terça-feira, 15 de novembro de 2022

Hora de lutas republicanas, emancipatórias! Por frei Gilvander

 Hora de lutas republicanas, emancipatórias! Por frei Gilvander Moreira[1]

Sônia Bone Guajajara, Coordenadora Executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), durante o Acampamento Terra Livre 2019. Foto: APIB

No contexto de uma sociedade do capital que superexplora de forma crescente o/a trabalhador/a, todos os seres humanos e todos os seres vivos da biodiversidade, sociedade que apregoa a submissão, a resignação e a entrega do ser humano para ser sacrificado no altar do capital idolatrado, a insubmissão, a rebeldia e a resistência dos Sem Terra que lutam pela terra, dos indígenas que lutam pelo resgate de seus territórios, dos Sem Teto que lutam por moradia adequada, dos Negros/as que lutam pela superação do racismo estrutural, das pessoas LGBTQIA+ que lutam pela superação da homofobia, das Mulheres que lutam pelo fim do feminicídio, dos Ecologistas que batalham para frear a devastação ambiental, são traços de pedagogia de emancipação humana. Emancipação pressupõe nunca abandonar os princípios originais que levaram à criação da CPT, do MST, do MTST, do MLB, do Movimento Indígena e de todos os outros Movimentos Sociais, não abandonar o Trabalho de Base que passa pela convivência constante com os camponeses sem-terra, com os sem-teto, com os indígenas e todos/as os/as outros/as injustiçados/as da sociedade, reunir-se, discutir e, juntos, buscar caminhos para o fortalecimento da luta coletiva por direitos que precisa se tornar cada vez mais massiva. Pressupõe também cultivar, manter e fomentar a organização interna envolvendo todos na corresponsabilidade da luta pela terra, por moradia, por territórios etc., despertando, assim, o protagonismo de todos/as. E exige abraçar a construção de outro projeto de sociedade, comprometendo-se com ele, com justiça agrária, justiça socioambiental, justiça urbana, justiça social e geracional, enfim, uma sociedade que supere o capitalismo e que construa outro modo de produção na perspectiva socialista e construa relações socioculturais que sejam de fato justas e equitativas. Enquanto perdurar relações sociais escravocratas no Brasil, não teremos justiça no seu sentido mais profundo, nem respeito à dignidade humana e nem à dignidade de toda a biodiversidade. Enquanto a idolatria do capital e do mercado dominar de forma tirânica a força de trabalho, impondo “teto fiscal” e “responsabilidade fiscal”, não teremos “piso social” e nem “responsabilidade social” para retirar grande parte dos mais de 40% do orçamento do país que segue sendo desviado para banqueiros sob o álibi de se amortizar a injusta dívida pública já paga muitas vezes. Investir pesado em políticas socioambientais exige contrariar o ídolo mercado, seus sacerdotes e arautos que estão sempre de plantão com ameaças.

As questões que a luta pela terra nos colocam não são apenas: “Lutar pela terra e por território!” “Perseverar na luta pela terra e por territórios.” “Abandonar a luta pela terra como uma questão anacrônica e ultrapassada.” Mais do que isso, a questão é: “Como continuar travando a luta pela terra e por territórios?” “Como perseverar na luta pela terra e por territórios?” Além de ser questão política, econômica, sociológica etc., a luta pela terra e por territórios é essencialmente uma questão pedagógica de emancipação humana. A luta pela terra e por territórios travada pela CPT, pelo MST e pelo pujante Movimento Indígena busca ser pedagogia de emancipação humana. Só a luta pela terra e por territórios não garante emancipação humana, mas também sem a luta pela terra e por territórios que conquiste a sua democratização e a socialização não há emancipação humana. Tudo se conquista com luta coletiva dos/as injustiçados/as sendo protagonistas, mas somos cientes de que as mudanças históricas e estruturalmente marcantes não se concretizam sem que se concretizem, antes e durante, as condições materiais históricas de sua realização. Não basta a existência de lideranças revolucionárias e/ou teorias revolucionárias. Também a história da luta pela terra e por territórios demonstra que seu êxito ou fracasso não depende apenas da força ou do vacilo do latifúndio, dos latifundiários ou atualmente do agronegócio, mas depende muito do jeito como está sendo travada tal luta. A necessidade de tornar a luta pela terra e por territórios em luta vitoriosa que de fato resulte em democratização e socialização da terra exige a superação da iníqua estrutura fundiária.

Um processo educacional não garante por si só emancipação, mas sem educação não pode haver emancipação. Mas não pode haver educação emancipatória sem luta pela terra e por territórios. Logo, a emancipação humana e social inclui vários tipos de educação e exclui outros, mas transcende a educação formal e exige permanentemente a luta pela terra e por territórios, pois estas lutas têm meios de transformar as condições materiais históricas que garantem a reprodução do modo de produção capitalista. Como fruto da luta dos movimentos populares e de todas/os as/os militantes de uma educação emancipatória, foi acolhido na Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB) no seu primeiro artigo: “A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”. Nessa perspectiva ampliada de educação, compreendendo a educação como um processo de formação humana integral, necessariamente conectado às práticas sociais, à História e à cultura, a CPT, o MST, o MTST, o Movimento Indígena etc., com atuação coletiva na luta pela terra e por territórios, têm um peso formativo pelos processos sociais que desencadeiam e se tornam ações permanentes. Assim, a CPT, o MST, o MTST, o MLB e o grande Movimento Indígena são organizações fomentadoras de processos educativos emancipatórios, pois a vida familiar dos Sem Terra, dos Sem Teto, dos parentes indígenas, é ‘chacoalhada’ pelo processo das lutas cotidianas – pequenas, médias e grandes. Também no trabalho coletivo, nas tensões sociais e nos conflitos enfrentados, no estudo e na reflexão e em todas as ações socioculturais desenvolvidas. Referindo-se à atuação do MST, Arroyo, no Prefácio do livro Pedagogia do Movimento Sem Terra, afirma: “Sua presença, suas lutas, sua organização, seus gestos, suas linguagens e imagens são educativas, nos interrogam, chocam e sacodem valores, concepções, imaginários, culturas e estruturas. Constroem novos valores e conhecimentos, nova cultura política. Formam novos sujeitos coletivos” (ARROYO em Prefácio; CALDART, 2012, p. 15).

A luta pela terra e por territórios, protagonizada pela CPT, MST e Movimento Indígena é pedagogia de emancipação humana, também porque o movimento de ocupação de terra para conquista da reforma agrária e a luta pelo resgate de territórios educa para a socialização, para a cooperação, para o exercício da agroecologia, para a solidariedade, para a igualdade de gêneros, para a valorização da comunidade[2] etc., na contramão da cultura arraigada de defesa da propriedade privada capitalista, do individualismo e da hierarquia. 

Enfim, estas lutas urgentes, justas e necessárias são lutas republicanas que nos fazem resgatar o sentido mais profundo da República Federativa do Brasil, pois colocam o público e o bem comum como as pilastras que devem sustentar o edifício da sociedade brasileira que temos que reconstruir, pois foi desmoronada pelo atual desgoverno neofascista.

Referência

CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 4ª Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.

15/11/2022

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Com + de 600 casas, Povo da Ocupação Prof. Fábio Alves, no Barreiro, BH/MG, jamais aceitará despejo

2 - Bairro consolidado: Ocupação Fábio Alves, Barreiro, BH/MG. Povo não aceitará despejo. REURB-S, JÁ!

3 - Mário Campos/MG precisa ser preservado! "Não aceitamos mineração aqui!" Viva agricultura e as águas!

4 - STF proíbe despejo sem alternativa adequada e prévia - Por frei Gilvander - 10/11/2022

5 - Ato Público em Mariana, MG: Sete anos de crime continuado da Samarco, Vale e BHP. Cadê Justiça?

6 - Levantemo-nos! À luta por direitos, já! - Por frei Gilvander - 05/11/2022



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Esses e outros valores socialistas e, por isso, anticapitalistas, são cultivados no cotidiano da luta pela terra e aparecem  com frequência em muitos documentos do MST, especialmente nos que se referem à educação dos sem-terra. Eis alguns desses documentos: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; Setor de Educação. Estórias de Rosa, [s.d.]; Associação Nacional de Cooperação Agrícola (ANCA). Nossos valores. Para soletrar a liberdade, n. 1, 2000 (Caderno do Educando); Coletivo Nacional de Gênero do MST. Mulher sem terra. Caderno de formação, n. 2, [s.d.].

terça-feira, 8 de novembro de 2022

STF proíbe despejo sem alternativa adequada e prévia. Por Frei Gilvander

STF proíbe despejo sem alternativa adequada e prévia. Por Frei Gilvander Moreira[1]

Legenda: Jornada Nacional de Luta pela Moradia. Fonte: Campanha Despejo Zero

Dia 31 de outubro último (2022) venceu o prazo da ADPF 828 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental da Constituição), do Supremo Tribunal Federal (STF), que proibia despejos no país no campo e na cidade, em ocupações coletivas e em casos de inquilinos individuais durante a pandemia. Os partidos PSOL e PT, RENAP[2] e Terra de Direitos[3], e dezenas de outras Organizações de Direitos Humanos pleitearam pela 4ª vez “a extensão do prazo da medida liminar concedida até que advenha o julgamento de mérito da ADPF 828, ou por mais 6 (seis) meses ou até que cessem os efeitos sociais e econômicos da Pandemia da covid-19 e, deste modo, continuem sendo e/ou sejam suspensos todos os processos, procedimentos ou qualquer outro meio que vise a expedição de medidas judiciais, administrativas ou extrajudiciais de remoção e/ou desocupação, reintegrações de posse ou despejos de famílias vulneráveis, enquanto perdurarem os efeitos sanitários, sociais e econômicos da Covid-19.” O ministro do STF Luis Roberto Barroso não estendeu o prazo da ADPF 828. Entretanto, o ministro Barroso determinou um Regime de Transição para que, “de forma gradual e escalonada”, “para não geral convulsão social”, se retome o cumprimento de reintegrações de posse, mas com a condição de que seja garantido alternativa digna, adequada e prévia para todas as famílias das ocupações para que o direito à moradia seja garantido, conforme prescreve a Constituição Federal.

A brutal injustiça agrária no Brasil, que concentra 50% da terra nas mãos de apenas 2% de pessoas ou empresas, tem impulsionado um imenso êxodo rural nos últimos cinquenta anos e gerado uma dramática injustiça urbana, que leva à existência atual de um altíssimo déficit habitacional no país, com mais de 6 milhões de famílias sem moradia no Brasil e sendo que mais da metade da população de 215 milhões de pessoas vive em condições inadequadas de moradia, e 52%, segundo dados de 2019, pagam aluguel acima de 30% de sua renda. Nos últimos quatro anos, com o empobrecimento das famílias, durante o desgoverno do inominável, aumentou-se o número e a quantidade de favelas nas cidades médias e grandes do Brasil. Pesquisa realizada pela Prefeitura do Rio de Janeiro em 2021 revelou que 31% das pessoas estão na rua há menos de um ano, sendo 64% por perda de trabalho, moradia ou renda. Destes, 42,8% afirmaram que, se tivessem um emprego, sairiam das ruas[4]. Pesquisa do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (POLOS-UFMG) revelou que, em 2019, eram 174.766 pessoas em situação de rua no país, enquanto, em setembro de 2022, o número saltou para 213.371[5]. A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (PENSSAN), registra o avanço da fome: são 15,5% de domicílios com pessoas passando fome, o que corresponde a 33,1 milhões de pessoas.

Estão em ocupações famílias inteiras, pessoas desempregadas que, para não irem para as ruas, ocuparam terrenos e prédios abandonados, que não cumpriam sua função social. Cerca de 75% de quase um milhão de pessoas ameaçadas de despejo são mulheres, crianças e idosos; são pessoas que não suportam mais a pesadíssima cruz do aluguel ou a humilhação que é sobreviver de favor nas costas de parentes ou ainda sobreviver nas ruas.

Foi imprescindível e vital a decisão do STF de suspender os despejos durante a pandemia da covid-19. O STF acolheu reivindicação da Plataforma Despejo Zero, Campanha Nacional por Despejo Zero, integrada por 175 Movimentos Sociais Populares e Organizações de defesa dos Direitos Humanos. Se a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da comunidade científica era ficar em casa para evitar pegar covid-19, teria sido um massacre brutal empurrar para as ruas cerca de 500 mil famílias, cerca de 2 milhões de pessoas, que estão em ocupações no campo e na cidade no país. Atualmente, segundo levantamento da Plataforma Despejo Zero, se tivesse simplesmente terminado a ADPF 828, a que proibiu os despejos até 31/10/2022, cerca de 200 mil famílias, ou seja, quase 1 milhão de pessoas, seriam despejadas imediatamente e jogadas na rua.

Entretanto, após adiar por três vezes a proibição de despejos durante a pandemia, exceto os ministros bolsonaristas Nunes Marques e André Mendonça, nove ministros do STF, dia 02/11/22, confirmaram a decisão do ministro Luis Barroso que determinou um Regime de Transição para os tribunais lidarem com as Ocupações coletivas que estão sob decisões judiciais de reintegração de posse. Segundo o Regime de Transição determinado pelo STF, os tribunais estaduais e regionais federais devem criar imediatamente Comissões de Conflitos Fundiários para mediar os conflitos que envolvem todas as famílias em ocupações que estão sob decisão judicial que manda despejar quem está em ocupações. “As Comissões devem ser permanentes e ter a presença permanente de órgãos públicos municipais, estaduais e federais de habitação, regularização fundiária, assistência social, saúde e de proteção de direitos de vulneráveis (ex.: conselho tutelar), além da Defensoria Pública e do Ministério Público. E devem ter como referência o modelo bem-sucedido adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná”, definiu o STF. Diz a decisão do STF: “As Comissões de Conflitos Fundiários devem fazer visitas técnicas, audiências de mediação e, principalmente, propor a estratégia de retomada da execução de decisões suspensas pela presente ação, de maneira gradual e escalonada”.

As Comissões têm o “objetivo de mediar conflitos fundiários de natureza coletiva, rurais ou urbanos, de modo a evitar o uso da força pública no cumprimento de mandados de reintegração de posse ou de despejo e (r)estabelecer o diálogo entre as partes”. Frise-se que a decisão do STF exclui o uso da força pública (de polícia) na execução do despejo. Ou seja, as Comissões de Conflitos fundiários dos Tribunais devem ser exitosas na construção de justa mediação de forma que garanta o direito à moradia. Logo, as Comissões não poderão ser “só proforma” e encaminhar despejo após sua atuação. “As Comissões poderão atuar em qualquer fase do litígio, inclusive antes da instauração do processo judicial ou após o seu trânsito em julgado”, diz a decisão do STF. As Comissões deverão ainda “atuar na interlocução com o juízo no qual tramita a ação judicial, interagir com as Comissões de Conflitos Fundiários instituídas no âmbito de outros poderes e órgãos, como o Governo do Estado, a Assembleia Legislativa, o Ministério Público, a Defensoria Pública etc.” “Nos casos judicializados, as Comissões funcionarão como órgão auxiliar do juiz da causa.” A decisão do STF enfatiza ainda: “Os juízes devem ponderar os impactos sociais da execução das reintegrações de posse e atuar, nos limites da sua jurisdição, a fim de evitar ao máximo a violação de direitos fundamentais.

Na decisão do STF o ministro Luis Barroso enfatiza: “Volto a registrar que a retomada das reintegrações de posse deve se dar de forma responsável, cautelosa e com respeito aos direitos fundamentais em jogo”, ou seja, apenas quando se comprovar realmente que é justa a decisão de reintegração de posse e após se arrumar alternativa digna, prévia e adequada de moradia, se faculta a realização de despejo. Despejo forçado, jamais, pois violenta os direitos fundamentais da pessoa humana assegurados na Constituição de 1988.

Das alternativas dignas e prévias que abram espaço para despejo precisam estar excluídos como suficientes o cadastramento pelo poder público municipal e inclusão em fila de espera da moradia, o envio para abrigos públicos, por serem insalubres, inadequados e com rígidas restrições à liberdade das pessoas, e o pagamento de auxílio aluguel, (auxílio moradia), por ser migalha super contraditória: a) o valor é insuficiente, só uns 30% do que se precisa para alugar moradia digna; b) Em muitos casos, as prefeituras param de pagar após alguns meses; c) Hiperinflaciona os aluguéis na cidade; 4) Desresponsabiliza o prefeito, o governador e o presidente sobre a necessidade de implementar política pública de moradia efetiva para todo o povo, o que joga novamente as pessoas nas ruas ou as forçam a fazer outras ocupações.

O STF determinou respeito à dignidade humana e que em casos de decisões administrativas que exijam despejo de pessoas vulneráveis “não pode haver a separação das pessoas do núcleo familiar” em caso de oferecimento de abrigamento público ou outras moradias dignas. O justo e constitucional é proibir definitivamente despejo de ocupações onde se comprove que a propriedade estava ociosa, abandonada e sem cumprir a função social, pois as ocupações coletivas por necessidade são uma forma de pressão constitucional assegurada por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em jurisprudência da lavra do ex-ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, para que se cumpra o direito à terra e à moradia, assegurado na Constituição. Contudo, a decisão do STF é um passo importante, uma opção ética e responsável para lidar com a injustiça agrária e urbana que causa as ocupações e de como resolvê-las de forma justa, ética e pacífica. É imprescindível que o juízo de um conflito fundiário urbano ou rural verifique pontos como a existência de título válido por quem demanda a desocupação e o cumprimento da função social do imóvel por seu titular.

Em Minas Gerais, a decisão do STF, acima referida, na prática, exige o fortalecimento e a ampliação da autonomia da Mesa de Negociação do Governo de MG com as Ocupações e do CEJUSC (Central de Conciliação do TJMG) que deverão lidar de forma responsável socialmente com todos os conflitos urbanos e camponeses. Esperamos sensatez, espírito ético e republicano dos tribunais no cumprimento da decisão do STF. Por isso, todos nós dos Movimentos Sociais e todo o povo das Ocupações seguiremos lutando. Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito e o direito à moradia precisa ser garantido. Todo despejo é desumano e brutal, pois destrói moradias, histórias, sonhos e mata de muitas formas as pessoas. Viva a luta por acesso à terra e à moradia!

O STF determina que sejam seguidas as Resoluções n.º 10/2018 e n.17/2021 do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e a Resolução nº 90/2021 do Conselho Nacional de Justiça, que “recomenda aos órgãos do Poder Judiciário a adoção de cautelas quando da solução de conflitos que versem sobre a desocupação coletiva de imóveis urbanos e rurais durante o período da pandemia do Coronavírus (Covid-19).” Portanto, seguiremos lutando para que o Congresso Nacional aprove lei no sentido de adequar a política fundiária e habitacional do país que garantam justiça agrária e urbana. É injustiça voltar a despejar desconsiderando a análise da função social da propriedade e sem alternativa adequada e prévia. Uma leitura atenta da decisão do STF conclui que fica proibido despejo sem alternativa adequada e prévia.

08/11/2022

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Levantemo-nos! À luta por direitos, já! - Por frei Gilvander - 05/11/2022

2 - 220 Famílias da Ocupação Terra Prometida, Ibirité/MG, preservam APP e se liberta da cruz do aluguel

3 - Preservar Área de Proteção Permanente e 220 casas: Famílias da Ocupação Terra Prometida, Ibirité/MG

4 - CPT e MLB c Ocupação Terra Prometida, em Ibirité/MG: luta por moradia p se libertar da cruz/aluguel

5 - Segue Sexta-feira da Paixão em Ibirité/MG. MRS/Vale, despejo/DEMOLIÇÃO de CASAS SEM DECISÃO JUDICIAL

6 - Pingo D’água, em Betim/MG, Ocupação-Bairro em franco processo de consolidação. STJ: "Despejo, NÃO!"

7 - Despejo em Raposos/MG! PM e Anglo Gold, SEM MANDADO JUDICIAL. E APDF 828 do STF que proíbe despejos?

8 - STJ: "Não pode haver despejo em Ocupação que se consolidou." Ocupação Pingo D'água/Betim/MG. REURB-S





[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares

[3] Organização de Direitos Humanos – www.terradedireitos.org.br

[4] Disponível em: https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/populacaoem-situacao-de-rua-aumentou-durante-a-pandemia/. Acesso em 07.11.2022. 

[5] Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/10/13/ao-menos-38-milnovas-pessoas-comecaram-a-viver-nas-ruas-desde-o-inicio-da-pandemiano-brasil.ghtml. Acesso em 07.11.202

sábado, 5 de novembro de 2022

O Brasil pós-eleições. Por Prof. Dr. Fernando Altemeyer Junior

O Brasil pós-eleições. Por Prof. Dr. Fernando Altemeyer Junior[1]

 

Após falar à imprensa, Lula seguiu para a Avenida Paulista: "O Brasil precisa de nós” (foto: Ricardo Stuckert)

O Brasil pós-eleições parece com um povo andando pelo deserto ainda desnorteado com a liberdade mal testada, com as tropas egípcias ainda no seu pé e gente querendo voltar para trás com saudades das cebolas. Caminhar sem mapa no deserto exige mirar estrelas. 

Vamos precisar de profetas para as várias etapas que estamos a viver. Algumas e alguns são agora deputados e deputadas na luta parlamentar. Nossos companheiros para fortalecer a sociedade civil e a voz do povo organizado. 

Precisamos de profetas para cidades como São Paulo que ainda vive no exílio, apesar de ter votado na democracia. Mas a maioria dos paulistas quis um miliciano de direita. 

Profetas para rincões da Amazonia que sofre os abusos gritantes dos latifundiários, do trabalho escravo e da monocultura coloniais. Felizmente temos o cardeal Steiner como voz que clama em Manaus. 

E, claro, para o Brasil inteiro, oxalá surjam profetisas e profetas pós exilicos na árdua tarefa coletiva e política e social e religiosa e ética, de reconstruir a democracia, a voz dos pequenos, das mulheres, dos indígenas e do povo negro. A nos fortalecer temos MST E MTST. 

Recordo da voz do padre Bouzon: 

“A análise da literatura profética mostra-nos, pois, que a preocupação máxima de um profeta não é predizer o futuro, o profeta não é um adivinho. Ele é, sim, um pregador que anuncia a vontade do Deus de Israel ao povo. Ele fala, portanto, conforme a necessidade do seu tempo. A preocupação de um profeta pré-exílico é condenar os abusos e as injustiças sociais que reinavam na sociedade israelita e judaica nos séculos VIII, VII e VI a.C. Já o profeta exílico procura reanimar o povo exilado e sem independência política e religiosa. O profeta pós-exilico trabalha na reconstrução de Jerusalém e do país" (Emanuel Bouzon, O profetismo no Antigo Oriente e no Antigo Testamento, in: Maria Clara Lucchetti Bingemer & Eliana Yunes, Profetas e profecias numa visão interdisciplinar e contemporânea, São Paulo: Ed. Loyola, 2002, p. 41). 

Discernir a hora, o lugar e as utopias necessárias. Tarefa importante na casa, na rua, na Escola, nos sindicatos, nas associações e ongs. Em cada lugar uma palavra oportuna e lúcida. Tenho em meu olhar Dom Paulo, pastor Jaime Wright, dom Helder e dom Luciano como luminares e exemplos a seguir. 

Enfrentar os fascismos e ouvir as dores do povo. As duas tarefas ao mesmo tempo pois são duas faces da mesma moeda. 

Há estes destruidores do Centro dom Bosco no Rio, há os velhos e novos nazistas em Santa Catarina, há fome nas ruas, há milicianos por toda parte, há corruptos e criminosos nos aparelhos policiais, enfim, tá danado. MAS EXISTEM padres Julios e irmãs Dulces e as comunidades nas periferias resistindo e existindo e haurindo forças das raízes culturais. São as redes de jovens lutadores e das mulheres articuladas. Gente que ama e luta. Gente que partilha. Gente ecumênica das várias denominações que sabe que o amor nos une.

Há torcidas organizadas derrubando barreiras.

Ah, enfim, temos papa Francisco, agora costurando fraternidade no Bahrein. 

Aleluia! Deus é misericórdia e está conosco. Bem do nosso lado. Emanuel - conosco. 

Teremos que construir todo o edifício popular pedra a pedra, argamassa a argamassa, suor a suor, cantiga a cantiga. Como diz o primeiro samba: Ô, abre alas, que vamos passar! Com serenidade e paz. Com memória, justiça, verdade. 

Abraços na esperança teimosa e com muita paz nas mãos e no coração. 

SP, 05/11/2022



[1] Assistente doutor da PUC-SP.

terça-feira, 1 de novembro de 2022

Levantemo-nos! À luta por direitos, já! Por Frei Gilvander

Levantemo-nos! À luta por direitos, já! Por Frei Gilvander Moreira[1]

Legenda para a foto: Os últimos raios de sol do dia 07/02/2020, ainda iluminavam o fim da tarde em União dos Palmares, na Zona da Mata de Alagoas, quando em marcha, cerca de 200 jovens, de bandeiras nas mãos,
cantando canções de liberdade, inauguravam o Bosque da Resistência Ana Primavesi. Lá, as mãos dos filhos e filhas da luta pela terra, plantaram mil mudas de árvores simbolizando a disposição na luta pela terra e pelos bens da natureza. Foto: Matheus Alves

O dia 30 de outubro de 2022 entrará para a história como o dia em que o povo brasileiro conseguiu eleger pela terceira vez Luiz Inácio Lula da Silva para presidente do Brasil, impedindo que o país se descambasse para um novo período de ditadura, de tirania, de Fake News, de ódio, de intolerância e de superexploração da dignidade humana e de toda a biodiversidade. Com a eleição de Lula inaugura-se um novo período de esperança, de amor e de reconstrução do país. Momento propício para mostrarmos a importância da luta pela terra e por todos os direitos humanos fundamentais, sociais e ambientais.

Em um país que reproduz cotidianamente há 522 anos uma iníqua estrutura fundiária pautada no latifúndio – aprisionamento e cativeiro da terra -, a luta pela terra e na terra é imprescindível, pois enquanto perdurar a injustiça agrária não teremos justiça social, nem urbana e nem ambiental. Entretanto, a luta pela terra, para ser emancipatória, precisa ser protagonizada pelo campesinato Sem Terra e da perspectiva deles. Jamais pode ser luta para os sem-terra e nem por eles, pois, se assim for, recai no assistencialismo que, além de fomentar a cultura da dependência e de tranquilizar a consciência de quem antes acumulou e, por isso, pode repartir algumas migalhas, reduz a pessoa humana de sujeito a objeto, abafando nela a capacidade de ser sujeito, de criar, de construir, de dialogar, enfim, de lutar e de se emancipar. “O assistencialismo é uma forma de ação que rouba da pessoa humana condições à consecução de uma das necessidades fundamentais de sua alma – a responsabilidade” (FREIRE, 2002, p. 66), capacidade de responder por algo, tomar decisões diante de problemas, sejam eles pequenos ou grandes, que afete a outros e/ou a si mesmo, sentindo-se comprometido com eles.

Na metodologia de trabalho e de luta da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Movimento dos Trabalhadores Rurais (MST) e de dezenas de outros movimentos sociais camponeses, os Sem Terra se tornam responsáveis e corresponsáveis uns pelos outros e por toda a luta pela distribuição de tarefas envolvendo todos os Sem Terra do Acampamento ou do Assentamento, em reuniões de Núcleos de Base e/ou em Assembleias Gerais, onde se planejam as ações que precisam ser executadas, como deve ser posta em prática e depois se avaliam todas as atuações. Quando cada Sem Terra recebe uma tarefa, uma responsabilidade, a primeira coisa que reflete positivamente é a elevação da autoestima. Segundo, a pessoa desenvolve-se como sujeito e, assim, cresce a consciência de que o êxito da luta depende da corresponsabilidade de todas/os. Esse jeito pedagógico acorda o infinito potencial da pessoa, adormecido, negado e reprimido na opressão do sistema do capital. Assim, os Sem Terra, na luta pela terra, resgatam o lema do semanário Revolutions de Paris, publicado em Paris, de julho de 1789 a fevereiro de 1794: “Os grandes só nos parecem grandes porque estamos de joelhos: levantemo-nos!” (Cf. nota n. 303, MARX; ENGELS, 2007, p. 565)).

A luta pela terra emancipa as camponesas e os camponeses de quê? E a luta pela moradia e por todos os outros direitos humanos fundamentais emancipa de quê? Do medo, da servidão consentida, da desesperança, da passividade, da alienação, do individualismo etc. A luta pela terra e por todos os direitos sociais enquanto pedagogia de emancipação humana é uma luta por liberdade, luta libertária, mas não liberdade como um estado de espírito, mas um processo permanente que implica luta e conquista de direitos sociais, muito mais do que direitos individuais. Não é a liberdade de um capitalista que pensa, por ser livre, poder açoitar um trabalhador negro escravizado, conforme denuncia Marx e Engels: “Um ianque vem à Inglaterra, é impedido pelo juiz de paz de açoitar seu escravo, e grita indignado: “A isto você chama de país livre, onde um homem não pode surrar seu próprio negro?” (MARX; ENGELS, 2007, p. 2006).

A maior parte dos sem-terra e dos sem-teto não se engaja na luta pela terra e por moradia adequada por medo. Medo da repressão da polícia e/ou dos jagunços dos fazendeiros, medo de a luta não ter êxito. Mas, na luta pela terra e por moradia, pouco a pouco vai se desconstruindo a ideologia dominante que inculca nos oprimidos que eles não têm poder. Na luta coletiva por direitos desperta-se a força interior de cada camponês/a ou sem-teto que se torna militante. Esvai-se o medo e a coragem vai sendo cultivada. A luta por direitos gera esperança.

Há várias maneiras de analisar se a luta pela terra, tal como protagonizada pelo MST, nos últimos 38 anos, e pela CPT, nos últimos 47 anos, pode ser compreendida como emancipatória ou não. E, se sim, em que termos? Uma maneira é olhar de forma panorâmica o longo período de história de luta pela terra. Nessa perspectiva, a perseverança da CPT e do MST com milhares de Sem Terra que, de cabeça erguida, não abriram mão da luta, é sinal de algo emancipatório. Outra maneira de olhar a luta pela terra é compreender que as transformações substanciais e profundas são processuais e exigem o cuidado permanente com pequenos detalhes, com o cotidiano e o miúdo da convivência humana e da luta. Isso passa pela integridade pessoal e pelo cultivo de virtudes e valores tais como a humildade e a retidão de caráter. Outra maneira é analisar o início, todo o processo de luta e algum final, em uma visão globalizante. Por essa perspectiva, dá para dizer que a sociedade brasileira não seria a mesma e, certamente, seria muito pior se não tivesse surgido e se não estivessem atuando no Brasil a CPT e o MST ocupando latifúndios que não cumprem sua função social, criando consciência emancipatória e desmascarando injustiças tremendas produzidas pelas relações sociais de superexploração do capital. Quando a CPT e o MST estiverem celebrando cinquenta ou cem anos de luta pela terra, poderemos, provavelmente, ver com mais nitidez o processo emancipatório da luta pela terra. Nessa proposta de análise plural e mesclada em várias perspectivas, estamos em sintonia com o que pondera o historiador Christopher Hill ao analisar as ações e as ideias subversivas dos grupos radicais de trabalhadores que protagonizaram a Revolução Inglesa de 1640: “Há duas maneiras de vermos uma revolução. Podemos contemplar os gestos que simbolizam e concentram longos períodos de luta. [...] Mas também existem mudanças mais demoradas, mais lentas, mais profundas nos processos mentais, sem as quais os gestos heroicos ficariam totalmente desprovidos de sentido. Estas mudanças nos escapam, se nos perdemos no detalhe; somente podemos apreciar a dimensão das mudanças se nos dispomos a examinar o começo e o fim da Revolução – se é que palavras tão vagas podem se aplicar a um processo que sempre começa e nunca termina. De uma perspectiva mais distanciada podemos medir as colossais transformações que precipitaram a Inglaterra no mundo moderno. E talvez possamos manifestar certa gratidão a todos esses radicais anônimos que anteviram e tentaram implantar não o nosso mundo contemporâneo, porém algo muito mais nobre, algo que ainda não se realizou: o mundo de ponta-cabeça” (HILL, 1987, p. 365-366).

Enfim, a história não para e é preciso se fazer erguer um imenso mutirão de reconstrução do nosso querido Brasil, assolado pela fome, pela miséria, pela injustiça agrária, social e ambiental. Levantemo-nos! À luta por direitos, já!

Referência

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã: crítica da mais recente Filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.

1º/11/2022

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Preservar Área de Proteção Permanente e 220 casas: Famílias da Ocupação Terra Prometida, Ibirité/MG

2 - CPT e MLB c Ocupação Terra Prometida, em Ibirité/MG: luta por moradia p se libertar da cruz/aluguel

3 - “A gente só quer um pedacinho de terra”: 120 famílias da Ocupação Vila Maria, em BH, MG - Vídeo 3

4 - (2a parte) Culto Ecumênico na Ocupação Dom Tomás Balduíno/Betim/MG. "A terra é de Deus para todos."

5 - Ocupação do MST/Campo do Meio/MG: despejo, NÃO! ALMG/Dr. Afonso Henrique/Vídeo 2. 22/11/18

6 - Ocupação Prof. Edson Prieto, do MSTB/Uberlândia: 2,200 famílias/casas de alvenaria. 20/11/2012

7 - Cativeiro da Terra no Brasil. A luta pela superação do Racismo, com Frei Gilvander Moreira

8 - Dom Tomás Balduíno, da CPT, no Cenários, da TVC/BH: Romarias da terra e Luta pela Reforma Agrária


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

 

terça-feira, 25 de outubro de 2022

Votar em Projeto de Vida ou de Morte? Por Frei Gilvander

Votar em Projeto de Vida ou de Morte? Por Frei Gilvander Moreira[1]

Dia 30 de outubro de 2022 será um dia histórico para o povo brasileiro: segundo turno das eleições. O povo deverá escolher entre restabelecer a democracia ou autorizar pelo voto o fortalecimento de um regime fascista, ditatorial e tirânico que, na prática, já está sendo implantado. A escolha é entre governo de humanidade ou da crueldade. Que nestes dias, como em todos os dias, reine em nós saúde, paz e alegria interior, amor ao próximo, coragem de lutar pelo bem comum, utopia no olhar e esperança no coração. “Felizes os que constroem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9), brada o Evangelho de Mateus, na Bíblia. Portanto, não podemos votar em quem está disseminando a violência, o ódio e a intolerância, em quem diz abstratamente “pátria amada”, mas, com mais de 30 decretos, flexibiliza o acesso a armas e munições e, assim, está disseminando o armamentismo no meio do povo e, pior, armando pessoas violentas. Jesus exortou-nos a “amai-vos uns aos outros” e jamais “armai-vos”. Bispos da Igreja Católica denunciam em Nota de 24/10/2022: “Os discursos e as medidas do atual presidente que visam armar todas as pessoas e eliminar os opositores estão em contradição tanto com o 5º mandamento, que diz “não matarás”, quanto com a Doutrina Social da Igreja, que propõe o desarmamento e diz que “o enorme aumento das armas representa uma ameaça grave para a estabilidade e a paz” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 508).”

Nosso mestre Jesus foi torturado pelos podres poderes da religião, da política e da economia endeusada do império romano escravocrata. É uma contradição gravíssima uma pessoa cristã votar em quem tem como ídolo um torturador sanguinário. Já está por demais comprovado que quanto mais armas na sociedade maior é a violência e o números de mortos. Logo, pela paz, votar em Lula é a melhor opção.

Bispos católicos apontam em nota de 24/10/2022 várias contradições e hipocrisia do atual antipresidente: “Enquanto dizia “Deus acima de tudo”, o Presidente ofendia as mulheres, debochava de pessoas que morriam asfixiadas, além de não demonstrar compaixão alguma com as quase 700 mil vidas perdidas para a covid-19 e com os 33 milhões de pessoas famintas em seu país. Lembramos que o Brasil havia saído do mapa da fome em 2014, por acerto dos programas sociais de governos anteriores. Na prática, esse apelo a Deus é mentiroso, pois não cumpre o que Jesus apresentou como o maior dos mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo (Mt 22, 37). Quem diz que ama a Deus, mas odeia o seu irmão é "mentiroso" (1Jo 4,20).”

Como votar em um candidato cujos apoiadores e correligionários fazem de forma criminosa assédio eleitoral: fazendeiros e/ou empresários pressionando seus trabalhadores com ameaças de que, se não votarem no inominável, serão demitidos. Cadê o respeito à dignidade humana? São escravocratas os fazendeiros, os empresários, os padres, os pastores ou quem quer que seja, que criminosamente pressionam trabalhadores para votarem no candidato que governa para auferir acumulação de capital para si mesmo ou para sua empresa, pois se acham no direito de não respeitarem a liberdade da pessoa humana e pensam que podem encabrestar as pessoas para atenderem à sua ganância e arrogância capitalista, diabólica. Que beleza que o voto é secreto e em urna eletrônica comprovadamente segura! Denuncie os assédios eleitorais, pois são crimes.

Já está comprovado que pastores e padres bolsonaristas, e leigos que se dizem religiosos, fazem campanha para o inominável não por amor ao próximo, mas porque, além de se negarem à interpretação dos textos bíblicos com clareza, por conveniência, estão recebendo recursos do governo federal e/ou estão sendo beneficiados pelos brutais cortes em direitos trabalhistas, previdenciários, na saúde e educação pública. Ou seja, estão sendo egoístas e insistindo em continuar pisoteando na dignidade humana da maioria do povo brasileiro. São destruidores das famílias, que precisam ser consideradas e respeitadas em todas as suas possibilidades de composição e na diversidade existente.

A história da humanidade mostra que muitas vezes o povo cegado, em atitude suicida, elegeu seus próprios algozes. Isto aconteceu quando o povo manipulado por quem usava em vão o nome de Deus, arvorando-se como defensores de “Deus, Pátria, Família e Propriedade”, elegeu Benito Mussolini, Adolfo Hitler e o general Franco, que se tornaram nazifascistas sanguinários. A história demonstra também que um gato fictício pode levar os ratos a caírem na ratoeira. A rede diabólica de fake news está hipnotizando muita gente. Já está por demais comprovado que o inominável mente de forma contumaz. Ele só sabe dizer mentiras, até para criar cortina de fumaça para que o povo não discuta o fracasso do seu desgoverno nas áreas de meio ambiente, da saúde, da educação e da economia. Em Nota, Bispos católicos profetizam ainda: “Vivemos quatro anos sob o reinado da mentira, do sigilo e das informações falsas. As fake news (notícias falsas veiculadas como se fossem verdades) se tornaram a forma “oficial” de comunicação do Governo com o povo. (...) O atual presidente e os parlamentares que o apoiam ameaçam aumentar a composição do Supremo Tribunal Federal para criar uma maioria de apoio aos seus atos. O controle dos poderes Legislativo e Judiciário sempre foi o passo determinante para a implantação das ditaturas no mundo.” Com formação caricatural e com discursos histéricos, hipócritas pastoras, falsos pastores, padres medíocres descompromissados ou líderes religiosos adoradores de dinheiro, estão seduzindo pessoas ingênuas que aceitam falsas interpretações bíblicas e assimilam posturas moralistas e fundamentalistas que, na prática, sustentam políticas de discriminação, de violência e morte.

Será um absurdo o povo reeleger um antipresidente que em quatro anos não deu nem um centavo de aumento real do salário mínimo e que confirmou que o ministro da economia planeja reduzir anualmente o valor real do salário mínimo e da aposentadoria. Isso violentará a dignidade de mais de 80 milhões de pessoas, pois será na prática impor relações sociais escravocratas. Lula não é perfeito, mas é mil vezes melhor do que o inominável. Em oito anos de governo, Lula aumentou anualmente o valor real do salário mínimo, o que aumenta o poder de consumo das famílias pobres, incrementa o comércio e aquece a economia do país. 

A economia do país precisa de novos rumos, alicerçados em princípios de justiça, com taxação das grandes fortunas, com variação do percentual de dedução do imposto de renda, onde quem ganhe mais, pague mais e vice-versa. A vida dos mais humildes, dos preferidos e escolhidos do Mestre Jesus está um sofrimento diário. Quem visita casas das periferias, das favelas, dos aglomerados, das ocupações, sabe a dor e a agonia que tem sido conciliar o aluguel, as contas do mês, as contas da farmácia. A fome não é mero discurso, voltou a ser uma realidade cruel, insana e desumana na vida de mais de 33 milhões de brasileiros/as. Engana-se quem acha que apenas os discursos de “bons costumes” e de valorização da família estejam acima de tudo, e não percebem que, na realidade, as práticas não são nem de “bons costumes” nem de respeito à família. Melhor candidato é aquele que investe em educação e saúde pública, que constrói novas universidades, que amplia o número de vagas em creches, pré-escolas, educação infantil, que dá condições dignas de trabalho aos professores/as, equipa as universidades e executa políticas de preservação ambiental, o que se tornou uma necessidade diante das mudanças climáticas com eventos extremos cada vez mais devastadores, causados pela espiral de devastação ambiental promovida por desmatadores, garimpeiros, mineradoras, monoculturas etc.

O atual antipresidente virou as costas para o povo empobrecido, principalmente no tempo da pandemia. Não será ético reeleger o inominável porque está altamente demonstrado que ele não levou a sério a pandemia da covid-19 e poderia ter evitado a morte de mais de 400 mil pessoas por covid-19. No Brasil morreu quatro vezes mais gente de pandemia do que a média mundial, porque o inominável foi negacionista, atrasou vários meses a compra de vacina, disse que era “gripezinha”, desdenhou e zombou de quem estava morrendo asfixiado pela falta de oxigênio, demitiu o ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta, que demonstrava ter compromisso com o que os cientistas estavam propondo para enfrentar a pandemia. O inominável impôs no Ministério da Saúde um general que não entendia nem de logística e era totalmente ignorante com relação à missão de um ministro da saúde. Bispos católicos em Nota alertam ainda: “Basta analisar com dados e números e perguntar: Qual dos candidatos concorrentes valorizou mais a saúde, a educação e a superação da pobreza e da miséria e qual retirou verbas do SUS, da educação e acabou com programas sociais? Quem cuidou da natureza, principalmente, da Amazônia, e quem incentivou a queima das florestas, o tráfico ilegal de madeiras e o garimpo em terras indígenas?”

Enfim, temos mil motivos para eleger Lula como presidente do Brasil dia 30 de outubro agora (2022), pois ele governará beneficiando o povo e freará os interesses egoístas de empresários irresponsáveis socialmente e ambientalmente. Que o Deus da vida, invocado sob tantos nomes, nos inspire e nos ilumine neste momento dramático em que vivemos. Que a verdade, o amor e a esperança prevaleçam! Que a maioria do povo vote na democracia, na vida, no amor, na paz, para desarmar o país e impedir a brutalidade que nos ronda. É Lula, lá!  O outro é caminho para a superexploração, para ampliação da fome, da miséria e da violência no meio do povo.

25/10/2022

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado acima.

1 – Uso abusivo da religião nas eleições - Por frei Gilvander - 1º/10/2022

2 - Modelo de sociedade escravocrata violenta sendo imposto pelo bolsonarismo? Por Pastor Ed René Kivitz

3 - Dez mudanças que ocorrerão nas igrejas caso Bolsonaro perca a reeleição para Presidente do Brasil

4 - Por que Evangélicos, Católicos e pessoas de outras religiões devem votar em Lula no 2º turno?

5 - Ato Interreligioso em BH/MG em defesa da democracia, da vida, pela paz e contra golpistas/opressores

6 - Carta da Democracia e as Eleições no Brasil, com o advogado Antonio Carlos Kakay

7 - A Democracia funciona quando existe respeito aos direitos humanos. Por frei Gilvander - 12/4/2021

8 - Vote pela democracia, pela justiça, paz e pela vida! Por frei Gilvander - 1ª Parte - 11/11/2020

9 - Luta contra mineração no 27º Grito dos Excluídos, em Itabira, MG, no Palavra Ética na TVC-BH

10 - 27º Grito dos Excluídos, de Itabira, MG, no Palavra Ética da TVC-BH: Fora, Bolsonaro! 07/09/2021

11 - Fernando Francisco de Gois, outro Cristo/Servo de Deus no meio dos excluídos, em São Félix/MT agora

12 - 5ª Romaria das Águas e da Terra da bacia d rio Doce, Conceição do Mato Dentro/MG. Com Frei Gilvander

13 - Milhares no 28º Grito dos Excluídos em BH/MG: "Fora, Bolsonaro! Lula, Lá! Resgate de direitos, já!"

14 - Olhar crítico sobre o 1º turno das eleições - Por frei Gilvander

15 - “Votar a favor dos Povos Indígenas e das matas ou ...?” (Cacique Merong, Kenowara e Katorã, Kamakãs



[1] Padre da Ordem dos Carmelitas; doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FAE/UFMG); licenciado e bacharel em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR); bacharel em Teologia pelo Instituto Teológico São Paulo (ITESP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da Comissão Pastoral da Terra/MG (CPT), assessor do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI) e das Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no Serviço de Animação Bíblica (SAB), em Belo Horizonte, MG; colunista de vários sites; e-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III