TSUNAMI DAS MINERADORAS E DO AGRONEGÓCIO: INDO DE ENCONTRO AO ABISMO? Por frei Gilvander Moreira[1]
O distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, MG, foi completamente devastado pela lama tóxica da barragem de Fundão, das mineradoras Vale, BHP Biliton e Samarco. O brutal crime continua se reproduzindo de muitas formas. Foto Reprodução Redes Virtuais.Feliz
quem observa os sinais dos tempos e dos territórios, e de forma cidadã convive
e luta pela preservação das condições objetivas de vida para toda a Comunidade
de vida, entre os quais estamos nós, os humanos. Em um olhar panorâmico sobre
Minas Gerais, vemos a mineração devastadora avançando como um tsunami
desenfreado nas Minas e nos Gerais. Na entrada de Ouro Preto, patrimônio mundial
da humanidade e palco de mais de 300 anos de mineração, na Serra de Ouro Preto, território sagrado, berço das águas
e de memórias ancestrais, estão oito mineradoras se instalando, entre
elas a Patrimônio Mineração, estão cercando e sitiando Ouro Preto. Se não fosse
a brutal devastação socioambiental, histórica e arqueológica que causam, só o
fato de se instalarem na chegada de uma cidade histórica e turística como Ouro
Preto, já seria motivo para proibir a instalação delas, mas autoridades
municipais, estaduais e federais continuam se vergando ao poderio das
mineradoras.
No
município de Itabirito, onde a mineradora Vale S/A já devastou toda a região do
eloquente Pico do Itabirito chegando ao absurdo de um engenheiro da Vale propor
construir um Pico de concreto em substituição ao Pico natural de Itabirito, construído
nas ondas da evolução em milhões de anos, há cinco projetos novos de mineração
e mais um Terminal para carregamento de minério sendo construído em São Gonçalo
do Bação, tudo com licenciamentos caricaturais com ilegalidades flagrantes, sem
contar as muitas mineradoras que seguem devastando ao redor da magnífica
Estação Ecológica de Aredes, que resiste à fúria de mineradoras como a Minar,
liderada por ex-deputado do Partido dos Trabalhadores e que fez lobby na
Assembleia Legislativa de Minas Gerais para aprovar Projeto de Lei para alterar
os limites de Aredes para legalizar mineração dentro da Estação Ecológica.
Na
Serra do Rola Moça, onde está o Parque Estadual da Serra do Rola Moça, terceiro
maior parque em região metropolitana do Brasil, as mineradoras AVG e Santa
Paulina seguem insistindo em reabrir crateras deixadas por mineração
devastadora ao longo de várias décadas, com o álibi mentiroso de que para
“descomissionar barragens” é preciso minerar mais.
Outro
dia, ao visitar a Comunidade Tradicional Ribeirinha da rua do Amianto, em
Brumadinho, MG, onde 53 famílias sobrevivem prensadas pelo rio Paraopeba
poluído, tendo enchente alagado todas suas casas e deixado montanhas de lama
tóxica nos quintais – “se pisa na terra, coceiras aparecem na hora” – e uma
ferrovia pela qual, até a década de 1970, passavam trens de passageiros, Maria
dos Anjos nos informou: “Os trabalhadores
que construíram esta ferrovia passaram a morar aqui e como João de Barro foram
construindo suas humildes casas. Muito tempo atrás aqui passavam trens de
passageiros levando o povo para Belo Horizonte e outras cidades. Trens de
minério eram só dois por dia, mas ultimamente está passando um trem lotado de
minério de 30 em 30 minutos, 24 horas por dia. E vem tão superlotado, jogando
poeira tóxica ao longo de toda a ferrovia. O povo está cada vez mais adoecido.
A Fiocruz (Fundação Osvaldo Cruz) já comprovou a presença de metais pesados no
sangue do povo e de todas as crianças de Brumadinho.”
O
desgovernador Zema segue empurrando goela abaixo o famigerado Rodoanel a ser
construído na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). De forma ilegal e
injusta, sem fazer Consulta Prévia, Livre, Informada, de Boa-Fé e Consentida
aos Povos e Comunidades Tradicionais, como garante a Convenção 169 da OIT[2] da
ONU[3], foi
feito o leilão do Rodoanel na Bolsa de Valores, o contrato com uma empresa
transnacional da Itália e constituído um Consórcio de empresas, como Rodoanel
BH, Tracbel etc., que estão pressionando famílias e comunidades a já discutirem
preço de indenização sem se fazer a Consulta Prévia. Este Rodoanel é mentiroso
desde o nome, pois para ser rodoanel deveria rodear a região metropolitana, mas
trata-se de um intra-anel, um rodominério, infraestrutura para aumentar
mineração na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), é uma obra absurda e
insustentável sob todos os aspectos.
Para impedir a agudização das injustiças
socioambientais, econômicas e políticas reinantes em Belo Horizonte e RMBH
propomos quatro alternativas à construção do Rodoanel: 1) Ampliação do Metrô de
Belo Horizonte para várias cidades da RMBH, que volte a ser público e com
tarifa a mais barata possível; 2) Resgate do transporte de passageiros/as
através de trens entre as 34 cidades da RMBH e Belo Horizonte, realidade que
existia até por volta da década de 1970; 3) Melhoria do transporte público de
ônibus em Belo Horizonte e RMBH; 4) Revitalização, ampliação e duplicação do
Anel Rodoviário de Belo Horizonte, o que é viável tecnicamente e será muito
menos oneroso e não trará as brutais violações aos direitos socioambientais,
históricos e arqueológicos de Belo Horizonte e 13 municípios da RMBH.
A
crise hídrica já deixa centenas de bairros sem água todos os dias em Belo
Horizonte e nas 34 cidades da RMBH. A história demonstra que um dos motivos
para se construir uma nova capital de Minas Gerais, após Ouro Preto, aos pés do
Curral Del Rey foi a existência na região de mananciais com capacidade de
abastecer uma cidade de até três milhões de pessoas, mas Belo Horizonte e as 34
cidades da RMBH, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
já estão se aproximando de seis milhões de habitantes. Em 34 audiências
públicas, as últimas em 2024, para se atualizar o Plano Diretor da RMBH ficou
demonstrado que um dos maiores desafios dos gestores públicos municipais é
conter o número muito grande de loteamentos ilegais e clandestinos que estão
conurbando BH e toda a RMBH. Se nas margens do Anel Rodoviário, em Belo
Horizonte, em apenas 26 Km, já se aglomeram 8 mil famílias, ao longo do
“Rodoanel”, com mais de 100 Km, cem mil pessoas irão se instalar rapidamente
nas suas margens, pois toda estrada próxima de cidades atrai aglomeração
urbana. Em síntese, está se construindo o fim das áreas rurais em BH e na maior
parte das 34 cidades da RMBH. Com isso, os mananciais já escassos serão
dizimados completamente como o manancial da Pampulha e o de Águas Claras, na
Serra do Curral, que já foram sacrificados.
No Vale do Jequitinhonha, mineradoras como a
Sigma Lithium, seguem invadindo territórios de Povos e Comunidades
Tradicionais, cooptando prefeitos, vereadores e fazendeiros a ponto de se
aprovar Projeto de Lei que amputa cerca de seis mil hectares, 23%, da área da Área
de Proteção Ambiental (APA) Chapada do Lagoão, no município de Araçuaí. No
norte de Minas Gerais, mineradoras como a Vale S/A, CSN, Grupo Votorantim,
MTransminas, Mineração Minas Bahia (Miba), Gema Verde, Sul Americana de Metais
(SAM) e a Mineração Rio do Norte (MRN) seguem devastando os gerais, fazendo
insidiosa campanha contra a criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável
(RDS) Córregos Poções-Tamanduá-Peixe Bravo, nos municípios de Riacho dos
Machados, Serranópolis e Rio Pardo de Minas.
Dom Vicente Ferreira, que foi bispo em Brumadinho
e conviveu diretamente com os povos golpeados pelos crimes das mineradoras em
conluio com o Estado, sempre pergunta: “Será que as autoridades não vão
aprender nada com os brutais crimes das mineradoras com anuência de autoridades
do Estado?” Paulo Freire alerta-nos que é ingenuidade esperar que
opressor/explorador vá libertar quem está oprimido/explorado. Melhor acreditar
em Thiago
de Mello, que diz: "As colunas da
injustiça sei que só vão desabar quando o meu povo, sabendo que existe, souber
achar dentro da vida o caminho que leva à libertação! ... Quando a verdade for
chama nos olhos da multidão, o que em nós é palavra no povo será ação!"
O
capitalismo é um sistema que marcha na contramão da emancipação humana, pois
desumaniza as pessoas através de uma engrenagem espoliadora e superexploradora
da dignidade humana. Por um lado, a trabalhadora e o trabalhador são
expropriados no seu ser, coisificados e reduzidos a mercadoria/máquina, e,
assim, impedidos de desenvolverem-se humanamente. Por outro lado, o capitalista
também se torna um opressor como Ulisses amarrado no mastro do navio, conforme
o canto XII da Odisseia de Homero:
saboreia a sedução do canto das sereias, mas, amarrado no mastro, não pode
impedir a engrenagem que o sustenta. Quanto mais o capitalista acumula
riquezas, tanto mais é impelido a acumular, gerando necessariamente miséria
crescente para a classe trabalhadora e para o campesinato.
Olhando
da perspectiva das mineradoras e do grande capital parece que está tudo
dominado, mas não está. Em todos os territórios e comunidades há resistência
que cresce na medida em que as contradições se esgarçam. Sigamos firmes, com a
sabedoria ancestral dos Povos Originários e Tradicionais e com coragem, como
peixe vivo que nada contra a correnteza ou como os girassóis que sabem que o
segredo da felicidade é seguir a luz, mesmo nos dias mais nublados. Ou como os
galos que, no escuro da madrugada, cantam anunciando a chegada de uma nova
aurora com justiça, amor e paz, na certeza de que violência somente sobrevive à custa de silêncio cúmplice.
O direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado está na Constituição, no Art. 225 que diz: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes
e futuras gerações." Feliz quem continuar remando no sentido da
preservação ambiental, da produção de alimentos saudáveis na linha da
agroecologia, da demarcação de todos os territórios dos Povos Originários
(Indígenas) e Tradicionais, da reforma agrária popular e quem se opõe
radicalmente ao PL 2159/2021, na iminência de ter aprovação concluída no
Congresso Nacional, Projeto de Lei inconstitucional que desmonta as leis de
licenciamento ambiental abrindo a porteira para a boiada do agronegócio, das
mineradoras e do Estado capitalista para acelerar a colocação no altar do
sacrifício territórios essenciais para a garantia das condições de vida dos
Povos e de toda a biodiversidade. Enfim, é com opção de classe e junto com os
Movimentos Sociais Populares na luta pelo bem comum e pelos direitos da classe
trabalhadora e de todo o campesinato forçando a superação do capitalismo,
máquina de moer vidas, que frearemos a marcha no desfiladeiro rumo ao abismo que
a barbárie da idolatria do mercado está impondo à humanidade.
28/05/2025.
Obs.: As videorreportagens nos
links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 - POR QUE É JUSTO CRIAR RDS CÓRREGOS
POÇÕES-TAMANDUÁ-PEIXE BRAVO NO NORTE DE MINAS GERAIS? RDS, JÁ!
2 - PRÉ-JORNADA DE AGROECOLOGIA, TEIA DOS POVOS
E MLB, NA OCUPAÇÃO PAULO FREIRE, BH/MG: MINERAÇÃO, NÃO!
3 - “EI MEU PEIXE BRAVO, VAMOS JUNTOS APOIAR A
RDS PRA TODOS SALVAR...” SIM À RDS, NORTE DE MG. Vídeo 16
4 - MÚSICA QUE EMBALA A RDS CÓRREGOS
POÇÕES-TAMANDUÁ-PEIXE BRAVO, NO NORTE DE MG. É O JUSTO! Vídeo 14
5 - CARLITO E CIDA, EXEMPLO DE LUTA PELA TERRA:
ACAMPAMENTO SANTA FÉ, PRESIDENTE OLEGÁRIO, MG. Vídeo 6
[1] Frei e padre da Ordem dos
carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em
Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese
Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT,
CEBI e Ocupações Urbanas; autor de livros e artigos. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– Canal no you tube: https://www.youtube.com/@freigilvander
– No instagram: @gilvanderluismoreira - Facebook:
Gilvander Moreira III
[2] Organização Internacional do
Trabalho.
[3] Organização das Nações Unidas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário