sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Dom Pedro Casaldáliga e o Quilombo Campo Grande do MST em MG. Por Frei Gilvander

Dom Pedro Casaldáliga e o Quilombo Campo Grande do MST em MG. Por Gilvander Moreira[1]

 

Diante de Dom Pedro Casaldáliga, precisamos “tirar as sandálias”, pois estamos diante de alguém sagrado, místico no verdadeiro sentido, porque se tornou profeta, bom pastor, além de poeta. Marcou-me muito as 12 vezes que tive a alegria e a responsabilidade de estar com “o bispo vermelho”. Conheci Dom Pedro Casaldáliga em 1985, enquanto ele dava uma palestra no Studium Teológico, em Curitiba, PR. Fiquei impressionado com aquele homem franzino, mas que com língua afiada, dedo em riste, olhar vibrante, utopia da terra sem males no coração, profetizava dizendo: “Se eu tiver que escolher entre o amor e a justiça, ficarei com a luta pela justiça, pois em uma sociedade estruturalmente injusta não basta amar no sentido de solidariedade”.

Marcou-me muito a segunda vez que estive com Dom Pedro Casaldáliga, no Memorial da América Latina, em São Paulo, SP. Dom Pedro, com amor infinito por todos os povos latino-americanos, bradava: “Temos que construir a Pátria Mãe, a América AfroLatÍndia, pois nossa América não é apenas latina, é principalmente indígena e afrodescendente. Somos povos irmãos. Não podemos ficar olhando para Europa e Estados Unidos e de costas para os povos da Pátria Grande, nossa América AfroLatÍndia. Somos povos irmãos, porque fomos vítimas de genocídio indígena e de escravização pelos opressores europeus. Que maravilha o esplendor cultural existente na nossa Pátria Grande e Mãe.”

Em 1992, Dom Pedro, de surpresa, chegou a São Paulo, na celebração dos 60 anos de Frei Carlos Mesters. Chegou carregando um grande pote e, retirando de dentro do pote uma Bíblia da edição Pastoral, dizia: “Frei Carlos Mesters é presença do Deus da vida no nosso meio que retira do baú, do pote, coisas velhas que são coisas da vida e da caminhada. Carlos Mesters democratiza o acesso aos textos bíblicos ao nos ensinar a fazer leitura bíblica de forma comunitária, ecumênica, transformadora e militante. Quem não leu ainda deve ler todos os livrinhos do frei Carlos Mesters. Seus textos, frei Carlos, nos ajudam na caminhada de enfrentamento ao latifúndio, na Opção pelos Pobres, na luta pela terra e pelos direitos dos povos indígenas.”

Inesquecível também o protagonismo de Dom Pedro Casaldáliga no 10º Intereclesial das CEBs, em Ilhéus, na Bahia, em julho de 2.000. Irradiando espiritualidade, ecumênica e macroecumênica, Dom Pedro bradava profeticamente: “Nosso sonho, nossa utopia, é a terra sem males. Esse é o sonho de Deus, pois a terra é de Deus, pertence a Deus. Malditas todas as cercas ...”

Em 2015, a convite do bispo Dom Adriano Ciocca, tive a alegria de passar uma semana na Prelazia de São Félix do Araguaia, MT, assessorando um retiro da equipe de pastoral da prelazia, equipe composta por Dom Adriano, padres, freis, freiras e leigos/as da caminhada. Vi que a Prelazia de São Félix, sob a guia de Dom Pedro Casaldáliga, se tornou uma das locomotivas da profecia na Igreja dos Pobres não apenas no Brasil, mas na América AfroLatÍndia e em muitas regiões do mundo. Na Prelazia de São Félix, meu coração se alegrou ao ouvir: “Se não fosse a presença e o apoio firme de dom Pedro Casaldáliga, das irmãzinhas de Jesus, e de todos/as os/as agentes de pastoral da Prelazia de São Félix, os povos indígenas Tapirapé, Xavante, Carajá e outros não teriam reconquistado parte dos seus territórios.” Foi na Prelazia de São Félix que iniciou a Campanha Permanente de combate ao Trabalho Escravo, uma das atividades da CPT (Comissão Pastoral da Terra). Um missionário me informou: “Após as primeiras chuvas e enchentes, todo ano aqui na região do rio Araguaia, acontece uma grande mortandade de peixes, porque a enorme quantidade de agrotóxicos pulverizados nas lavouras vai para os cursos d’água. Morre muito peixe e o número de pessoas doentes cresce assustadoramente.”

Em Ribeirão Cascalheira, na Prelazia de São Félix do Araguaia, MT, visitei o Santuário dos Mártires da Caminhada. Emocionante caminhar onde o padre João Bosco Burnier, missionário jesuíta, foi martirizado de 11 para 12 de outubro de 1976. Ouvi que Dom Pedro Casaldáliga, ameaçado de morte na Prelazia, e o padre João Bosco Burnier, após celebrarem com o povo os festejos de N. Sra. Aparecida, incomodados pelos gritos de duas mulheres presas – Margarida e Santana – foram interceder por elas na delegacia-cadeia de Ribeirão Cascalheira. As mulheres estavam “impotentes e sob torturas: um dia sem comer e beber, de joelhos, braços abertos, agulhas na garganta, sob as unhas; essa repressão desumana”, relata dom Pedro no livrinho “Martírio do Padre João Bosco Penido Burnier”, da Ed. Loyola.

Aos 92 anos, com 52 anos sendo missionário profeta no Brasil, Dom Pedro Casaldáliga fez sua páscoa no dia 08 de agosto de 2020 e agora vive em plenitude e em nós na luta sempre, pela construção do reino de Deus a partir do aqui e do agora. Na Missa das Exéquias, celebrada em São Félix do Araguaia, no dia 12 de agosto, Dom Adriano Ciocca, atual bispo de São Felix do Araguaia, afirmou que “o sonho de Deus foi o sonho de Pedro também, o sonho do Reino”, porque “ele queria justiça, queria fartura, queria alegria, vida plena para todas e para todos.” E continuou Dom Adriano: “Ele sonhou, e sonhou com os pés no chão, porque não ficou só no sonho, mas ele procurou viver e lutar para que este sonho se realizasse.” E Dom Adriano lembrou a opção radical de Dom Pedro Casaldáliga pelo seguimento a Jesus de Nazaré, colocando-se ao lado dos oprimidos, injustiçados, marginalizados: “se fez peão com os peões, se fez índio com os índios, se fez solidário com quem Deus se solidarizou, os abandonados, os excluídos, os escravos.” O corpo de Dom Pedro Casaldáliga descansa no cemitério dos Carajás, onde eram sepultados os sem nome. Seu corpo lá está, debaixo da cruz, entre um peão e de uma mulher prostituída. Com os pobres, os preferidos de Deus, na beira do rio Araguaia, com paz inquieta, foi plantado o corpo de Pedro, semente de vida nova, de ressurreição! Que tenhamos a graça, a coragem e a sabedoria para honrarmos o imenso legado espiritual e profético que Dom Pedro nos deixou.

Dom Pedro Casaldáliga, com paz inquieta, esteve vivo misticamente com todas as pessoas do Quilombo Campo Grande, do MST, no sul de Minas Gerais, e com todos/as que se somaram na resistência durante três dias e três noites. Certamente, Dom Pedro, com ira santa e profética, assina embaixo da denúncia que se segue, abaixo.

Aconteceu uma tremenda injustiça, barbárie no Estado de MG dias 12, 13 e 14 de agosto de 2020. No Quilombo Campo Grande, do MST, em Campo do Meio, no sul de MG, há 22 anos, 453 famílias Sem Terra vivem dignamente dando função social para megalatifúndio das terras da ex-Usina Ariadnópolis, de 4.900 hectares, que estava totalmente abandonado e ocioso, após a Usina falir deixando mais de 400 milhões de reais de dívida trabalhista. Enquanto o irmão sol voltava a brilhar dia 12 de agosto de 2020, vimos na cidade de Campo do Meio, um cortejo de morte com dezenas e dezenas de viaturas, ambulâncias, caminhões do corpo de bombeiro, um aparato de guerra, a PM de MG, a mando do governador Romeu Zema (do Novo), com decisão liminar de reintegração de posse do TJMG, com mais de 200 policiais de vários batalhões, com caveirões, cachorros, helicóptero e pesado arsenal de armas, com tropa de choque, fazer despejo de várias famílias no Quilombo Campo Grande, do MST. Os Sem Terra do MST, com a militância de uma vasta rede de apoio, resistiram três dias e três noites, de 12 a 14/8/2020. Policiais atearam fogo em várias partes do Quilombo e no final bombardearam o Quilombo com chuva de bombas de gás lacrimogêneo, com voos rasantes do helicóptero da PM, com policiais apontando metralhadoras para o povo que resistia bravamente. Asfixiando os Sem Terra com gás lacrimogêneo e terror, a PM expulsou crianças e professoras e destruiu a Escola Popular Eduardo Galeano, destruiu setes casas e não ofereceu alternativa digna de moradia previamente.

Uma das primeiras barreiras de resistência que a tropa de choque encontrou foi um grupo de crianças Sem Terrinha, do MST, que, de cabeça erguida e muita coragem, segurando cartazes, bloqueavam a estrada por onde a tropa de choque deveria passar para fazer o infame despejo. Uma das cenas mais emocionantes e eloquentes: crianças Sem Terrinha, na luta, resistindo à investida de um imenso aparato bélico. Diziam: “Não derrubem nossa escola!” “Não derrubem nossas casas!”

Em meio à pandemia, esse despejo é genocida. A Liminar de reintegração de posse cumprida com repressão e violência policial é injusta, inconstitucional, cruel e uma ação genocida do Governador Romeu Zema. A decisão do TJMG, que expediu a liminar de reintegração e se negou a cassá-la, mesmo diante de "mil" argumentos da Defensoria Pública, do Ministério Público e de Advogados Populares, é inconstitucional, porque viola e pisoteia no principal princípio e básico da Constituição de 1988: RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. Além do terror espalhado, da Escola Popular Eduardo Galeano, de várias casas, sonhos e direitos destruídos, quantas pessoas terão contraído ou disseminado o coronavírus durante os três dias de megaoperação de despejo durante a pandemia, violando todas as regras sanitárias recomendadas pela OMS e por médicos infectologistas?

A Ocupação do megalatifúndio das terras da ex-usina Ariadnópolis, em Campo do Meio, aconteceu em 1998, 22 anos atrás, como fruto do combate ao trabalho escravo no sul de MG e como fruto dos mártires de Eldorado dos Carajás. Todos os presidentes do Brasil, de 1998 até hoje poderiam e deveriam ter desapropriado o latifúndio que estava abandonado sem cumprir a função social, mas nenhum presidente nos últimos 22 anos assentou as 450 famílias Sem Terra do MST que já sofreram seis cruéis despejos, mas não arredam o pé da terra. “Essa terra é nossa”, bradam heroicamente os Sem Terra do MST. O poder judiciário também, em 22 anos, se julgasse conforme os princípios da Constituição do respeito à dignidade humana, função social da propriedade e direito à terra poderia e deveria ter decidido, justamente, a favor dos Sem Terra do Quilombo Campo Grande, mas até hoje tem decidido para beneficiar empresários especuladores. Indignados com mais essa imensa sexta-feira da paixão promovida pelo Estado em MG, reafirmamos que não há despejo apropriado e nem oportuno. Todo despejo é maldito, cruel, desumano, execrável e desintegrador de sonhos e de direitos. Mas a história demonstra que a força mística e espiritual dos injustiçados é invencível. O mais profundo da história é construído pelos/as injustiçados/as. Os opressores e os violentos, mandantes e executores, serão jogados na lata de lixo da história. Vivem e viverão sempre em nós na luta por tudo o que é JUSTO e BEM COMUM: as profetizas e os profetas, Jesus Cristo, Che Guevara, Rosa Luxemburgo, Chico Mendes, Padre Ezequiel Ramin, Padre Josimo, os fiscais massacrados em Unaí, Irmã Dorothy, Margarida Alves, os Sem Terra assassinados, Dandara, Zumbi, Antônio Conselheiro, Dom Pedro Casaldáliga ... Enfim, uma multidão de mártires que nos impulsionam na luta obstinada pela construção de uma terra sem males.

Exigimos que o Governador de MG, Romeu Zema, e/ou o presidente do TJMG, desembargador Gilson Gomes Lemes, suspendam esse despejo absurdo em tempo de pandemia e proíbam outros despejos durante a pandemia. Despejar não é atividade essencial. Exigimos Despejo Zero! E exigimos com urgência a DESAPROPRIAÇÃO DEFINITIVA do latifúndio das terras da ex-Usina Ariadnópolis. O MST iniciou o despejo do Zema.

Pedimos em nome de Deus, das crianças e por respeito à dignidade da pessoa humana: Parem todos despejos no Brasil para salvar vidas!

21/8/2020.

 Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Exigimos "Despejo Zero" para salvar vidas - Por frei Gilvander - 1ª Parte - 17/8/2020

https://www.youtube.com/watch?v=LlS_tqTAFFM

2 - "A luta não vai parar!" MST e Quilombo Campo Grande, em MG: Despejo é crime; na pandemia, genocídio

https://www.youtube.com/watch?v=OKun6Nv7Vcg

3 - Lições da luta/resistência no Quilombo Campo Grande, do MST, sul de MG, após despejo genocida/cruel

https://www.youtube.com/watch?v=jz0fdDgV-ZQ

4 - Cenário de guerra no Quilombo Campo Grande, do MST, Campo do Meio/MG: Gov. Zema, TJMG, PM/MG/14/8/20

https://www.youtube.com/watch?v=CUuepv4aq_I

5 - PM de MG bombardeando o Quilombo Campo Grande, do MST, em campo do Meio, MG: barbárie - 14/8/2020

https://www.youtube.com/watch?v=lsPxVWLJno8

6 - Quilombo Campo Grande, do MST, resiste há 48 horas ao despejo, em Campo do Meio/MG. Caveirão na área

https://www.youtube.com/watch?v=M42CVmAiuW0

7 - PEDRO, PROFETA DA ESPERANÇA - Documentário da Verbo Filmes sobre Dom Pedro Casaldáliga - 08/8/2020

https://www.youtube.com/watch?v=hYK33xsBYeY

8 - Homenagens a Dom Pedro Casaldáliga: místico = Profeta, Pastor e Poeta -missa, Batatais/SP, 09/8/2020

https://www.youtube.com/watch?v=M1_sBWupEgQ



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Fábula do espinheiro no Brasil. Por Frei Gilvander

Fábula do espinheiro no Brasil. Por Gilvander Moreira[1]

 

Por solidariedade e por amor ao povo brasileiro e à Amazônia, precisamos ler atentamente na Bíblia, em Juízes 9,7-15, a fábula do espinheiro, profecia com ironia fina que parece ter sido escrita para o povo brasileiro em tempos de (des)governo fascista e genocida. Antes de qualquer comentário, merece ser transcrita aqui a FÁBULA DO ESPINHEIRO, seu contexto e as consequências.

Juízes 9,1-6: o processo do poder tirânico - “Abimelec, filho de Jerobaal, foi a Siquém para a casa de seus tios maternos. E propôs o seguinte a eles e a todos os parentes de seu avô materno: 2 “Digam aos senhores de Siquém: ‘‘O que é melhor para vocês? Que setenta homens, os filhos de Jerobaal, governem vocês, ou que um só os governe? E lembrem-se de que eu sou do mesmo sangue de vocês’’”. 3. Então os tios maternos e Abimelec comunicaram isso aos senhores de Siquém, e estes tomaram o partido de Abimelec, dizendo: “Ele é nosso parente”. 4 Deram a Abimelec oitocentos gramas de prata do templo de Baal-Berit, e Abimelec usou esse dinheiro para contratar alguns homens desocupados e aventureiros, que se colocaram à sua disposição. 5 Foi à casa de seu pai em Efra e matou sobre a mesma pedra seus irmãos, os setenta filhos de Jerobaal. No entanto, Joatão, o filho caçula de Jerobaal, escapou porque  havia se escondido. 6. Depois todos os senhores de Siquém e todos os de Bet-Melo se reuniram perto do carvalho da estela que está em Siquém, e proclamaram Abimelec como rei.”

Juízes 9,7-15: Fábula do espinheiro – “7 Quando Joatão soube disso, subiu ao topo do monte Garizim, e gritou: “Ouçam-me, senhores de Siquém, para que Deus também ouça vocês. 8 Certo dia, as árvores se puseram a caminho para ungir um rei que reinasse sobre elas. Disseram à oliveira: ‘Reine sobre nós’. 9 A oliveira respondeu: ‘Vocês acham que vou deixar o meu azeite, que honra deuses e homens, para ficar balançando sobre as árvores?’ 10 Então as árvores disseram à figueira: ‘Venha você, e reine sobre nós’. 11 A figueira respondeu: ‘Vocês acham que vou deixar o meu doce fruto saboroso, para ficar balançando sobre as árvores’12 Então as árvores disseram à videira: ‘Venha você, e reine sobre nós’. 13 A videira respondeu: ‘Vocês acham que vou deixar meu vinho novo, que alegra deuses e homens, para ficar balançando sobre as árvores?’ 14 Então todas as árvores disseram ao espinheiro: ‘Venha você, e reine sobre nós’. 15 Então o espinheiro respondeu às árvores: ‘Se vocês querem mesmo me ungir para reinar sobre vocês, venham e se abriguem debaixo da minha sombra. Senão, sairá fogo do espinheiro e devorará os cedros do Líbano’.”

Juízes 9,16-21: consequências da eleição de um tirano – “16 Pois bem! Será que vocês procederam com sinceridade e lealdade proclamando Abimelec como rei? Será que vocês agiram bem com Jerobaal e sua família? Será que vocês se comportaram como ele conforme os favores que ele fez a vocês? 17 Meu pai lutou por vocês e até arriscou a vida para livrá-los do poder de Madiã. 18 No entanto, hoje vocês se revoltaram contra a família do meu pai, assassinaram sobre a mesma pedra os setenta filhos dele, e proclamaram rei dos senhores de Siquém esse Abimelec, filho de uma escrava do meu pai, com o pretexto de que ele é parente de vocês. 19 Muito bem! Se vocês agiram com sinceridade e lealdade com Jerobaal e sua família, então façam festa com Abimelec, e que ele festeje com vocês. 20 Caso contrário, que saia fogo de Abimelec e devore os senhores de Siquém e de Bet-Melo , e que saia fogo dos senhores de Siquém e de Bet-Melo, e devore Abimelec”. 21 Depois Joatão tornou a fugir e foi para Bera. Aí ficou longe do seu irmão Abimelec.”

O que a fábula do espinheiro tem a nos dizer? Em um texto altamente profético, de forma irônica, por meio de uma fábula, autores e autoras da Bíblia narram o processo de ascensão ao poder absoluto, autoritário e fascista, diríamos atualmente. Houve uma campanha publicitária infernal para convencer o povo de que o poder centralizado é melhor do que o poder democrático com participação popular (Juízes 9,2). “Ele é um dos nossos”, “é sangue do nosso sangue” e, por isso, “deve ser nosso rei”, difundiu “os senhores de Siquém” e dinastia familiar no poder. Propaganda e mentira com roupagem de verdade. Muitos se venderam também por migalhas (Juízes 9,4a). O poder do capital foi usado de mil formas para eliminar concorrentes e estabelecer uma autoridade única (Juízes 9,4b-6).

Na última campanha eleitoral, no Brasil, alardeou-se à exaustão uma grande mentira: que com repressão se resolvem problemas e injustiças sociais, que com mais armas teremos mais segurança. Mentira! Problemas sociais, frutos de injustiças sociais, se resolvem de forma justa e na paz apenas com políticas sociais que superem as causas dos problemas, jamais com repressão. Política de repressão só gera lucro para as empresas que acumulam capital ao vender armas e falsa segurança.

Cegado e anestesiado pela overdose de ideologia dominante disseminada por meio de fake news; por um tsunami de desvirtuações religiosas usando e abusando do nome de Deus e torturando textos bíblicos e maximizando erros e contradições de governos anteriores, 57 milhões de eleitores brasileiros, na última eleição, entregaram sua liberdade e abriram mão das condições objetivas que garantiriam sua vida, a maioria cegada por “senhores”, não de Siquém, mas dos oásis de luxo existentes no nosso país. ‘Assinaram’ um cheque em branco para elevar ao poder um rei espinheiro na vida do povo. Espinheiro não produz alimento, não gera sombra, mas apenas espinhos que sacrificam o povo no altar do mercado idolatrado.

A fábula do espinheiro, texto bíblico de Juízes 9,8-15, é uma fábula popular com veemente crítica ao poder político centralizado. Ironicamente, aquele que nada produz de bom, nem frutos para alimentar o povo, nem sombra para abrigá-lo das intempéries e que só dá origem a espinhos, é que foi escolhido para exercer o mando conchavado com o poder econômico e com o militarismo. A falsa segurança que o espinheiro escolhido oferece é uma armadilha que aprisiona o povo retirando-lhe a liberdade, a terra, a moradia, os direitos trabalhistas e previdenciários etc. Sem a Floresta Amazônica e a preservação ambiental, sem mananciais preservados, sem a partilha e a democratização do acesso à terra, e com o uso exagerado dos agrotóxicos pelo agronegócio no campo, só restará uma “terra arrasada” onde prevalecerá em uma progressão geométrica a violência e a morte levada a cabo por uma política genocida que mata de mil formas.

Diante da política genocida, poder que mata de mil formas, no Brasil atual já se contam quase 100 mil mortos na pandemia do novo coronavírus, a Amazônia está sendo invadida por madeireiros/grileiros, devastadores do principal pulmão e rim do mundo, 6 mil militares ocupam cargos no governo federal – 39 apenas no Ministério da Saúde -, tivemos o escândalo do repasse de 1,2 trilhão de reais para os banqueiros na primeira semana da pandemia, enquanto milhões de brasileiros, sem uma renda básica, estão sendo encurralados pela COVID-19, pela PEC-95 que congelou por vinte anos investimentos em saúde pública e educação, pelo desdém do antipresidente e todo o desgoverno federal. É preciso lembrar que a Amazônia é imprescindível não apenas para os Amazônidas. Na Amazônia se formam os rios aéreos que, por transportarem uma quantidade de água maior do que a que os rios da sua superfície, garantem chuvas no Centro-Oeste, no Sudeste e Sul do Brasil, no Uruguai, Paraguai e Argentina.

O texto bíblico, em Juízes 9,16-20, aplica a fábula do espinheiro à realidade e denuncia que o povo arcará com as consequências de suas próprias decisões. Esta passagem bíblica nos recorda a “Carta ao Pai”, de Franz Kafka, um contundente manifesto contra o totalitarismo,  poder político despótico, opressor e repressor. Em ambos os textos o resultado é o mesmo: busca-se sombra debaixo de um espinheiro onde só há espinhos, poder e dominação. Conforme a narrativa bíblica no livro de Juízes 9,14-15. “Então todas as árvores disseram ao espinheiro: “Vem tu, e reina sobre nós!” E o espinheiro respondeu às árvores: ‘Se é de boa-fé que me ungis para reinar sobre vós, vinde e abrigai-vos à minha sombra. Senão, sairá fogo dos espinheiros e devorará os cedros do Líbano!’” (Juízes 9,14-15).

A história mostra muitos povos que foram seduzidos por espinheiros. Por exemplo, o imperador Nero se deleitava enquanto incendiava Roma, a capital do império; Benito Mussolini, eleito pelo povo, se tornou criador do fascismo e ditador; Adolf Hitler, também aclamado pelo povo, se tornou nazista contumaz e mandou matar em Campos de concentrações milhões de pessoas. A história mostra também que todos os ‘espinheiros’ usam e abusam do nome de Deus e dizem defender os “valores da família”, mas na prática colocam “a morte acima de tudo” e arrasam com as famílias de mil formas. Quem tem ouvidos ouça a fábula do Espinheiro, se converta e se comprometa com a mudança do desgoverno federal, antes que seja tarde demais[2].

Referências.

04/8/2020.

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - A carta dos bispos contra Bolsonaro - Com monge Marcelo Barros

2 - Live - Fora Bolsonaro e o (des)governo federal? - Debate interreligioso

3 - Live Cristãos também gritam: “FORA BOLSONARO!" - Frei Gilvander, Pastor Daniel, Renata, Sara/Paulo

4 - 3ª Live do Movimento Inter-Religioso do Vale do Aço, MG: Fora, Bolsonaro? – Debate Inter-Religioso.


 

 



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.

 

 

terça-feira, 28 de julho de 2020

Em “Carta ao Povo de Deus”, 152 bispos profetas encaram o desgoverno federal. Por Frei Gilvander


Em “Carta ao Povo de Deus”, 152 bispos profetas encaram o desgoverno federal
Por Gilvander Moreira[1]


Em postura corajosa e profética, 152 bispos da Igreja Católica assinaram Carta ao Povo de Deus, divulgada dia 26/7/2020 na Coluna de Mônica Bergamo, na Folha de São Paulo, se posicionando contra os desmandos do atual desgoverno federal chefiado por Jair Bolsonaro. Muitos outros bispos poderão assinar esta Carta em breve, pois só cresce o número de bispos e dos padres não apoiam o atual presidente que comanda política autoritária, criminosa, genocida e ecocida. Na Carta, os 152 bispos dizem em alto e bom tom: “Nesta sociedade estruturalmente desigual, injusta e violenta. Essa realidade não comporta indiferença. [...] Temos clareza de que a proposta do Evangelho não consiste só numa relação pessoal com Deus. A nossa reposta de amor não deveria ser entendida como uma mera soma de pequenos gestos pessoais a favor de alguns indivíduos necessitados […], uma série de ações destinadas apenas a tranquilizar a própria consciência.”
Os bispos alertam que o Brasil atravessa um dos períodos mais difíceis de sua história com “a combinação de uma crise de saúde sem precedentes, com um avassalador colapso da economia e com a tensão que se abate sobre os fundamentos da República, provocada em grande medida pelo Presidente da República e outros setores da sociedade, resultando numa profunda crise política e de governança.” “Não cabe omissão, inércia e nem conivência diante dos desmandos do Governo Federal”, pontuam os bispos.  Todos devem “combater as mazelas que se abateram sobre o povo brasileiro e a Casa Comum, ameaçada constantemente pela ação inescrupulosa de madeireiros, garimpeiros, mineradores, latifundiários e outros defensores de um desenvolvimento que despreza os direitos humanos e os da mãe terra.” Os 152 bispos denunciam também “a liberação do uso de agrotóxicos antes proibidos e o afrouxamento do controle de desmatamentos.” “Não podemos pretender ser saudáveis num mundo que está doente. As feridas causadas à nossa mãe terra sangram também a nós”” (Papa Francisco, Carta ao Presidente da Colômbia por ocasião do Dia Mundial do Meio Ambiente, 05/6/2020).”
Com a ira santa de Jesus Cristo diante dos vendilhões do templo, lugar sagrado, os 152 bispos denunciam: “Assistimos, sistematicamente, a discursos anticientíficos, que tentam naturalizar ou normalizar o flagelo dos milhares de mortes pela COVID-19, tratando-o como fruto do acaso ou do castigo divino, o caos socioeconômico que se avizinha, com o desemprego e a carestia que são projetados para os próximos meses, e os conchavos políticos que visam à manutenção do poder a qualquer preço. Esse discurso não se baseia nos princípios éticos e morais, tampouco suporta ser confrontado com a Tradição e a Doutrina Social da Igreja, no seguimento Àquele que veio “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). [...] As reformas trabalhista e previdenciária, tidas como para melhorarem a vida dos mais pobres, mostraram-se como armadilhas que precarizaram ainda mais a vida do povo.”
Profetizam os bispos: “É insustentável uma economia que insiste no neoliberalismo, que privilegia o monopólio de pequenos grupos poderosos em detrimento da grande maioria da população”. Como bons pastores que não apenas cuidam das ovelhas feridas, mas enfrentam os lobos vorazes, os 152 bispos denunciam: “O sistema do atual governo não coloca no centro a pessoa humana e o bem de todos, mas a defesa intransigente dos interesses de uma “economia que mata” (Alegria do Evangelho, 53), centrada no mercado e no lucro a qualquer preço. Convivemos, assim, com a incapacidade e a incompetência do Governo Federal, para coordenar suas ações, agravadas pelo fato de ele se colocar contra a ciência, contra estados e municípios, contra poderes da República; por se aproximar do totalitarismo e utilizar de expedientes condenáveis, como o apoio e o estímulo a atos contra a democracia, a flexibilização das leis de trânsito e do uso de armas de fogo pela população, e o recurso à prática de suspeitas ações de comunicação, como as notícias falsas, que mobilizam uma massa de seguidores radicais.”
De forma lapidar e com precisão cirúrgica, os 152 bispos põem o dedo nos desmandos do desgoverno federal: “O desprezo pela educação, cultura, saúde e pela diplomacia também nos estarrece. Esse desprezo é visível nas demonstrações de raiva pela educação pública; no apelo a ideias obscurantistas; na escolha da educação como inimiga; nos sucessivos e grosseiros erros na escolha dos ministros da educação e do meio ambiente e do secretário da cultura; no desconhecimento e depreciação de processos pedagógicos e de importantes pensadores do Brasil; na repugnância pela consciência crítica e pela liberdade de pensamento e de imprensa; na desqualificação das relações diplomáticas com vários países; na indiferença pelo fato de o Brasil ocupar um dos primeiros lugares em número de infectados e mortos pela pandemia sem, sequer, ter um ministro titular no Ministério da Saúde; na desnecessária tensão com os outros entes da República na coordenação do enfrentamento da pandemia; na falta de sensibilidade para com os familiares dos mortos pelo novo coronavírus e pelos profissionais da saúde, que estão adoecendo nos esforços para salvar vidas.”
A idolatria do mercado é denunciada com veemência também pelos 152 bispos: “No plano econômico, o ministro da economia desdenha dos pequenos empresários, responsáveis pela maioria dos empregos no País, privilegiando apenas grandes grupos econômicos, concentradores de renda e os grupos financeiros que nada produzem. A recessão que nos assombra pode fazer o número de desempregados ultrapassar 20 milhões de brasileiros. Há uma brutal descontinuidade da destinação de recursos para as políticas públicas no campo da alimentação, educação, moradia e geração de renda.”
Com veemência profética, continuam os 152 bispos: “Fechando os olhos aos apelos de entidades nacionais e internacionais, o Governo Federal demonstra omissão, apatia e rechaço pelos mais pobres e vulneráveis da sociedade, quais sejam: as comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, as populações das periferias urbanas, dos cortiços e o povo que sobrevive nas ruas, aos milhares, em todo o Brasil. [...] O Presidente da República, há poucos dias, no Plano Emergencial para Enfrentamento à COVID-19, aprovado no legislativo federal, sob o argumento de não haver previsão orçamentária, dentre outros pontos, vetou o acesso a água potável, material de higiene, oferta de leitos hospitalares e de terapia intensiva, ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea, nos territórios indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais” (Cf. Presidência da CNBB, Carta Aberta ao Congresso Nacional, 13/07/2020).
Os 152 bispos interpelam nossa consciência: “Como não ficarmos indignados diante do uso do nome de Deus e de sua Santa Palavra, misturados a falas e posturas preconceituosas, que incitam ao ódio, ao invés de pregar o amor, para legitimar práticas que não condizem com o Reino de Deus e sua justiça?” Cientes que mudança emancipadora só vem de baixo para cima, a partir dos explorados, os 152 conclamam a todas as pessoas de boa vontade: “Despertemo-nos, portanto, do sono que nos imobiliza e nos faz meros espectadores da realidade de milhares de mortes e da violência que nos assolam. Com o apóstolo São Paulo, alertamos que “a noite vai avançada e o dia se aproxima; rejeitemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz”” (Romanos 13,12).
Esta Carta ao Povo de Deus é tão contundente e profética como os Documentos divulgados por bispos da Igreja Católica nos anos de chumbo da ditadura militar-civil-empresarial iniciada em 31 de março de 1964. Dia 6 de maio de 1973 – ano do milagre econômico -, 18 bispos e superiores religiosos do regional Nordeste II da CNBB lançaram o documento Eu ouvi os clamores do meu povo, que denunciava as práticas assistencialistas da Igreja, pois eram mancomunadas com os dominadores (Eu ouvi os clamores, 1973, p. 10).  Nesse Documento, os bispos do Nordeste analisavam e propunham revisão de postura. Diziam os bispos do Nordeste: “A Igreja tem feito o jogo dos opressores, tem favorecido aos poderosos do dinheiro e da política contra o bem comum. [...] À luz, portanto, de nossa Fé e com a consciência da injustiça que caracteriza as estruturas econômica e social de nosso país, entregamo-nos a uma profunda revisão de nossa atitude de amor pelos oprimidos, cuja pobreza é a outra face da riqueza de seus opressores” (Eu ouvi os clamores, 1973, p. 27).
Seis bispos do Centro-Oeste, da parte mais violentada da Amazônia, também lançaram no mesmo dia, 6 de maio de 1973, o documento Marginalização de um povo – grito das Igrejas, onde se afirmava: “Precisamos apoiar a organização de todos os trabalhadores. Sem isto, eles não se libertarão nunca” (Marginalização de um povo, 1973, p. 42).  Os bispos denunciavam a exploração a que era submetido o povo trabalhador nas contradições do capitalismo: “[...] é um povo que luta e labuta, diário, num trabalho que, se não tira da pobreza os que trabalham, serve para enricar mais ainda os que já são ricos. [...] O latifúndio está crescendo, fica mais poderoso. E tem apoio das autoridades. [...] O sistema capitalista é a fonte de todos os males que assolam a vida do povo” (Marginalização de um povo, 1973, p. 9 e 14). E, mesmo confundindo dinheiro com capital, os bispos do Centro-Oeste compreendiam as contradições do capital e anunciavam uma utopia: “Queremos um mundo onde os frutos do trabalho sejam de todos. Queremos um mundo em que se trabalhe não para enriquecer, mas para que todos tenham o necessário para viver: comida, zelo com saúde, casa, estudos, roupa, calçados, água e luz. Queremos um mundo em que o dinheiro esteja a serviço dos homens e não os homens a serviço do dinheiro” (Marginalização de um povo, 1973, p. 43).
Os bispos e missionários da causa indígena lançaram também em 25 de dezembro de 1973 a declaração Y-juca-pirama – o índio: aquele que deve morrer, que era “documento de urgência”. Nesse se repudiava ‘civilizar’ os indígenas e defendia o reconhecimento das culturas indígenas. Nesse sentido afirmavam: “O objetivo do nosso trabalho não será ‘civilizar’ os índios. [...] Urgente necessidade de reconhecer e publicar certos valores que são mais humanos, e assim, mais evangélicos do que os nossos ‘civilizados’ e constituem uma verdadeira contestação à nossa sociedade” (Y-Juca-Pirama, 1973, p. 21).
Esses documentos assinados por vários bispos deixavam patente a necessidade de uma mudança radical na atuação pastoral da Igreja. No livro O poder do atraso: ensaios de Sociologia da História Lenta, José de Souza Martins aponta a revolução que esses Documentos de vários bispos provocavam: “Esses documentos anunciavam uma verdadeira revolução no trabalho pastoral, e constatavam que, de fato, o capitalismo subdesenvolvido e tributário não levaria à emancipação dos pobres. Ao contrário, o desenvolvimento econômico, que o Estado e o capital levavam adiante, no País, semeava fome, violência, destruição e morte” (MARTINS, 1999, p. 137).
A Igreja muda para contribuir com o processo de emancipação humana da classe trabalhadora e do campesinato ao abraçar a opção pelos pobres, que “é uma opção preferencial pela des-ordem que desata, desordenando, os vínculos de coerção e esmagamento que tornam a sociedade mais rica e a humanidade mais pobre. E ao desatar, liberta” (MARTINS, 1989, p. 57).  Deus levanta os líderes da Igreja para denunciar o mal e anunciar que seu povo e toda a criação devem ser tratados com respeito e justiça, e conclamar a ações libertadoras, transformadoras .  Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o Senhor pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus” (Miquéias 6,8). Com o monge Marcelo Barros saudamos “a volta da profecia na voz dos cuidadores do povo de Deus” e esperamos que estas denúncias claras contra o desgoverno federal que nos assola possam continuar por posicionamento claro destes bispos sobre os setores da nossa própria Igreja que apoiam esta iniquidade ou simplesmente ao se omitirem nesta hora a legitimam. Quem tiver ouvidos, ouça o que os 152 bispos dizem e enxergue o caminho que apontam.

Referências.
MARTINS, José de Souza. O poder do atraso: ensaios de Sociologia da História Lenta. 2ª edição. São Paulo: HUCITEC, 1999.
MARTINS, José de Souza. Caminhada no chão da noite: emancipação política e libertação nos movimentos sociais do campo. São Paulo: HUCITEC, 1989.
Documento de Bispos e Superiores Religiosos do Nordeste - Eu Ouvi os Clamores do Meu Povo. Salvador, Editora Beneditina, 1973; Marginalização de um Povo – o Grito das Igrejas, Goiânia, 1973; Y-Juca-Pirama – o Índio Aquele que Deve morrer (Documento de urgência de Bispos e Missionários), s.e., s.l., 1973.

28/7/2020.

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.
1 - 3ª Live do Movimento Inter-Religioso do Vale do Aço, MG: Fora, Bolsonaro? – Debate Inter-Religioso.



2 - Live - Fora Bolsonaro e o (des)governo federal? - Debate interreligioso



3 - Live CRISTÃOS TAMBÉM GRITAM: “FORA BOLSONARO”!!! - Frei Gilvander Moreira, Pastor Daniel Elias (Frente de Evangélicos/PT), Renata Miranda (Frente de Evangélicos/MG), Sara Suzan (PJ) e Paulo Amaral.



4 - Padre Nelito Dornelas: Debate Inter-Religioso "Fora, Bolsonaro e o (des)governo federal?"- 26/7/2020


5 - Dom Vicente Ferreira na Live "Fora, Bolsonaro e o (des)governo federal?" - Debate Inter-Religioso, dia 12/7/2020.



6 - Irmã Claudicéa Ribeiro na Live "Fora, Bolsonaro e o (des)governo federal?" - Debate Inter-Religioso – 12/7/2020.



7 - Padre Ronan: "Fora, Bolsonaro e esse governo de morte!" Eloquência e Profetismo - 12/7/2020



8 - A voz profética de dom Mauro Morelli: Por que "Fora, Bolsonaro"? - 12/7/2020



9 - Padre Edson, de Artur Nogueira/SP reafirma denúncias das opressões causadas por Bolsonaro. 05/7/2020



10 - Frei Gilvander e Dom Mauro Morelli na Live "Fora, Bolsonaro e o (des)governo federal?" - Parte I



11 - Frei Gilvander na Live Cristãos também gritam "FORA BOLSONARO e todo desgoverno federal!"- 28/6/2020



12 - Padre José Ailton: Faz carreata contra Quarentena quem não se preocupa com a vida dos trabalhadores





[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III

domingo, 26 de julho de 2020

Mateus 20,20 28: Festa de São Tiago, apóstolo e mártir. Reflexão bíblica. Frei Gilvander - 25/7/2020

Mateus 20,20 28: Festa de São Tiago, apóstolo e mártir. Reflexão bíblica. Frei Gilvander - 25/7/2020. 


Vídeo de Frei Gilvander, da CPT, das CEBs, do CEBI, do SAB e da assessoria de Movimentos Populares. Acompanhe a luta pela terra e por Direitos também via www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com
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Dia 25 de julho: Dia da/o trabalhador/a rural, Mulher Negra, Pai Nosso dos Mártires/1,6 ano de crime – 25/7/2020.


Dia 25 de julho: Dia da/o trabalhador/a rural, Mulher Negra, Pai Nosso dos Mártires/1,6 ano de crime – 25/7/2020.


Dia 25 de julho de 2020: Dia da/o trabalhador/a rural, Dia Mulher Negra, 35 anos de criação do Pai Nosso dos Mártires e 1,6 ano do crime/tragédia da Vale e do Estado em Brumadinho, MG, que sepultou 272 pessoas vivas e matou o rio Paraopeba, em Minas Gerais.

Frei Gilvander Luís Moreira

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terça-feira, 21 de julho de 2020

Parábola do semeador e luta por direitos. Por Frei Gilvander


Parábola do semeador e luta por direitos
Por Gilvander Moreira[1]



Uma parábola que está na Bíblia, no Evangelho de Marcos, nos coloca em contato com a situação dos sem-terra da atualidade e dos Sem Terra[2] do primeiro século na Palestina colônia do império romano. Ei-la: “Escutem. Um homem saiu para semear. Enquanto semeava, uma parte caiu à beira do caminho; os passarinhos foram e comeram tudo. Outra parte caiu em terreno pedregoso, onde não havia muita terra; brotou logo, porque a terra não era profunda. Porém, quando saiu o sol, os brotos se queimaram e secaram, porque não tinham raiz. Outra parte caiu no meio dos espinhos. Os espinhos cresceram, a sufocaram e ela não deu fruto. Outra parte caiu em terra boa e deu fruto, brotando e crescendo; rendeu trinta, sessenta e até cem por um. E Jesus dizia: Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!” (Marcos 4,3-9).
É o trabalho dos camponeses que está refletido no enredo da parábola do semeador! Trabalho duro, de sol a sol, dificultado por conta da política praticada pelo poder do Império Romano e pelos seus representantes na Palestina. A situação no campo se tornou de extrema penúria. Havia grandes extensões de terra nas mãos de poucos, particularmente romanos ou seus representantes. As aristocracias das cidades de Tiberíades e Jerusalém eram também proprietárias de muita terra, em geral as mais férteis. A produção visava particularmente à exportação. A parábola do semeador fala de um trabalhador camponês que resiste e não se sujeita a cumprir os papéis subalternos e submissos que o sistema imperial lhe impõe. Seu trabalho se dá no lançar sementes à beira do caminho, na pedra, entre espinhos e, finalmente, em terra boa. A parábola chama a atenção para as duras condições de trabalho dos camponeses pobres explorados e expropriados e nos convoca a perceber como é grave a realidade que é narrada! Aos camponeses que não baixam a cabeça só resta a beira da estrada, o terreno com pedras ou cheio de espinhos, e isso se sobrar. A parábola nos leva a refletir sobre a injustiça da situação concreta vivenciada pelo camponês, mas aponta também para outro horizonte: o da alegria da fartura, o da produção abundante. Na verdade, as três primeiras etapas do trabalho do camponês aparecem em um crescente, apontando para a semeadura em terra boa, com o resultado esperado. A persistência do trabalhador terá sua recompensa. Além disso, deve-se notar que a parábola não declara quem é o destinatário da produção ou se outra pessoa que não o trabalhador camponês se aposse dela. Mas é inevitável pensar sobre isso pois, é sabido que os impostos injustos acabariam por açambarcar  boa parte de sua produção. No horizonte do texto do evangelho de Marcos 4,3-9, da década de 70 do primeiro século da Era Cristã, o destinatário da produção não pode ser senão o semeador quem trabalha a terra! Essa parábola profética se atreve a propor a utopia da terra libertada: sem donos, sem quem se aposse do trabalho de outros, sem que um plante para outro colher. Utopia narrada poeticamente no livro do profeta Isaías: “Os homens construirão casas e as habitarão, plantarão videiras e comerão os seus frutos. Já não construirão para que outro habite a sua casa, não plantarão para que outro coma o fruto” (Isaías 65,21-22a).
No Evangelho de Lucas há duas narrativas de envio de discípulos: Lucas 10,1-12, em que Jesus sugere aos discípulos irem para a missão despojados e desarmados, e Lucas 22,35-38, que trata da hora do combate, da luta, do enfrentamento. Na missão de construção de uma sociedade justa e solidária, ao tomar partido ao lado dos superexplorados e ‘dar nomes aos bois’, explicita-se as divisões e desigualdades sociais existentes na sociedade capitalista. Os incomodados tendem naturalmente a querer silenciar aqueles/as que os estão incomodando. Nesta hora de perseguições exige-se resistência. Por isso, o evangelho de Lucas propõe aos discípulos para o exercício da missão “pegar bolsa e sacola, uma espada – duas no máximo” (Lucas 22,36-38). No artigo “Seguir Jesus, desafio que exige compromisso”, ponderamos: “Resistir não é violência, é legítima defesa. Diante de qualquer tirania e de um Estado violentador, vassalo do sistema capitalista que sempre tritura vidas e pratica injustiças, é dever das pessoas resistir diante das opressões perpetradas contra os empobrecidos, os preferidos de Jesus.” Lucas, em Lc 22,35-38, sugere desobediência civil – econômica, política e religiosa. Em uma sociedade desigual, esse é “outro caminho” a ser seguido por nós, discípulos e discípulas de Jesus, o rebelde de Nazaré.
Os quatro evangelhos da Bíblia[3] relatam que Jesus, próximo à maior festa judaico-cristã, a Páscoa, indignado, ocupou o templo de Jerusalém, lugar sagrado. O nazareno fez um chicote de cordas e expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e bois, destinados aos sacrifícios. Derramou pelo chão as moedas dos cambistas e virou suas mesas. Aos que vendiam pombas (eram os que diretamente negociavam com os mais pobres porque os pobres só conseguiam comprar pombos e não bois), Jesus ordenou: ‘Tirem estas coisas daqui e não façam da casa do meu Pai uma casa de negócio’ (João 2,16). O templo era espaço sagrado, lugar do culto e de se humanizar. O templo era uma instituição transformada em uma espécie de Banco Central do país + bancos + bolsa de valores. Atualmente, o território brasileiro com todos seus biomas e com todos os povos são nosso “templo” que está sendo violentado pelos novos ‘vendilhões do templo’, os fascistas e os capitalistas. Feliz quem, possuído por uma ira santa, participar da luta para expulsar os atuais mercadores da vida e que degradam as condições objetivas que a viabilizam. Há que se semear na própria terra e não em terra alheia ou para que usufrua o patrão. O desafio é ser discípulo/a crítico e criativo e lutar de forma coletiva para expulsar os atuais ‘vendilhões do templo’, que insistem em usurpar todas as formas de vida existentes em nosso país: o povo, os biomas e toda a biodiversidade que ela congrega. Tudo isso para que a vida, o que há de mais sagrado, e todas as condições para sua existência sejam garantidas.[4]

21/7/2020.

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.
1 - Frei Gilvander contra despejo de famílias Sem Terra do MST em Campo do Meio, sul de MG - 07/7/2020

2 - Sem Terra sobreviventes do massacre de Felisburgo, MG, jamais vão aceitar despejo. Vídeo 2 12/3/20

3 - "Sem medo de ser mulher" e Cruz do Compromisso na IV Romaria/Águas/Terra/Bacia/rio Doce. Vídeo 10

4 - Quem luta coletivamente conquista. Sem Terra, do MTC, em Córrego Danta, MG. Vídeo 7 - 16/8/2019.

5 - Sem Terra produz alimentos saudáveis: MTC em Córrego Danta, centro-oeste/MG. Vídeo 4 - 16/8/2019



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Sem Terra diz respeito aos sem-terra conscientes e organizados que estão na luta pelo acesso à terra e sem-terra são os expropriado do acesso à terra, os explorados.
[3] Mateus 21,12-13; Marcos 11,15-19; Lucas 19,45-46 e João 2,13-17.
[4] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.