quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Função social, coluna mestra da propriedade. Por Frei Gilvander

 Função social, coluna mestra da propriedade. Por Frei Gilvander Moreira[1]

Temos que pensar as sociedades, os territórios e a globalização transnacional do capital não apenas como espaços, movimentos e identidades homogeinizantes. Em Minas Gerais, por exemplo, temos grande diversidade territorial e cultural. No sul de Minas, as monoculturas do café e do pasto predominam. No sudoeste de Minas, os canaviais estão mudando o panorama territorial. No Triângulo Mineiro, a pecuária e as monoculturas do café, da cana e do capim. Em Belo Horizonte e Região Metropolitana, no quadrilátero ferrífero, que é primordialmente um quadrilátero aquífero, a explotação de minério de ferro há mais de 300 anos está desfigurando o território e desertificando vários territórios. Monoculturas do eucalipto estão alastrando-se em Minas Gerais nas regiões norte, noroeste e Vale do Jequitinhonha. Minas Gerais é estado mais assolado e devastado pela monocultura do eucalipto. As comunidades quilombolas estão espalhadas por quase todo o território mineiro, em mais de 600 já com autorreconhecimento.  No Brasil, a Fundação Palmares contabiliza a certificação de 2821 comunidades como remanescentes de quilombo rural ou urbano. Espalhados em todas as regiões de Minas Gerais estão os centenas de acampamentos e 422 assentamentos de Sem Terra do MST e de vários outros Movimentos de luta pela terra. No norte de Minas estão também as comunidades tradicionais: geraizeiros, vazanteiros e ribeirinhos, nas margens dos principais rios. Nessa perspectiva, pode-se inferir que cultura ou território, enquanto um espaço carregado de historicidade, não existe de forma estagnada, fixa, mas como uma cultura dinâmica, construída a partir de uma situação relacional aberta, e em movimentos constantes de mudanças, de fluxos, e contrafluxos.

Neste contexto é necessário compreendermos a função social da propriedade da terra como coluna mestra da propriedade. A terra não é apenas pátria (pai), mas mãe: pacha mama, como os povos indígenas quéchuas a chamam e a representam como uma mulher levando ao colo sua criança. Interessa-nos a função social da propriedade da terra, pois propriedade é um conceito, algo abstrato, que se tornou “um direito criado, inventado, construído, constituído” (MARÉS, 2003, p. 117). Para se compreender a luta pela terra enquanto pedagogia de emancipação humana, temos que analisar a fundo a questão da propriedade capitalista da terra. Joaquim Modesto Pinto Júnior e Valdez Adriani Farias (2005), no artigo Função Social da Propriedade: dimensões ambiental e trabalhista, asseveram: “A propriedade não é mais direito absoluto. Com efeito, embora parte da doutrina e jurisprudência, de forma totalmente contrária ao sistema posto, relute em negar proteção absoluta ao direito de propriedade, o fato é que o ordenamento constitucional e infraconstitucional veem que pesa sobre a propriedade uma hipoteca social” (JÚNIOR; FARIAS, 2005, p. 13).

A esse propósito nos referimos à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI[2] nº 2213, que diz: “O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), a propriedade deixa de existir”. Há jurisprudências no sistema judiciário brasileiro em que pedidos de intervenções judiciais da União em estados da federação foram negados[3]. Por exemplo, na primeira semana de agosto de 2014, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou acórdão em que negou, por unanimidade, pedido de intervenção federal no Paraná para compelir o governo do Estado a realizar reintegração de posse com uso da força ao proprietário da Fazenda São Paulo, no município de Barbosa Ferraz, que tinha escritura e registro, mas não cumpria a função social. Essa decisão do STJ na prática definiu que a propriedade não é um direito absoluto e que, por isso, mesmo que o proprietário tenha conseguido na justiça estadual a reintegração de posse, a execução da determinação judicial causaria muitos danos sociais às 240 famílias de camponeses Sem Terra do MST[4] que tinham ocupado a fazenda por dois motivos principais: por necessidade, isto, porque vários princípios constitucionais, tais como: respeito à dignidade humana, função social da propriedade e direito à terra, não estavam sendo oferecidos pelo Estado e, porque a fazenda estava abandonada sem cumprir função social. Logo, para ser coerente com os princípios constitucionais e também com o objetivo da Constituição de 1988 que busca construir uma sociedade que supere as desigualdades e a miséria, a Corte Especial do STJ tomou uma decisão justa e sensata. Essa decisão foi saudada pelo MST, CPT[5] e ONG Terra de Direitos, mas foi duramente criticada pela mídia e por advogados e professores de Direito que ainda absolutizam o direito à propriedade.[6]

A propriedade, segundo a ideologia dominante, é algo sagrado, intocável, mas se há algo de sagrado e de absoluto na propriedade é a sua função social, que constitui, em síntese, o seu perfil constitucional. O constitucionalista José Afonso da Silvaafirma que “[...] a doutrina se tornara de tal modo confusa a respeito do tema, que acabara por admitir que a propriedade privada se configura sob dois aspectos: a) como direito civil subjetivo e b) como direito público subjetivo. Essa dicotomia fica superada com a concepção de que a função social é elemento da estrutura e do regime jurídico da propriedade; é, pois, princípio ordenador da propriedade privada; incide no conteúdo do direito de propriedade; impõe-lhe novo conceito”, conforme se lê no Curso de Direito Constitucional Positivo (SILVA, 1992, p. 241). Enfim, diferentemente da Constituição da época do Império, a Constituição de 1988 não assegura o direito absoluto à propriedade e condiciona o direito à propriedade ao cumprimento da sua função social. Portanto, a função social é a coluna mestra da propriedade. Sem função social, a propriedade não é constitucional e nem legítima.

07/12/2021

Referências

MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003.

PINTO JÚNIOR, Joaquim Modesto; FARIAS, Valdez Adriani. Função social da propriedade: dimensões ambiental e trabalhista. Brasília: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2005.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 1992.

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – Fora Heineken da APA Carste de Lagoa Santa/MG! Fora, Rodoanel da RMBH! Sim p preservar o ambiente!

2 - NÃO ao PL 1480/21 que altera os limites do Parque Estadual Alto Cariri para mineração. SIM Piabanha

3 - Rodoanel na RMBH, racismo ambiental. Fora, Rodoanel! Respeite Santa Luzia/MG. Glaucon Durães na ALMG

4 - Adv. Henrique Lazarotti mostra a atrocidade que será Rodoanel na RMBH, se for construído. Na ALMG/BH

5 - Frei Gilvander na ALMG: "Qualquer Alternativa de Rodoanel na RMBH será brutalmente devastadora."

6 - Acampamento Marielle Vive, em Valinhos, SP, sob ameaça de despejo. Basta de despejo! – 28/11/21

7 - Qualquer alternativa de traçado de RODOANEL na RMBH será devastadora (Frei Gilvander/Rádio América)

8 - Ato “Fora, Bolsonaro na Periferia”, no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, MG: BASTA! – 27/11/21



 

 

 

 



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Ação Direta de Inconstitucionalidade.

[3] Cf. IF 111/PR, Rel. Ministro Gilson Dipp, Corte Especial, julgado em 1º/7/2014, REPDJe 6/8/2014, DJe 5/8/2014).

 

[4] Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – www.mst.org.br

[5] Comissão Pastoral da Terra – www.cptnacional.org.br

[6] Cf. Reportagem “Quando ocupar é um direito: decisão do STJ repercute na mídia” e quatro artigos que discutem a decisão do STJ, no link a seguir: http://terradedireitos.org.br/2014/08/27/quando-ocupar-e-um-direito-decisao-do-stj-repercute-na-midia/ .

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Divisão do trabalho, propriedade e escravidão. Por Frei Gilvander

 Divisão do trabalho, propriedade e escravidão. Por Frei Gilvander Moreira[1]

Como acontecem as relações sociais em uma sociedade capitalista? A ideologia dominante diz que no capitalismo há liberdade. Qual? Para quem? Na realidade, no capitalismo, a tríade “divisão do trabalho, propriedade privada capitalista e escravidão” tecem relações sociais escravocratas que causam superexploração da dignidade humana e de toda a natureza. Vejamos! “A linguagem é tão antiga quanto a consciência – a linguagem é a consciência real, prática, que existe para as outras pessoas e que, portanto, também existe para mim mesmo; e a linguagem nasce, tal como a consciência, do carecimento, da necessidade de intercâmbio com outras pessoas” (MARX; ENGELS, 2007, p. 34). Iniciada na divisão do trabalho na família, a divisão do trabalho transformou o mundo da produção e o mundo das relações sociais. Com a divisão do trabalho, dividem-se as famílias na sociedade ficando opostas umas às outras, estabelecendo a distribuição desigual do trabalho e do seu produto. Assim, se cria, na família, de forma embrionária, a noção de propriedade, em que mulher e filhos passam a ser coisas/escravos do homem. A noção de propriedade diz respeito ao poder de dispor da força de trabalho alheia. Assim, divisão do trabalho, propriedade e escravidão constituem a tríade que sustenta a sociedade capitalista.

Com a divisão do trabalho, na qual todas essas contradições estão dadas e que, por sua vez, se baseia na divisão natural do trabalho na família e na separação da sociedade em diversas famílias opostas umas às outras, estão dadas ao mesmo tempo a distribuição e, mais precisamente, a distribuição desigual, tanto quantitativa quanto qualitativamente, do trabalho e de seus produtos; portanto, está dada a propriedade, que já tem seu embrião, sua primeira forma, na família, onde a mulher e os filhos são escravos do homem. A escravidão na família, ainda latente e rústica, é a primeira propriedade, que aqui, diga-se de passagem, corresponde já à definição dos economistas modernos, segundo a qual a propriedade é o poder de dispor da força de trabalho alheia” (MARX; ENGELS, 2007, p. 36).

Com a divisão do trabalho, “cada pessoa passa a ter um campo de atividade exclusivo e determinado, que lhe é imposto e ao qual não pode escapar” (MARX; ENGELS, 2007, p. 37). Ainda mais com o exército de reserva de desempregados, o/a trabalhador/a é obrigada/o a aceitar qualquer tipo de trabalho que lhe apareça, sem ter direito de optar por aquilo que gosta de fazer ou que seja sua vocação. E não pode também trabalhar em várias funções, o que cultivaria sua criatividade e seria menos cansativo. “Na sociedade comunista, onde cada um não tem um campo de atividade exclusivo, mas pode aperfeiçoar-se em todos os ramos que agradam, a sociedade regula a produção geral e me confere, assim, a possibilidade de hoje fazer isto, amanhã aquilo” (MARX; ENGELS, 2007, p. 38).

Não são as ideias que dominam o mundo e as pessoas, mas “as ideias da classe dominante, são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante” (MARX; ENGELS, 2007, p. 47). Por ter em suas mãos os meios de produção material, a classe dominante domina também pensando, produzindo ideias que regulam a (re)produção e a distribuição das ideias de seu tempo. A divisão de trabalho acontece também no interior da classe dominante. Nesta, “uns serão os ideólogos ativos, criadores de conceitos, que fazem da atividade de formação da ilusão dessa classe sobre si mesma o seu meio principal de subsistência” (MARX; ENGELS, 2007, p. 48), enquanto outros são os membros ativos dessa classe e se ocupam com a produção de mais-valia e a acumulação do seu capital.

Para atingir seus fins, a classe dominante tem que apresentar seu interesse como o interesse comum de todos os membros da sociedade: “É obrigada a dar às suas ideias a forma da universalidade, a apresentá-las como as únicas racionais, universalmente válidas” (MARX; ENGELS, 2007, p. 48).

As relações entre diferentes nações dependem do ponto até onde cada uma delas tenha desenvolvido suas forças produtivas, a divisão do trabalho e o intercâmbio interno. Esse princípio é, em geral, reconhecido. Mas não apenas a relação de uma nação com outras, como também toda a estrutura interna dessa mesma nação dependem do nível de desenvolvimento de sua produção e de seu intercâmbio interno e externo. A que ponto as forças produtivas de uma nação estão desenvolvidas é mostrado de modo mais claro pelo grau de desenvolvimento da divisão do trabalho. Cada nova força produtiva, na medida em que não é a mera extensão quantitativa de forças produtivas já conhecidas (por exemplo, o arroteamento de terras), tem como consequência um novo desenvolvimento da divisão do trabalho. A divisão do trabalho no interior de uma nação leva, inicialmente, à separação entre o trabalho industrial e comercial, de um lado, e o trabalho agrícola, de outro, e, com isso, à separação da cidade e do campo e à oposição entre os interesses de ambos” (MARX; ENGELS, 2007, p. 89).

Na história da humanidade houve diversas concepções de propriedade da terra. A primeira forma da propriedade é a propriedade tribal[2], que pressupõe uma grande quantidade de terras incultas, baixa população e corresponde à fase não desenvolvida da produção. O povo se alimentava da pesca e da caça, pastoreando algum rebanho e/ou com algum início de agricultura, o que criou as sociedades agrárias. A escravidão se desenvolve primeiro na família com o aumento da população, com o crescimento das necessidades, com o aumento do intercâmbio comercial e com as guerras.

A segunda forma de propriedade é a propriedade estatal ou comunal da Antiguidade, que resulta da unificação de mais de uma tribo numa cidade por meio de contrato ou conquista, e na qual a escravidão continua a existir” (MARX; ENGELS, 2007, p. 90). Com o avanço do modo de produção surge a propriedade privada móvel, depois a propriedade privada imóvel e vai-se desenvolvendo. “A terceira forma de propriedade é a propriedade feudal ou estamental. Se a Antiguidade baseou-se na cidade e em seu pequeno território, a Idade Média baseou-se no campo” (MARX; ENGELS, 2007, p. 90). Com o declínio do Império Romano e sua conquista pelos chamados povos bárbaros, mas que não eram bárbaros – eram humanos tanto quanto os latinos – uma enorme quantidade de forças produtivas foram destruídas e com pestes e guerras houve uma grande diminuição das populações, o que tornou possível ser engendrado o modo de produção medieval com grandes territórios vazios. “A propriedade principal era constituída, durante a época feudal, de um lado, pela propriedade da terra e pelo trabalho servil a ela acorrentado e, do outro, pelo trabalho próprio com pequeno capital que dominava o trabalho dos oficiais” (MARX; ENGELS, 2007, p. 91). Nas cidades, “as castas ou os estamentos que formavam esses núcleos dependiam física e socialmente do campesinato. [...] Tudo e todos tornavam o camponês a base indispensável da reprodução social” (MOURA, 1988, p. 10). Enfim, o sistema capitalista se sustenta e se reproduz cotidianamente impondo a divisão do trabalho, a propriedade privada dos meios de produção e do capital financeiro e a escravidão nas relações sociais.

01/12/2021

Referências

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã: crítica da mais recente Filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.

MOURA, Margarida Maria. Camponeses. 2ª edição. São Paulo: Editora Ática, 1988.

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Rodoanel na RMBH, racismo ambiental. Fora, Rodoanel! Respeite Santa Luzia/MG. Glaucon Durães na ALMG

2 - Adv. Henrique Lazarotti mostra a atrocidade que será Rodoanel na RMBH, se for construído. Na ALMG/BH

3 - Frei Gilvander na ALMG: "Qualquer Alternativa de Rodoanel na RMBH será brutalmente devastadora."

4 - Acampamento Marielle Vive, em Valinhos, SP, sob ameaça de despejo. Basta de despejo! – 28/11/21

5 - Qualquer alternativa de traçado de RODOANEL na RMBH será devastadora (Frei Gilvander/Rádio América)

6 - Ato “Fora, Bolsonaro na Periferia”, no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, MG: BASTA! – 27/11/21



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista de www.domtotal.com , de www.brasildefatomg.com.br , de www.revistaconsciencia.com , de www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Na década de 1840, o termo Stamm, na língua alemã (tribo, clã, tronco, linhagem) desempenhava um papel fundamental na ciência da história. Designava uma comunidade de pessoas que descendia de um único e mesmo predecessor (Cf. Nota n. 17, MARX; ENGELS, 2007: 549). 

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Frei Cláudio van Balen, profeta Oseias no nosso meio. Por Frei Gilvander

Frei Cláudio van Balen, profeta Oseias no nosso meio. Por Frei Gilvander Moreira[1]

Profundamente comovido com a passagem – Páscoa! - do nosso querido Frei Claudio Van Balen, da Igreja do Carmo, no Carmo Sion, em Belo Horizonte, MG, para a vida em plenitude, aos 88 anos, dia 20 de novembro de 2021, Dia da Consciência Negra, venho prestar a ele um humilde tributo.

Frei Cláudio van Balen nasceu em 26 de setembro de 1933, na cidade de  Wytgaard, na Holanda. Ele trabalhava no Brasil desde 1950. Em 1990, ganhou o título de Cidadão Honorário de Belo Horizonte e, em 1997, o Personalidade do Ano, também na capital mineira. No início dos 17 anos, Frei Cláudio chegou ao Brasil, em 1950. Tornou-se frei e padre carmelita, na Província Carmelitana de Santo Elias. Estudava em Roma durante o Concílio Vaticano II (de 1962 a 1966) e, por isso, bebeu nas águas que propunham igreja como povo de Deus, inculturação, sacerdócio como serviço ao povo, valorização dos leigos e leigas, diálogo (macro)ecumênico, Opção pelos Pobres, igreja missionária e transformadora. Com essa formação, Frei Cláudio chegou em Belo Horizonte, na Igreja do Carmo, no Carmo Sion, em 1967.

Junto com outros freis carmelitas, Frei Cláudio iniciou ainda na década de 1970 um substancial trabalho pastoral de promoção humana na Igreja do Carmo, por meio de Ambulatório médico, uns 20 anos antes da criação do SUS[2]. Escola profissional com mais de dez cursos profissionalizantes, creches, projeto Pró-Morar que ajudou dezenas de famílias empobrecidas a construir suas próprias casas e a conquistar dignidade humana. Frei Cláudio tinha uma profunda formação teológica e nas áreas das Ciências Humanas. Era um ardoroso defensor do Deus da vida. Ele ficava indignado diante de qualquer tipo de idolatria, seja econômica, política ou religiosa. Ele desmascarava as posturas dualistas, moralistas e fundamentalistas que, na prática, tentavam privatizar Deus e o transformar em um quebra-galho para problemas pessoais. Frei Cláudio era uma espécie de profeta Oseias do nosso tempo, pois repudiava com veemência o clericalismo, a domesticação de Deus e era um crítico ferrenho da opressão do poder religioso.

Frei Cláudio combateu o bom combate e fortaleceu muitos na fé cristã e na luta pela libertação integral. Que o Deus da vida, mistério de infinito amor, console todos/as que sentem já sua falta física. Em memória de frei Cláudio, sigamos caminhando e lutando pela humanização das pessoas e construção do reino de Deus a partir do aqui e do agora. Frei Cláudio, sempre firme e fiel no seguimento de Jesus de Nazaré, apontou e orientou um caminhar de fé maduro e livre de crendices.

Pelo frei Cláudio van Balen nutro uma eterna gratidão e o considero um dos meus mestres. Antes de ir para Roma fazer mestrado em Ciências Bíblicas, eu tinha trabalhado na assessoria do CEBI[3], CPT[4], CEBs[5] e acompanhado a luta do MST[6] de Minas, por três anos, até 1996. Por isso, eu sentia que devia continuar a missão em Minas Gerais. Perguntei ao frei Cláudio se eu poderia fazer parte da Comunidade do Carmo, após voltar de Roma. Ele, prontamente, disse que sim. Fui vigário na Igreja do Carmo por 7,5 anos, auxiliando frei Cláudio na condução de uma evangelização emancipatória na comunidade do Carmo, ao mesmo tempo em que assessorava as CEBs, CPT, CEBI e o MST em Minas Gerais. Isso implicava que eu tinha que viajar muito e ficar boa parte do meu tempo fora da Igreja do Carmo. Frei Cláudio sempre se mostrou compreensivo diante de minhas “ausências”. Aliás, sempre me apoiou e sempre me incentivou a continuar apoiando a luta dos pobres que buscam seus direitos de forma organizada. Inclusive me disse algumas vezes: “Se eu tivesse a sua idade – 30 anos mais jovem -, eu estaria como você colocando fogo no mundo”.

Frei Cláudio tem uma história de compromisso com a luta pelos direitos humanos durante a ditadura militar-civil-empresarial de 1964 a 1985, pois, junto com outros frades, colocou a Igreja do Carmo como uma trincheira que oxigenava a luta pela superação da ditadura. Por isso, teve que responder Inquérito militar. Com essa história, frei Cláudio sempre compreendeu minha luta ao lado dos movimentos sociais populares, pois sabia que hoje uma ditadura econômica paira sobre a maioria do povo. Com frei Cláudio, os momentos de almoço, de reuniões, de palestras, de correção de textos e conversas informais eram sempre momentos de formação teológica na linha libertadora. Eu sempre pedia ao frei Cláudio e ao saudoso Eliseu Lopes – grande biblista do CEBI – para revisarem os meus textos. Com alegria, eu acatava quase todas as sugestões de melhorias nos meus textos. E frei Cláudio humildemente sempre pedia que eu corrigisse os textos dele e aceitava quando eu sugeria mudar algumas palavrinhas, em uma troca mútua de conhecimentos e experiências. Durante 10 anos eu celebrei a missa na Comunidade da Vila Acaba Mundo, comunidade da Igreja do Carmo, aos domingos, às 9h da manhã. Eu voltava correndo e fazia questão de chegar a tempo de assistir à homilia do frei Cláudio na missa das 11h. Quanto aprendizado! Frei Cláudio, assim como o profeta Oseias, nos estimulava sempre a fazer autocrítica e não nos acomodar no jeito de pensar e agir tradicional.

 Frei Cláudio era um exímio crítico do poder religioso. Hoje, na sociedade capitalista – individualista, consumista e mercantilizadora de tudo – para as igrejas e pessoas religiosas criticarem os podres da política e da economia é menos difícil, mas criticar o poder religioso e os funcionários do templo é muito complicado, é mexer em um vespeiro. Mas frei Cláudio, destemidamente, ajudava-nos a desmascarar as opressões veladas, sutis e, muitas vezes, disfarçadas de propostas religiosas que aparentemente se dizem humanizadoras, mas são na prática moralistas, doutrinadoras, proselitistas e domesticadoras, infantilizando pessoas. Por isso, vejo muitas semelhanças entre frei Cláudio e Oseias, o profeta das relações de amor e da anti-idolatria religiosa. Em ambos vejo uma profecia que vai do miúdo da vida para o macro, do cotidiano para as questões globais, mas revelando a interdependência e o entrelaçamento das várias dimensões da vida humana e social. O profeta Oseias e frei Cláudio denunciaram o poder opressor localizado nas grandes instituições, mas também desvendam a microfísica do poder: todas as relações interpessoais (sociais etc) são permeadas de relações de poder. O poder não está localizado somente nas grandes instituições, mas está presente nas microrrelações. Estão permeadas de poder as relações homem-mulher, adulto-criança, professora-estudante, governante-governados, branco-negro, sadio-doente...

Com frei Cláudio aprendi muitas perspectivas teológicas que inspiram minha atuação ao lado dos pobres na luta pelos seus sagrados direitos. Aprendi, por exemplo, que nenhum dualismo é cristão e evangélico. O divino está no humano. A luz e a força divina permeiam e perpassam todos e tudo. O profano é o que existe de mais sagrado. Muitas orações transferem para Deus responsabilidades que são nossas. Que a Eucaristia não é prêmio para os puros, mas é alimento espiritual para todos/as e que ninguém tem o direito de excluir ninguém da Eucaristia. A primeira Eucaristia foi um jantar e certamente Jesus de Nazaré não excluiu nenhum dos que estavam na caminhada. Jesus veio para todos a partir dos pecadores e dos doentes. Logo, todos/as devem se sentir convidados/as de honra para participar da mesa da Eucaristia. É terrorismo religioso excluir alguém da Eucaristia por questões morais, por ser divorciado/a, desquitado/a, homossexual etc.

Ao lado de Frei Cláudio, eu experimentei o desafio que é aliar lutas por solidariedade, por promoção humana, com lutas por justiça. Eis um desafio apaixonante: unir as perspectivas do profeta Oseias, o que frei Cláudio fazia com muita destreza e sabedoria, com a perspectiva do profeta Amós: luta por justiça social, o que eu tento fazer caminhando ao lado dos pobres que lutam de forma organizada por terra, moradia digna, direitos sociais etc. Assim, saí da Igreja do Carmo, mas sendo sempre grato ao frei Cláudio e o reconhecendo como um dos meus mestres, bem como, diga-se de passagem, também sou grato a muitas pessoas da Comunidade da Igreja do Carmo.

Frei Cláudio, querido irmão de caminhada e de luta, gratidão por ter me acolhido na Igreja do Carmo, em BH, e por termos morado juntos durante dez anos e compartilhado a missão de seguir Jesus Cristo testemunhando seu Evangelho, com Opção pelos Pobres, juntos. Aprendi a admirá-lo e a respeitá-lo muito. Aprendi muito com você, querido irmão Cláudio. Perdemos apenas sua presença física. Você, Frei Cláudio van Balen, nos deixou um legado imenso. Cuidaremos do seu legado. Frei Cláudio van Balen, obrigado por tudo o que você me ensinou e tem ensinado a tanta gente. Gratidão eterna a você, Frei Cláudio, agora partilhando vida plena e-terna. Você, Frei Cláudio, continuará sempre vivo em nós, na luta por tudo o que é justo e ético.  

23/11/2021

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – Frei Cláudio Van Balen é entrevistado por Jô Soares em 02/4/2014

https://globoplay.globo.com/v/3257021/

2 – Palavra Ética, na TVC/BH, c/ Frei Cláudio van Balen: Deus, Páscoa e Religião. 12/04/14

3 – Palavra Ética na TVC/BH com frei Cláudio van Balen: Igreja Povo de Deus. 14/02/14

4 – Palavra Ética com frei Cláudio van Balen – Reflexão sobre o sentido do Natal – 23/12/2011

5 – INTERCONEXÃO BRASIL – Papa Francisco e a renovação da Igreja

6 – Palavra Ética -Frei Gilvander e Frei Cláudio van Balen | O Verdadeiro Sentido do Natal

7 – Religare – Conhecimento e Religião sobre Quaresma e Semana Santa



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Sistema Único de Saúde.

[3] Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – www.cebimg.org.br

[4] Comissão Pastoral da Terra – www.cptmg.org.br

[5] Comunidades Eclesiais de Base – www.cebsdeminas.com.br

[6] Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – www.mst.org.br

sábado, 20 de novembro de 2021

20 de novembro de 2021 – Dia da Consciência Negra: “O trabalho escravo tem cor! Vidas negras importam!”

 20 de novembro de 2021 – Dia da Consciência Negra: “O trabalho escravo tem cor! Vidas negras importam!”


Dia 20 de novembro de 2021, neste DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA NO BRASIL, é importante ressaltar que o racismo que o povo negro vivencia cotidianamente nas ruas, nas universidades e escolas, nas cidades e no campo, também se vive na exploração do trabalho, seja a praticada em um apartamento da cidade, em obras da construção civil, em grandes minerações ou nas fazendas. A escravidão contemporânea ainda ataca principalmente os corpos e a dignidade do povo preto.

De acordo com os dados sistematizados pela Campanha Nacional de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo “De olho aberto para não virar escravo”, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre os anos de 2003 e 2020 foram resgatadas 38.537 pessoas submetidas a trabalho em situação análoga à escravidão, das quais 58% se identificaram como negras. Mesmo abolido formalmente em 13 de maio de 1888, o trabalho escravo marca a sua modernidade focando em trabalhadores e trabalhadoras afrodescentes, escancarando uma continuidade da exploração realizada “legalmente” durante a Colônia portuguesa e o Império no Brasil. No Brasil se reproduz relações sociais escravocratas.

Por isso, neste 20 de novembro de 2021 , nós da Campanha da Comissão Pastoral da Terra gritamos: PAREM DE ESCRAVIZAR E MATAR AO POVO NEGRO! MAIS RESPEITO AO POVO NEGRO DO BRASIL! VIDAS NEGRAS IMPORTAM!

DiaDaConsciênciaNegra #NãoAoTrabalhoEscravo

VidasNegrasImportam

20deNovembro

Esquerda Diário e a Consciência Negra, com Letícia Parks



quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Latifúndio: arma mortífera de exploração? Por Frei Gilvander

 Latifúndio: arma mortífera de exploração? Por Frei Gilvander Moreira[1]

A reflexão estimula o sem-terra, o sem-teto, o atingido pela mineração devastadora, o negro, a pessoa vítima da homofobia e todas as pessoas exploradas e/ou discriminadas a descobrir-se como oprimido, superexpropriado pelo capital nas suas relações sociais no campo e na cidade, mas também como ser com potencial para ser mais. No entanto, a reflexão precisar ser feita em sintonia com o processo existencial de opressão vivenciado pelos sem-terra, pelos sem-teto e todos os outros oprimidos e explorados. Mais do que “convivência” com o regime opressor, trata-se se subserviência, de servidão consentida e assimilada. O pedagogo Paulo Freire reconhece que não basta a reflexão, mas é necessário ação; alerta, porém, que seja ação e reflexão, isto é, práxis, que não é apenas ação, mas atuação dentro das condições materiais objetivas, pensada a partir das contradições de classe e de todas as outras facetas de opressão que se abatem sobre os sem-terra, os sem-teto e sobre toda a classe camponesa e a classe trabalhadora. “Ação e reflexão, como unidade que não deve ser dicotomizada. [...] Ação junto aos oprimidos tem de ser, no fundo, “ação cultural” para a liberdade, por isto mesmo, ação com eles” (FREIRE, 2005, p. 60), jamais sobrepara ou por eles.

Há, sim, na luta pela terra e pela moradia um potencial emancipatório da condição de camponês oprimido e da pessoa violentada na sua dignidade na cidade no esforço de se libertar e, assim, transformar as circunstâncias sociais das condições materiais, engajando-se na luta por emancipação não só sua, mas de toda a classe trabalhadora e do campesinato. Nesse sentido afirma Paulo Freire: “Quem melhor que os oprimidos se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá melhor que eles os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela. Luta que, pela finalidade que lhe derem os oprimidos, será um ato de amor, com o qual se oporão ao desamor contido na violência dos opressores, até mesmo quando esta se revista da falsa generosidade” (FREIRE, 2005, p. 34).

Parodiando Paulo Freire: Quem compreenderá a crueldade terrível do latifúndio, da propriedade privada capitalista da terra e do capital no campo melhor do que os sem-terra que adquirem coragem e se engajam na luta pela terra? Quem sentirá no próprio corpo melhor que os sem-terra a superexpropriação a que são submetidos? A luta pela terra desperta nos Sem Terra a necessidade e a coragem de lutar de forma coletiva. Luta que não é revanche e nem vingança, mas justiça, ato de amor aos latifundiários, pois retira das mãos deles uma arma mortífera da exploração: o latifúndio. E, na luta pela terra, os Sem Terra, ao transformar a estrutura fundiária em uma estrutura social com equidade, podem ancorar lutas não apenas por emancipação política, mas emancipação humana. A luta pela terra desmascara até a falsa generosidade de pessoas ligadas à estrutura do capital.

A luta pela terra em busca de emancipação implica fazer história, mas para fazer história os homens e as mulheres têm de estar em condições de viver: satisfazer suas necessidades e se reproduzir. É o que Marx e Engels explicam: “Para viver, precisa-se, antes de tudo, de comida, bebida, moradia, vestimenta e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, pois, a produção dos meios para a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material, e este é, sem dúvida, um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, assim como há milênios, tem de ser cumprida diariamente, a cada hora, simplesmente para manter as pessoas vivas” (MARX; ENGELS, 2007, p. 33).

 

Pelo trabalho, o ser humano – homem e mulher – produz os meios de vida própria e, no modo de produção capitalista, produz principalmente para o alheio. O ser humano produz muitas mercadorias, no entanto, não produz a terra. Por isso, a terra, embora esteja associada ao modo de produção capitalista, não é capital, pois não é fruto do trabalho humano. “Assim, a terra não gera lucro, como o faz o capital, mas sim renda” (OLIVEIRA, 2007, p. 63). Relações natural e social estão presentes na produção e reprodução da vida desde a ação de procriar. “A produção da vida, tanto da própria, no trabalho, quanto da alheia, na procriação, aparece desde já como uma relação dupla – de um lado, como relação natural, de outro como relação social -, social no sentido de que por ela se entende a cooperação de vários indivíduos, sejam quais forem as condições, o modo e a finalidade” (MARX; ENGELS, 2007, p. 34).

Um determinado modo de produção ou certo tipo de crescimento industrial, com suas respectivas forças produtivas, condiciona as relações sociais que se estabelecem entre as pessoas na sociedade. “Segue-se daí que um determinado modo de produção ou uma determinada fase industrial estão sempre ligados a um determinado modo de cooperação ou a uma determinada fase social – modo de cooperação que é, ele próprio, uma “força produtiva” -, que a soma das forças produtivas acessíveis ao homem condiciona o estado social e que, portanto, a “história da humanidade” deve ser estudada e elaborada sempre em conexão com a história da indústria e das trocas” (MARX; ENGELS, 2007, p. 34).

Somente após produzir em relações históricas o atendimento às suas necessidades básicas – alimentação, moradia, vestuário etc. -, o ser humano aparece como tendo consciência, mas, desde o início, não é consciência pura, pois está sempre condicionada pela matéria, por relações materiais. A linguagem nasce da necessidade de relação social e expressa a consciência, produto social forjado nas condições históricas objetivas. Enfim, pelo analisado acima, o latifúndio é, de fato, arma mortífera de exploração, porque aprisiona a terra em propriedade privada capitalista e, assim, cria as condições materiais objetivas para a reprodução da brutal injustiça social e desigualdade reinante no nosso país.

17/11/2021

Referências

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 47.ª edição. Rio de Janeiro: Edições Paz e Terra, 2005.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã: crítica da mais recente Filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Modo de Produção Capitalista, Agricultura e Reforma AgráriaSão Paulo: Labur Edições, 2007. Disponível em http://www.geografia.fflch.usp.br/graduacao/apoio/Apoio/Apoio_Valeria/Pdf/Livro_ari.pdf

 

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - CPT-MG 40 anos - Madalena: "Nossa luta é contra o latifúndio, arma mortífera" - Vídeo 5 - 07/3/2018

2 - Ameaçado por lutar contra o latifúndio, DIM CABRAL, da Cooerco.SD, Uberlândia/MG. Justiça! 24/5/18

3 - Violência do latifúndio cresce no norte de MG/Audiência Pública/ALMG/Toninho do MST. 25/4/2018

4 - Latifundiários perseguem agentes da CPT no Baixo Jequitinhonha, mas povo Sem Terra repudia. 10/06/16

5 - Marco temporal: terra para os Povos Indígenas ou para o agronegócio devastador? Por Frei Gilvander

6 - Você sabe de onde vem a sua comida? O agronegócio envenena a comida do povo. Episódio 1 – Greenpeace

7 - "Libertar do agronegócio" (Jefferson/Sindieletro). Acampamentos do MST/Campo do Meio/MG. Vídeo 7




[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III