clama aos céus. Os quilombolas da Lapinha estão determinados: “LUTAR E RESISTIR. DO QUILOMBO NÃO VAMOS SAIR.” NEGOCIA, ZEMA. NEGOCIA, GOVERNO.

Quilombola do Quilombo Lapinha. Foto: acervo da CPT/MG.

*Filmagem de Zilah de Mattos, agente de pastoral da CPT-MG. Edição de Nádia Oliveira, colaboradora da CPT-MG. Matias Cardoso, norte de MG, 24/7/2019. Apoio e divulgação: Frei Gilvander Moreira, da CPT, das CEBs e do CEBI.
*Inscreva-se no You Tube, no Canal Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos, no link: https://www.youtube.com/user/fgilvander, acione o sininho, receba as notificações de envio de vídeos e assista a diversos vídeos de luta por direitos sociais. Se assistir e gostar, compartilhe. Sugerimos.