Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs), teimosas flores de mandacaru.
Gilvander
Luís Moreira[1]
Que
beleza espiritual, ética e profética, o 13º Intereclesial das CEBs –
Comunidades Eclesiais de Base -, na Diocese de Crato, no Ceará, em cinco
cidades – Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha, Caririaçu e Missão Velha -, de 7
a 11 de janeiro de 2014, com o tema “Justiça e Profecia a serviço da vida” e o
lema “CEBs romeiras do reino no campo e na cidade.” Participaram mais de 5 mil
pessoas, entre as quais, leigos/as, freiras, freis, padres e bispos, 4.065
representantes de CEBs do Brasil, dezenas de convidados internacionais, mais de
mil pessoas nas equipes de serviços. O povo ficou hospedado nas casas de mais
de 2 mil famílias.
Foi
inspirador andar nas terras de Padre Cícero, do beato Zé Lourenço e da beata
Maria de Araújo; e experimentar a religiosidade do povo, a acolhida, o sorriso,
a criatividade infinita e a resistência inquebrantável do povo do cariri,
região do “coração
alegre e forte do Nordeste”.
De
1975 a 2014 perfazem 39 anos de intereclesiais das CEBs. Quase 40 anos de
caminhada libertadora das Comunidades Eclesiais de Base, essas sementeiras de
movimentos sociais populares, realizando encontros paroquiais, diocesanos,
estaduais e “nacionais”. Como romeiras do reino do Deus da vida, sob a luz e o incentivo
do papa Francisco, com a exortação apostólica Alegria do Evangelho, as CEBs
brasileiras podem estar diante do rio Jordão, após os muitos anos de deserto
sob os pontificados de João Paulo II com início em 1978 e Bento XVI que o
sucedeu até 2013. Pela 1ª vez na história dos intereclesiais de CEBs, o papa
enviou uma mensagem animadora aos 4.065 representantes de CEBs reunidos neste
13º Intereclesial. Disse Francisco, na Mensagem: “Como
lembrava o Documento de Aparecida, as CEBs são um instrumento que permite ao
povo “chegar a um conhecimento maior da Palavra de Deus, ao compromisso social
em nome do Evangelho, ao surgimento de novos serviços leigos e à educação da fé
dos adultos (D.A, n.178). As Comunidades de Base trazem um novo ardor
evangelizador e uma capacidade de diálogo com o mundo que renovam a Igreja.”
O grito maior do 13º Intereclesial das CEBs foi por
Justiça e Profecia a serviço da vida. Que a justiça de vocês seja maior do que
a justiça dos capitalistas, dos fundamentalistas, dos proselitistas, dos
adeptos do ídolo capital, diria Mateus nos dias de hoje. “Não deixe morrer a
profecia”, alertava dom Hélder Câmara. É hora de resgatarmos e sermos, na
prática, encarnação das três eloquentes metáforas do Evangelho: ser luz no
mundo das relações e instituições humanas, luz que revele as trevas do mercado
idolatrado, do agronegócio que envenena a comida do povo com agrotóxico e fere
de morte a nossa mãe Terra e toda a biodiversidade. Ser sal na comida, isto é,
em tudo aquilo que alimenta a vida do povo a partir dos injustiçados. Evitar
que as podridões da democracia representativa, do Estado, de pessoas alienadas
e de segmentos de igrejas falsifiquem o evangelho do galileu de Nazaré. Ser o
fermento nas massas das cidades empresas e dos campos do agronegócio, eis a
missão profética das CEBs atualmente.
É hora de assumirmos compromisso com a herança
espiritual e profética dos mártires das Comunidades Eclesiais de Base, tais
como “Zé Maria, assassinado com oito tiros,
animador da CEB de Limoeiro do Norte, CE, na Chapada do Apodi, presidente da
Associação dos trabalhadores rurais, que denunciam as intoxicações de
trabalhadores e até de crianças e a poluição provocada pelas nuvens de
agrotóxico despejadas pelos aviões das produtoras de frutas, sobre os abacaxis,
as mangas e as bananas, sobre o açude, o campo de bola e a escola, seguindo o
capricho dos ventos...”[2]
É hora de retomar a práxis libertadora da fé
cristã, sob a reflexão da Teologia da Libertação. É hora de reconhecer e fortalecer
as CEBs ecológicas da/na Amazônia, as CEBs da Convivência com o semiárido do/no
Nordeste, as CEBs urbanas das periferias das metrópoles brasileiras, as CEBs
abertas ao ecumenismo e os vários outros tipos de CEBs existentes dentro e fora
do Brasil. É hora de pedir perdão ao povo das religiões de matriz afro-brasileiras,
tais como o candomblé e a umbanda, ainda, injustamente discriminados por
posturas moralistas e fundamentalistas de certos católicos, evangélicos e (neo)
pentecostalistas.
Libertador
será o dia em que pela nossa forma de viver e conviver possamos gritar, sem
nenhum ruído, que somos terra, que somos água, que somos negros, índios,
mulheres, homossexuais, deficientes, sem-terra, sem-casa, pessoas em situação
de rua, catadores de materiais recicláveis, presos, candomblecistas e
umbandistas. Isto porque somos filhos/as do mesmo Pai, Deus, mistério de amor
que nos envolve, e da mesma mãe, a terra. Somos todos esses, porque “mexer com qualquer
um desses grupos é mexer conosco”. A causa/luta deles deve ser a nossa
causa/luta. Nada nos deve ser indiferente. Ser luz, sal e fermento, eis nossa
tarefa.
Os 72 bispos presentes no 13º intereclesial, em uma
mensagem às CEBs e ao povo, disseram: “Muito
nos sensibilizaram os gritos dos excluídos que ecoaram neste 13º intereclesial:
gritos de mulheres e jovens que sofrem com a violência e de tantas pessoas que
sofrem as consequências do agronegócio, do desmatamento, da construção de
hidrelétricas, da mineração, das obras da copa do mundo, da seca prolongada no
nordeste, do tráfico humano, do trabalho escravo, das drogas, da falta de
planejamento urbano que beneficie os bairros pobres; de um atendimento digno
para a saúde...”
Os 72 bispos, 72 verdadeiros discípulos de Jesus de
Nazaré e do seu Evangelho, nos dias atuais, disseram ainda: “Reconhecemos nas CEBs o jeito antigo e novo
da Igreja ser, muito nos alegraram os sinais de profecia e de esperança
presentes na Igreja e na sociedade, dos quais as CEBs se fazem sujeito. Que não
se cansem de ser rosto da Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído
pelas estradas e não de uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se
agarrar às próprias seguranças, como nos exorta o querido Papa Francisco (cf.
EG 49). Para tanto, reafirmamos, junto às Cebs, nosso empenho e compromisso de
acompanhar, formar e contribuir na vivência de uma fé comprometida com a
justiça e a profecia, alimentada pela Palavra de Deus, pelos sacramentos, numa
Igreja missionária toda ministerial que valoriza e promove a vocação e a missão
dos cristãos leigos (as), na comunhão.”
Sensibilizou a muitos o grito dado por algumas mães
de santo do candomblé que só tiveram acesso ao microfone, na Celebração
Ecumênica, após insistirem para falar. Protestaram: “Saudamos a todos/as os presentes, mas viemos aqui para denunciar que os
católicos da região do cariri estão nos discriminando. Sofremos muito com isso.”
Ficou no ar o clamor. Feliz quem ouvir.
Representantes da CEB da comunidade do Jardim
Fortim, no Litoral Leste do Estado do Ceará, nos disseram: “Somos Pescadores e
Pescadoras e lutamos para defender o nosso território. Desde 2012 realiza em
todo o Brasil uma Campanha pela regularização do Território das Comunidades
Tradicionais Pesqueiras. Essa campanha foi lançada em Brasília (DF), em
Junho/2012 e busca a assinatura de 1% dos eleitores brasileiros, por isso temos
que conseguir mais de 1.406.466 assinaturas. Queremos que exista (e seja
cumprida) uma lei de iniciativa popular que proponha a regularização do
território das comunidades tradicionais pesqueiras (Depoimento de Maninha,
Maria Eliene).”
Irmã Tea Frigerio, assessora das CEBs e membro da
equipe de reflexão do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI), destacou a
importância da realização do Intereclesial na terra do padre Cícero. “Aqui se
encontram duas realidades fortemente significativas para a Igreja do Brasil: a
religiosidade popular que sustenta a vida do povo nos seus sofrimentos e as
CEBs, mandacaru que resiste como modo de ser Igreja.” “Esses dois braços do povo
brasileiro expressam duas maneira de viver a fé: a Romaria de padre Cícero dá
voz à fé do povo pobre e excluído e as CEBs que fazem memória de um jeito
diferente de ser Igreja. Estes dois braços se encontraram para se fortalecer e
se enriquecer reciprocamente”, afirmou Tea.
Frei Betto, lembrou que “as CEBs, quando estavam
muito vivas e apoiadas pela hierarquia da Igreja, nos anos 70 e 80, provocaram
o crescimento de fiéis católicos. Depois que houve a vaticanização da Igreja na
América Latina, com João Paulo II, as CEBs se fragilizaram, a Igreja
começou a se encher de movimentos e os fiéis começaram a migrar para as igrejas
evangélicas.” “Está provado historicamente que quanto mais CEBs, mais fiéis e
quanto menos CEBs, menos fiéis”, complementou frei Betto.
Irmã Anette Dumoulin, religiosa belga
que se dedica a acolher os romeiros em Juazeiro do Norte, defendeu uma nova
formação dos seminaristas e padres. Segundo ela, “se o padre não aceita
partilhar como pastor no meio do seu povo, as CEBs vão continuar sofrendo
muito. Nós precisamos transformar a formação dos seminaristas para ter novos
tipos de padres, que saibam lavar os pés de suas ovelhas como Jesus fez. Se os
seminários continuam a formar padres que são chefes, donos, nós não vamos
conseguir que as CEBs vivam a realidade do novo céu e de uma nova terra”,
argumenta.
Dom Fernando Panico, bispo de Crato,
anfitrião do 13º Intereclesial, bradou na celebração de abertura do 13º
Intereclesial: “As CEBs são o jeito da Igreja ser. As CEBs são o jeito
“normal” da Igreja ser.”
O índio Anastácio profetizou: “Roubaram nossos frutos,
arrancaram nossas folhas, cortaram nossos galhos, queimaram nossos troncos, mas
não deixamos arrancar nossas raízes.”
O
Nordeste tem vivido nos últimos anos uma das maiores estiagens e as
conseqüências desta seca são muitas na vida do povo empobrecido, sobretudo os
camponeses e os que têm na roça a única alternativa de sobrevivência. Mas, uma
coisa é certa: basta que a chuva caia um pouco para o mandacaru florir e
revelar em uma ousada profecia que a vida é mais forte que a morte. Como as
flores dos mandacarus do Nordeste, o povo presente no 13º Intereclesial das CEBs sinalizou para o Brasil e
para o mundo que o projeto de Jesus Cristo, jovem camponês da periferia, profeta
mártir de Nazaré, está vivo no meio dos pobres.
Gravamos e disponibilizamos em www.youtube.com mais de 7 horas de momentos
marcantes do 13º Intereclesial. Quem quiser assistir, busque no www.youtube.com “XIII Intereclesial das CEBs, em
Juazeiro do Norte, CE”.
Belo Horizonte, MG, Brasil, 27 de janeiro de 2014.
Frei Gilvander – www.gilvander.org.br
– www.freigilvander.blogspot.com.br
No facebook: Gilvander Moreira
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; natural
de Rio Paranaíba, MG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em
Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto
Bíblico de Roma, Itália; doutorando em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT
(Comissão Pastoral da Terra), CEBI (Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos), SAB
(Serviço de Animação Bíblica) e Via Campesina; conselheiro do Conselho Estadual
dos Direitos Humanos de Minas Gerais – CONEDH; Além de acompanhar pastoralmente
a luta pela terra no Estado de MG, acompanha, nos últimos 10 anos, a luta por
moradia em BH e várias outras cidades de MG; e-mail: gilvanderlm@gmail.com –
www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br -
www.twitter.com/gilvanderluis - Facebook: Gilvander Moreira
[2]
VV.AA. Justiça e Profecia a serviço da
vida, Texto-base do 13º Intereclesial, CEBs, Romeiras do Reino no Campo e
na Cidade, 7 a 11/01/2014, p. 343.
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