ESPIRITUALIDADE INSPIRA E ORIENTA O MOVIMENTO DAS COMUNIDADES POPULARES. Por frei Gilvander Moreira[1]
De 8 a 11 de novembro de 2024 tive a
alegria e a responsabilidade de participar e assessorar o 3º Encontro de
Formação do Movimento das Comunidades Populares (MCP), no Instituto Padre João
Geisen, na cidade de São Lourenço da Mata, na região metropolitana de Recife,
PE. O tema: Espiritualidade Libertadora.
Com a participação de dezenas de lideranças do MCP de oito estados, o Encontro
foi muito bom e inspirador.
Com 55 anos de história e lutas
permanentes em onze estados[2],
o MCP segue construindo comunidades autônomas com vida comunitária e uma série
de projetos que primam por ações coletivas em busca dos direitos dos pobres e
do bem comum, atuando sempre a partir dos últimos da sociedade, os mais
injustiçados. Além de acompanhar luta de posseiros pela terra, de sem-terra por
moradia, de quilombolas por território, na linha da Economia Solidária –
Economia de Francisco e Clara -, o MCP organizou e coordena Bancos Comunitários chamados de GIC (Grupo de Investimento Coletivo),
onde os mais empobrecidos se associam com investimentos mínimos, com juros
abaixo do mercado idolatrado e viabilizam empréstimos com juros mínimos que torna
possível às pessoas que sobrevivem com pouquíssimo dinheiro comprar o que
necessitam e se desenvolverem na vida sem se tornarem escravas da agiotagem das
transnacionais de cartão de crédito e dos empréstimos de bancos capitalistas com
juros abusivos e extorsivos.
O MCP organiza consórcio de 10, 20 ou 30 pessoas, mais ou menos, para se
constituir um fundo que a cada mês, por sorteio, um dos membros pode acessar o
dinheiro necessário para comprar algo que se fosse na engrenagem legal do
capitalismo, a pessoa teria que se endividar muito. Fazem também consórcio para compras coletivas da
semana para o sustento. Ao comprar coletivamente para 10, 20 ou 30 famílias se
consegue desconto de até 20% e as despesas de transporte ficam muito menores e
o tempo das pessoas fica mais livre também, porque todos/as não precisam ir às
compras semanalmente. Organizam e sustentam Mercados Coletivos, Casas de
Material de Construção Coletivas, Grupo de Trabalho Coletivo na Construção
Civil, Grupo de Costureiras, Refeição Coletiva
uma vez por mês para fortalecer a amizade, a convivência, celebração de
aniversários, avaliar as ações coletivas e agradecer a Deus pelas conquistas.
Criaram escolinhas comunitárias que são mantidas pelas
famílias sem ajuda de prefeitura e nem de empresas. Tudo isso para as pessoas
experimentarem que é possível e mil vezes melhor viver fora de relações
escravocratas que o sistema capitalista impõe a todos/as, superexplorando até
chupar a última gota de sangue no altar do ídolo mercado/capital. Ter patrão é
aceitar ser escravizado. O MCP Busca de
forma coletiva construir vida comunitária com autonomia, buscando romper com as
dependências que o sistema do capital impõe.
Morando
nas comunidades das periferias das cidades ou no campo, os irmãos e irmãs do
Movimento das Comunidades Populares (MCP) há 55 anos se dedicam a construir
Comunidades Populares com 10 Colunas. Ei-las:
1ª coluna: SOBREVIVÊNCIA COLETIVA (economia), que
integra: Grupo de Investimentos Coletivo (GIC), Grupos de Produção Coletiva
(GPC), Grupos de Compras e Vendas Coletivas (GVC ), Grupo de Trabalho Coletivo
para prestação de serviço (GTC), com o lema: "Onde há cooperação, não
existe exploração!".
2ª coluna: RELIGIÃO LIBERTADORA. Refeições
Coletivas, Semana Santa e Natal. Se Deus é Pai, nós somos irmãos e irmãs. Por
isso, devemos viver em Comunidade. Lema: "Quem ama de verdade vive no
coletivo e não passa necessidade!"
3ª coluna: FAMÍLIA COMUNITÁRIA, que inclui
realizar Chá de Bebê, creche, escola infantil. Clubinhos ou Grupo de Crianças e
Adolescentes. Dia das Mães, dia dos Pais, Dia dos/as Avós e Dia dos Idosos.
Lema: "No campo ou na cidade, família de verdade é na Comunidade!" A
partir do processo de realização do 1° Congresso do MCP, descobrimos que a
primeira e melhor escola de formação é a barriga da mãe, o colo do pai e os
braços da Comunidade.
4ª coluna: SAÚDE, com o lema:
"Para o corpo remédio caseiro, para a alma amor verdadeiro.” Tarefas:
organizar grupo de saúde popular na comunidade; produzir as plantas medicinais
e fazer remédio caseiro; criar caixinha e fundo comunitário de saúde; organizar
espaço para acolher as pessoas doentes; tratar as doenças emocionais e não só
as físicas; lutar para melhorar a saúde pública dentro e fora da Comunidade.
5ª coluna: MORADIA e URBANIZAÇÃO. Lema:
"Moradia e urbanização, só com luta e mutirão!" Lutar por terrenos,
casa e saneamento. Ocupação, Reivindicação ou Mutirão.
6ª coluna: ESCOLA. Lema:
“Construir escolas comunitárias e lutar para melhorar a escola pública.”
7ª coluna: ESPORTE. Organizar o
esporte comunitário, principalmente o futebol. Lema: "Mais importante do
que vencer é participar"!
8ª coluna: ARTE. Dança, canto,
poesia, teatro, grupos musicais, capoeira... Lema: "Arte popular, para
juventude se unir e o povo participar.”
9ª coluna: LAZER. Festas,
passeios... Lema: "Lazer com bebida, não; nós queremos união."
10ª coluna: INFRAESTRUTURA. Espaço
comunitário para pôr em prática as dez colunas. Lema: "Limpa, bonita e
organizada, assim deve ser nossa morada!"
Dedicamos o 1º dia do Encontro para
resgatarmos a história, a práxis e a espiritualidade do Movimento “Encontro de
Irmãos”, “batizado” por Dom Hélder Câmara na Festa de Pentecostes do ano de
1969, anos de chumbo da ditadura militar-civil-empresarial com brutal repressão
às lideranças populares que defendiam os direitos humanos fundamentais e, por
isso, contestavam a ditadura que violava de forma atroz a dignidade humana
impondo o arbítrio e o autoritarismo político-militar que impôs a miséria, a
fome, o analfabetismo e o endividamento dos povos no Brasil, concedendo isenção
de impostos para empresários que invadissem a Amazônia, expulsassem os
posseiros e expropriassem a terra que eles usavam em harmonia com a floresta.
O Movimento popular-religioso “Encontro
de Irmãos”, com o lema “pobre
evangelizando pobre”, tinha o objetivo de, a partir da espiritualidade
libertadora, superar a fome, a miséria, o analfabetismo e todas as injustiças
que se abatiam sobre o povo. Com a bênção e o incentivo de Dom Hélder Câmara, o
Encontro de Irmãos se disseminou pela Arquidiocese de Recife em Grupos de
Irmãos que faziam semanalmente Círculos Bíblicos, de casa em casa, nas
comunidades das periferias e nos campos, envolvendo quem precisava, com
acolhida, abraço solidário. Em círculos de poucas pessoas buscava-se ouvir a
Palavra de Deus, os apelos divinos, a partir da realidade e da Bíblia.
Ficou evidenciado neste 3º Encontro de
Formação do MCP que Espiritualidade une as pessoas e os povos, enquanto as
religiões e igrejas como instituições, via de regra, ao priorizarem a
reprodução de si mesmas, estão, na prática, desunindo as pessoas e os povos,
usando e abusando da fé do povo simples e humilde, usando indevidamente o nome
de Deus, catando versículos bíblicos que lhes interessam, em leitura
fundamentalista e literalista, para justificar a acumulação de capital de seus
chefes (pastores, padres, bispos... – dois dos dez homens mais ricos do Brasil
são pastores) e defender políticas de morte capitaneadas pela extrema-direita
fascista, que de forma idolátrica tem como lema “Deus acima de todos.”.
Enfim, espiritualidade torna o ser
humano mais humano e, assim, verdadeiramente comprometido com a vida, que seja
plena para todos, todas, todes e para toda a criação, sempre a partir da
sabedoria dos últimos da sociedade, os mais violentados. Feliz quem se
torna aprendiz dos/as empobrecidos/as e assimila a fraternidade que eles e elas
testemunham. Mais do que Círculo Bíblico, é preciso Encontro de irmãos e irmãs,
o que tem o poder de implodir o sistema do capital idolatrado e apontar o
caminho para a construção de uma sociedade justa economicamente, com paz e
amor.
16/11/2024.
Obs.: As videorreportagens nos
links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 - Frei Betto fala sobre Espiritualidade no 12º
Encontro Nacional de Fé Política. em BH/MG. Vídeo 2
2 - Espiritualidade de Encontros humanizadores:
Palavra Ética com frei Gilvander Moreira – 21/12/23
3 - Marcelo Barros: Livro OS SEGREDOS DO NOSSO
ENCANTO - fé cristã e espiritualidades indígenas e negras
4 - COM FÉ E MÍSTICA DOS MÁRTIRES, O POVO PALESTINO
VENCERÁ! Fora, Israel genocida! Por frei Gilvander
5 - Afeto, amor e cuidado em Espiritualidade
Libertadora no 3º dia do XV Intereclesial das CEBs, em Rondonópolis, MT, na
Plenária-mãe “Casa Comum”. Vídeo 10 - 20/07/23
6 - Momento Orante de Espiritualidade libertadora no
3º dia do XV Intereclesial das CEBs, em Rondonópolis, MT, na Plenária-mãe “Casa
Comum”. Vídeo 9 - 20/07/23
7 - TOQUE DO COLETIVO ALVORADA: A Espiritualidade
humanista e militante de Frei Gilvander - 30/3/22
8 - Semeando Espiritualidades 52: Espiritualidade e
luta pela terra. Por Frei Gilvander - 06/12/21
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela
UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP;
mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália;
doutor em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, Movimentos Sociais e
Ocupações.
E-mail:
gilvanderlm@gmail.com – www.freigilvander.blogspot.com.br –
www.gilvander.org.br
www.twitter.com/gilvanderluis –
Face book: Gilvander Moreira III – Canal no You Tube: Frei Gilvander
luta pela terra e por direitos
[2]
Alagoas, Bahia, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio
de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo.