Luta
por moradia, desafio urbano também para as CEBs: subsídio para o 14ª Intereclesial
das CEBs[1].
Por frei Gilvander Luís Moreira[2]
Ai daqueles
que pisam nos pobres, que tripudiam sobre a dignidade de crianças
recém-nascidas, idosos, deficientes e indefesos, todos pobres!
Qual a participação do povo das CEBs (Comunidades
Eclesiais de Base) na luta coletiva por moradia digna que vamos narrar a
seguir?
Fruto da injustiça social, do
capitalismo, da especulação imobiliária e falta de reforma agrária, o déficit
habitacional cresce nas cidades; com ele as ocupações urbanas. Em uma Audiência
Pública na Comissão de Direitos Humanos, na Assembleia Legislativa de Minas
Gerais, uma senhora de uma Ocupação urbana, ameaçada de despejo, no microfone,
gritou: “Queremos moradia e não apenas o direito à moradia.” Esse grito nos faz
pensar. Políticas habitacionais populares estão quase somente em discursos e
vãs promessas. Direitos fundamentais, como o de morar com dignidade, vêm sendo
há muito tempo violados.
Até
o final de 2014 foram construídas em Belo Horizonte (BH) pouco mais de 1000 apartamentos
pequenos em prédios de 5 andares sem elevadores pelo Programa Minha Casa Minha
Vida (PMCMV) para famílias com renda de até 1.600,00 (Hum mil e seiscentos
reais), Faixa 1, em que pese mais de quatro anos de existência do referido
programa. Na capital mineira, no 1º dia de cadastro para o PMCMV, em 2009, 199
mil famílias se inscreveram, porém não houve uma resposta efetiva a essa
demanda. A Fundação João Pinheiro atestava um déficit habitacional de 78 mil casas, em 2010, em Belo Horizonte. Hoje,
estima-se um déficit habitacional na
capital mineira acima de 150 mil moradias. Portanto, o problema já
diagnosticado, há muito, além de não ter sido resolvido, só se agravou.
Não
há programa de construção de moradias para a população injustiçada em Belo
Horizonte diversa do PMCMV, que é muito tímido e beneficia primordialmente as
construtoras.
Isso porque as construções de unidades habitacionais pelas obras do programa
Vila Viva não se
prestam a atender o déficit habitacional de Belo Horizonte. Documento do
Ministério Público Federal informa que, de 7.957 remoções realizadas pelo
programa Vila Viva em Belo Horizonte, somente 3.950 remoções
importaram em reassentamento – sem titulação - em apartamentos construídos por esse programa. Do restante, 496 dos
removidos conseguiram adquirir a compra de casa com recursos advindos do Programa de assentamento de famílias removidas em
decorrência de execução de obras públicas (PROAS) – 40 mil reais é o
teto - e, mais de 50% dos removidos, 4.310, receberam indenização pela remoção
compulsória. A indenização é sempre injusta, pois não indeniza o valor do
imóvel, mas apenas o valor da construção da casa ou do barraco. Ou seja,
ignora-se o direito à posse. O que é considerado na indenização é somente o
valor da incorporação feita no lote, e via de regra, uma construção precária.
Ainda assim, para os que conseguem ser assentados nos novos imóveis da
Prefeitura, a notícia não é das melhores. Há Relatório da Prefeitura de Belo
Horizonte (PBH), da Polícia Militar, do Ministério Público e da Polícia civil
atestando o caos nos predinhos do Programa Vila Viva, que é, na prática, Vila
Morta.
O Governo de Minas, nos últimos 22 anos,
não construiu nenhuma moradia para as famílias de zero a três salários mínimos
em Belo Horizonte e nem na região metropolitana de BH. O povo, sem-terra e
sem-casa, não tolera mais sobreviver sob a pesadíssima cruz do aluguel, que é
veneno diário no seu prato. O povo não aguenta mais a cruz da humilhação que é
sobreviver de favor: peso nas costas de parentes, chateação cotidiana e perda
de liberdade. Muitos conservadores ainda criticam a promiscuidade com que vivem
muitas famílias. Ora, como não expor crianças às cenas íntimas ou inapropriadas
para menores, próprias de casais, se o espaço de convivência é totalmente
inadequado?
Três fatores, dentre outros, estão
movendo os oprimidos para a luta coletiva em ocupações de terrenos abandonados:
a) A necessidade, melhor dizendo, a
injustiça social e com ela o imenso déficit
habitacional que campeia. O velho capitalismo, que com o neoliberalismo,
acentuou ainda mais a concentração de riquezas em poucas mãos e esfola sem
piedade a classe trabalhadora. O empobrecimento dos/as trabalhadores/ras está
se acelerando de forma vertiginosa. Salários e condições análogas à de
escravidão é o que mais se vê no mundo do capital atualmente. Muitos jovens
hoje sequer terão a oportunidade de exercer atividade bem remunerada e estável.
Terão de se sujeitar aos call centers
ou aos trabalhos temporários nos grandes empreendimentos;
b) A efervescência, a resistência e o trabalho
comprometido dos movimentos sociais que lutam por moradia em Minas Gerais e no
Brasil, cada vez mais atuando de modo organizado e em sintonia e as jornadas
das manifestações populares de junho de 2013 inocularam um bom colírio nos
olhos de muita gente que está acordando para a necessidade e justeza das lutas
coletivas. O descrédito na política e a precariedade na prestação dos serviços
públicos legitimaram diversos gritos nas ruas;
c) O exemplo positivo, em Belo
Horizonte, da Ocupação-comunidade Dandara – e de outras ocupações exitosas.
Muita gente oprimida está dizendo assim: “Se o povo da Dandara está conquistando 1.500 casas e vários outros
direitos, nós também podemos conquistar. Por isso vamos para a luta coletiva.”
Dois casos
paradigmáticos em Belo Horizonte.
Em Belo Horizonte, temos dois exemplos
que devem ensinar muito a todas as autoridades que levam a sério o grave
problema social da moradia. O primeiro foi em 2010, quando a tropa de choque da
Polícia Militar de MG acompanhou guardas municipais, fiscais e gerentes da
prefeitura de BH, que sem a necessária prévia autorização judicial, demoliram
11 casas de alvenaria na Ocupação Zilah Spósito/Helena Greco. Jogaram gás de
pimenta no povo, inclusive em uma criança de quatro anos e em idosas. Fizeram
um terror. Mas, as Brigadas Populares, a CPT, o MLB, a atuação dos advogados
populares e rede de apoio chegaram rapidamente e, sob a liderança da Defensoria
Pública de Minas Gerais, especializada em direitos humanos, conquistaram uma
liminar judicial que impediu a demolição das vinte casas que resistiam em pé.
Moral da história: após cinco anos, tem hoje a Ocupação 200 casas de alvenaria
construídas. São pelo menos mais 200 famílias libertadas da cruz do aluguel ou
da sobrevivência de favor. Conquistou-se ainda, como consequência da ação
atabalhoada, a saída de um secretário da prefeitura de BH, da Regional Norte,
que comandou a operação. O Ministério Público da área de Direitos Humanos
denunciou também 11 soldados que estão respondendo processos. E o povo está lá,
firme na luta.
O segundo exemplo que trazemos ocorreu
na região do Barreiro, nos dias 11 e 12 de maio de 2012. Foi um verdadeiro
aparato de guerra que contou com 400 policiais, cavalaria, helicóptero da PM e
o caveirão. Uma ação militar que durou 36 horas, despejou 350 famílias da
Ocupação Eliana Silva, organizada pelo MLB – Movimento de Luta nos Bairros,
Vilas e Favelas – com apoio da CPT. Aterrorizaram as crianças que, abraçadas às
mães, gritavam: “Mãe, a polícia vai nos
matar.” Traumas que ficarão para sempre nessas mentes. Mas três meses
depois, a Ocupação Eliana Silva “ressuscitou” ocupando outro terreno a um
quilômetro de distância e hoje, após três anos, já tem 350 casas de alvenaria
construídas, a COPASA já ligou o sistema de água e esgoto, com a rede de apoio
construíram uma creche para as crianças e a Comunidade segue, de cabeça
erguida, sob a guia responsável e determinada do MLB.
É um erro grave pensar que polícia irá
resolver problemas sociais. Polícia é para resolver crimes. As lutas coletivas
do povo pobre - que se expressa nas ocupações - são lutas por direitos
constitucionais e como tais devem ser respeitadas. Os policiais devem ter sempre
em mente que são também trabalhadores. Não estão obrigados a cumprir ordens
contrárias à lei maior do país que é a Constituição e contra a lei de Deus, que
diz: Não matarás! Condenar pessoas pobres, portanto vulneráveis, a tamanha
violência, que é a retirada de suas casas, é o mesmo que condenar à morte, fere
a ética, fere a dignidade de toda a humanidade, fere de morte o próprio Estado
de Direito.
Luta pela moradia digna, própria e
adequada, eis “o outro caminho a seguir”.
O Evangelho de Mateus (Mt 2,12) no diz que os magos após
encontrarem Jesus de Nazaré sem-terra e sem-casa, “voltaram por outro caminho.”
Conhecedores da defesa que fazemos da justeza das lutas dessas famílias sem
teto, muitas pessoas têm nos perguntado: “Como
vocês analisam a situação da moradia no Brasil? Vocês acham que esta questão
tem sido tratada com prioridade pelos governos?” Respondemos: Os
governos têm sido mais do que omissos. Têm sido cúmplices da bárbara injustiça
que é perpetrada sobre os milhões de famílias empobrecidas nas cidades
brasileiras. Não bastasse o histórico êxodo rural ocorrido durante o período do
desenvolvimentismo, pós Segunda Grande Guerra, as grandes cidades, a partir da
década de 1990, passaram a ser tratadas como empresas. Por isso competem entre
si para ver qual delas atrai mais empreendimentos do capital. A especulação
imobiliária assola as cidades. Muitas áreas ocupadas pelos pobres, há décadas,
e foi o que lhes sobrou em face dos constantes privilégios no parcelamento do
solo, agora passam a ser consideradas áreas de risco. Ora, mas por que são
áreas de risco, se tão logo desocupadas, tornam-se áreas de rico? O que mais
ameaça os pobres não são os riscos geológicos, mas a especulação imobiliária e
os riscos sociais. É um crime que clama aos céus o imenso déficit habitacional. Há cerca de sete milhões de famílias sem-casa
no Brasil, enquanto há cerca de sete milhões de imóveis ociosos e vazios em
áreas já urbanizadas, com estrutura de habitação e transporte.
As cenas de milhares de emigrantes fugindo das guerras e
buscando países da Europa e inclusive muitos chegando ao Brasil tem chocado a
humanidade e despertado solidariedade. Nas Ocupações de Belo Horizonte
encontramos imigrantes como haitianos que moram na Ocupação Dandara e Rosa Leão,
dentre outros. Precisamos acordar e nos sensibilizar também para a migração
interna, dentro do Brasil, de milhares de pessoas que buscam as ocupações,
vítimas do mercado imobiliário, do preço do aluguel, do desemprego ou de um
salário mínimo que não dá para sobreviver. Esses cenários não são mostrados
pela imprensa e quando mostra é criminalizando. Nos últimos 10 anos, foram para
ocupações urbanas em Minas Gerais mais de 60.000 famílias (acima de 240.000
pessoas). Em BH, 25.000 famílias; em Uberlândia, 17.000 famílias, na região
metropolitana mais de 10.000 famílias. Isso porque continua crescendo a expulsão
de camponeses do campo e das cidades pequenas e a especulação imobiliária junto
com a falta de política pública de construção de moradia com participação
popular.
Em Belo Horizonte e RMBH, sob a
liderança de movimentos sociais populares – como as Brigadas Populares e o MLB -,
com o apoio da Comissão Pastoral da Terra e de uma Ampla Rede de Apoio, do
Coletivo Margarida Alves de Advogados(as) populares e da Associação dos
Arquitetos Sem Fronteira, o povo de 24 Ocupações urbanas de Belo Horizonte e
RMBH construiu nos últimos 10 anos mais de 15.000 casas de alvenaria. A
ocupação-comunidade Camilo Torres já
construiu 148 casas; Dandara, 1.500
casas; Irmã Dorothy, 190 casas; Zilah Sposito-Helena Greco, 230 casas; Novo Lagedo, cerca de 3.500 casas; Rosa Leão, 1.500 casas; Esperança, 1.700 casas; Vitória, 3.000 casas; Paulo Freire, 60 casas; São Lucas, no Novo São Lucas, 100
casas; Tomás Balduíno, de Betim, 120
casas; Shekináh, 200 casas; Dom Tomás Balduíno, de Ribeirão das
Neves, 500 casas; Novo Horizonte, em
Ribeirão das Neves, 40 casas; e Guarani
Kaiowa, em Contagem, 150 casas, em contar o construído nas outras 14 ocupações. Por outro lado, a prefeitura de BH nos
últimos 10 anos já demoliu mais de 15.000 casas. Mais destrói casas do que
constrói. A prefeitura de BH está priorizando construir “casas” para os
automóveis, alargando avenidas e construindo estacionamentos e, para isso,
destrói milhares de casas de famílias.
E mais: não tem sido só a construção de
casas, mas a construção de pessoas, de valores que se contrapõem aos valores da
sociedade capitalista, como a colaboração, a solidariedade, o reaproveitamento,
o trabalho coletivo e em mutirão, a produção de alimentos sem agrotóxicos, a
troca, a amizade, o cuidado e a espiritualidade encarnada na vida. Isso revela
pedagogias emancipatórias sendo colocadas em prática na luta pela terra e pela
moradia na cidade.
É luta por direitos humanos para sair da
cruel cruz do aluguel e do sobreviver de favor. Essas conquistas se tornam
possíveis graças à conjugação de muitas forças vivas da sociedade, tais como:
a) A construção de movimentos sociais populares idôneos e realmente
comprometidos com a luta dos injustiçados; b) Organização dos pobres; c)
Constituição de uma Rede de Apoio externo que aglutina as melhores forças vivas
da sociedade; d) Busca incessante de conhecimento crítico e criativo; e)
Clareza sobre o projeto de cidade e de campo que queremos; f) Cultivo de místicas
libertadoras; g) Solidariedade mútua; h) Trabalho coletivo.
“Uma pessoa sem casa é como um pássaro sem ninho: voa, voa, mas não tem
onde se assentar”, disse-me uma mãe, com lágrimas nos olhos, na ex-favela
Massari, em São Paulo, SP. Isso é inconcebível até mesmo da perspectiva dos
interesses capitalistas, pois os trabalhadores precisam recuperar diariamente a
sua força de trabalho e, como fazer isso sem um lugar descente para descansar?
Injusto também é Minha Casa Minha Vida, que favorece mais as construtoras do
que as famílias. Deveria este programa ser viabilizado por meio de entidades
idôneas que trabalham com os sem-casa e não somente como monopólio de
construtoras. Isso é possível. Basta conhecer as experiências concretas. As 20
famílias do Assentamento Pastorinhas, do MST, em Brumadinho, MG, por exemplo,
receberam R$9.700,00 para construir suas casas na agrovila do assentamento.
Reuniram mais uns R$5.000,00 e fizeram 20 casas grandes, bonitas e espaçosas,
conseguindo em parte se livrar dos absurdos projetos impostos pelo INCRA. Isso
demonstra que através de autoconstrução ou em mutirão se pode construir muito
mais casas com pouco dinheiro. No Minha Casa Minha Vida, quem mais ganha com a
construção das casas, via construtoras, são as empresas capitalistas que fazem
obras de péssima qualidade com projetos baseados em uma visão estereotipada da
pobreza. As construtoras são tão arrogantes que têm um único padrão de casa
para os pobres como se todos tivessem a mesma necessidade.
“Qual a saída para as famílias
que não têm onde morar?”, perguntam muitos Sem-teto. Respondemos: Mágica
não existe. Não há saída fácil. Não dá para dar um jeitinho. O caminho correto
a ser trilhado é se unir, se organizar e partir para a luta coletiva. Dizem que
“se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come”, mas, se unir, se organizar e
partir para a luta coletiva, o bicho some.
Assim é possível expulsar os que oprimem os pobres.
Ademais, não nascemos para viver em-pregado, pregado, ganhando
somente salário mínimo, que é só o sal, para renovar as energias e continuar
sendo sugado pelos capitalistas e pelo diabo mercado. Não! Nascemos para ser
livres e emancipados! Ser livre é difícil, mas é necessário e possível! Jamais
os opressores podem libertar os oprimidos. Somente os oprimidos, em comunhão,
conforme ensinou Marx e Paulo Freire, se libertam. Temos que fortalecer o
sentimento de pertencimento à classe trabalhadora que é oprimida pela classe
dominante.
Outros questionam: “Temos
assistido a um aumento da repressão aos movimentos de moradia e às ocupações
urbanas. Por que isso?” Temos que entender como a classe dominante se
relaciona com os pobres: adora os pobres enquanto esses estão ajoelhados, de
mãos estendidas, se contentando com migalhas, e, no mundo do trabalho, oferecendo
seu suor e sangue para construir tudo o que existe e faz funcionar a cidade.
Mas quando os pobres se unem, se organizam, metem o pé no barranco e se rebelam
como fez o povo da Bíblia escravizado pelo imperialismo dos faraós no Egito,
como fez Jesus de Nazaré ao pegar um chicote e expulsar os vendilhões do
templo, como fez Zumbi dos Palmares, Dandara, Gandhy, Luther King, Che Guevara
e tantos outros, os poderosos tremem de medo de o seu edifício da opressão se
desmanchar como um castelo de areia.
Por tudo isso existe a campanha permanente de difamação,
criminalização e satanização dos pobres e de quem luta ao lado deles. A classe
dominante sabe que precisa criar uma cortina de fumaça que impeça os pobres de
identificar seus reais algozes. Os poderosos sabem muito bem que quando os
pobres se descobrirem como classe social oprimida e identificarem quem, de
fato, são seus opressores, nesse dia, adeus opressão. As correntes invisíveis
da opressão são rompidas. As vítimas golpeadas pelo capital não serão mais
vistas como pessoas violentas. Quando um rico rouba um pobre dizem que é
negócio, aliás, não é isso o que fazem os grandes operadores de crédito? Quando
o pobre, de forma coletiva, luta para resgatar o que lhe foi roubado, o acusam
de violento.
Há uma beleza exuberante no movimento popular e nas forças
vivas da sociedade que conspiram na construção de uma sociedade justa e
solidária. Sociedade em que caibam todos, com a riqueza da diversidade que
ensina a conviver. Não podemos nos
omitir diante de tantas injustiças. A pessoa morre quando se cala diante de
assuntos cruciais. Não incomoda ao sistema quem fica só consolando, fazendo
assistência social, filantropia, promoção humana. Quem luta por justiça
incomoda os poderosos e, por isso, estes partem para as ameaças. A História nos
ensina: só faz história libertadora quem anda na contramão atrapalhando o
sábado. Assim aconteceu com Jesus de Nazaré, Gandhy, Luther King, Che Guevara,
Zumbi, Dandara, as mães da Praça de Maio, em Buenos Aires etc. Mas, certamente,
todos esses foram e serão incompreendidos e perseguidos, pois são eles que
constroem a verdadeira história. O que nos alenta é o fato de sermos milhões
conspirando a construção de uma sociedade socialista, justa e sustentável
ecologicamente. O sistema capitalista, que transforma tudo em mercadoria, deu,
há muito, os sinais de insustentabilidade. É um sistema que só se sustenta na
violência. E violência conduz à morte.
Algumas lideranças nos pedem um conselho: “Que recado vocês dão para as famílias Sem-teto
que estão na luta para conquistar o direito humano de morar dignamente?”
Aconselhamos: Não
desanimem nunca da luta coletiva! Só perde quem não entra na luta coletiva ou
quem desiste da luta! Cultivemos a amizade, o companheirismo, nos apoiemos
mutuamente. Um fraco + um fraco + dois fracos = quatro fortes. Isso nos ensina
o MST, a CPT e a Via Campesina. Se ficarmos isolados, pensando só no nosso
umbigo, só na nossa família, morreremos aos poucos, mas se nos juntarmos,
construiremos uma nova aurora, com justiça e paz, com reformas urbana e
agrária, com sustentabilidade ecológica, com direitos humanos.
A
Luta de famílias sem teto ganha novo impulso em Belo Horizonte.
Após as grandes
manifestações populares de junho e julho de 2013, quando milhões de trabalhadores
foram às ruas, clareou para os que andavam meio desanimados ou conformados que
o caminho a ser seguido é o das mobilizações, das manifestações coletivas. As
frases “Quem luta conquista” e “Quem luta educa” passaram a ter mais força em
nosso país. Essa realidade influenciou, nos últimos meses, milhares de famílias
de baixa renda da RMBH, que resolveram não ficar esperando pelos frágeis e
quase inexistentes “programas habitacionais” de prefeituras e governos. Foram à
luta pelo direito humano de morar dignamente.
No final do mês de
julho, famílias de sete comunidades: Eliana Silva, Camilo Torres, Irmã Dorothy,
Zilah Sposito/Helena Greco, Cafezal, Dandara e Rosa Leão, organizadas pelo MLB,
CPT e Brigadas Populares, realizaram uma histórica ocupação da prefeitura de BH
reivindicando a regularização de suas comunidades, ligação de água, energia
elétrica, esgoto, título de posse etc. Uma comissão de representantes das
famílias foi pela primeira vez recebida pelo prefeito Márcio Lacerda, que
pressionado, foi obrigado a se comprometer com as bandeiras de luta colocadas
pelos movimentos que acompanham as ocupações. A repercussão da ocupação foi
nacional e no Estado de Minas acabou sendo outro fator impulsionador para dar
mais coragem às milhares de outras famílias Sem-teto que também estão se
mobilizando.
Milhares de
famílias vêm se mobilizando em outras cidades e estados. Em São Paulo, por exemplo,
está muito forte o MLST (Movimento de Luta dos Sem Teto). Notícias de ocupações
“espontâneas” nos chegam quase todos os dias.
Nas lutas
coletivas por moradia digna, narradas acima, há participação direta de alguns
freis, algumas freiras, alguns padres, alguns seminaristas, alguns militantes
de Comunidades Eclesiais de Base, vários pastores e temos o apoio de bispos, mas
a luta por moradia não está sendo liderada pelas CEBs e, sim, pelos movimentos
sociais populares. No tocante ao desafio urbano “luta por moradia digna” as
CEBs podem e devem contribuir mais. Enfim, nas ocupações urbanas, via de regra,
se coloca em prática o espírito das CEBs, mas sem o rótulo CEBs. A
espiritualidade que se vive e experimenta nas ocupações é um jeito de ser
Igreja que tem tudo haver com o jeito profético de Jesus de Nazaré. Quem lá
pisar sentirá e verá.
Belo Horizonte,
MG, 06 de novembro de 2015.
Frei Gilvander Luís
Moreira – gilvanderlm@gmail.com – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.gilvander.org.br
[1] Uma síntese desse
texto está publicado no livro CEBs e os
desafios no mundo urbano. TEXTO BASE do 14º Intereclesial das CEBs, 2016,
p. 109-113.
[2] Padre da ordem dos
Carmelitas, licenciado e bacharel em Filosofia e Teologia, mestre em Exegese Bíblica
e doutorando em Educação pela FAE/UFMG, assessor da CPT, de CEBs, do CEBI, do
SAB. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.gilvander.org.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário