domingo, 8 de janeiro de 2017

Papa Francisco, CEBs, Pastorais Sociais e Movimentos Populares: Jornal PROSA BOA, da Cáritas da Diocese de Paracatu, MG, entrevista frei Gilvander Moreira

Jornal PROSA BOA, da Cáritas da Diocese de Paracatu, MG, entrevista frei Gilvander Moreira

 Frei Gilvander Moreira convoca católicos – e todas as pessoas religiosas ou não, pessoas de boa vontade - a atender o chamado do Papa Francisco.


O papa Francisco está sendo bom pastor e profeta, pois ele está consolando os aflitos e incomodando os acomodados. Não podemos tardar mais em levar a sério o testemunho e os ensinamentos do papa Francisco na Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho, no seu Discurso aos Movimentos Sociais na Bolívia e na Carta Encíclica Laudato Si’, sobre o cuidado da casa comum. O papa Francisco tem condenado o capitalismo como um sistema satânico e tirânico. “Esse sistema é insuportável”, afirma Frei Gilvander em entrevista exclusiva ao Jornal Prosa Boa, em setembro de 2016.

1)    Jornal Prosa Boa: O Vaticano tem recebido movimentos sociais do mundo todo, inclusive o MST e a Via Campesina. O que tem significado o pontificado de Francisco para os movimentos sociais e para as Comunidades Eclesiais de Base?
Frei Gilvander: “O papa Francisco está sendo bom pastor e profeta, pois ele está consolando os aflitos e incomodando os acomodados. Não podemos tardar mais em levar a sério o testemunho e os ensinamentos do papa Francisco na Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho, no seu Discurso aos Movimentos Sociais na Bolívia e na Carta Encíclica Laudato Si’, sobre o cuidado da casa comum. O papa Francisco tem condenado o capitalismo como um sistema satânico e tirânico. “Esse sistema é insuportável”, bradou o papa Francisco. Esse brado virou o lema do Grito dos Excluídos de 2016. Além de ser pobre e para os pobres, a Igreja desejada pelo papa Francisco é corajosa em denunciar o atual sistema econômico, "injusto na sua raiz" (EG 59). Como disse João Paulo II, a Igreja "não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça" (EG 183). "Saiam!" é a essência da mensagem que o papa Francisco envia aos bispos, padres e membros das comunidades cristãs. Saiam das suas cômodas estruturas eclesiais burguesas e do caloroso círculo dos convencidos, anunciem o Evangelho às periferias das cidades, aos marginalizados pela sociedade, aos pobres, aos injustiçados!”

2)    Jornal Prosa Boa: Uma Igreja que vá até as periferias geográficas e espirituais. É isso que o papa Francisco tem proposto. Os católicos conseguirão entender o significado da “Igreja em saída” defendida pelo Papa?
Frei Gilvander: “Não basta entender, é preciso ir visitar e conviver com os injustiçados/as, ouvir seus clamores e, a partir da Bíblia e da nossa fé libertadora, organizar os oprimidos para protagonizarem lutas coletivas na defesa dos seus direitos sociais. O papa Francisco nos alerta: “se a dimensão social da evangelização não for devidamente explicitada, corre-se o risco de desfigurar o sentido autêntico e integral da missão evangelizadora” (EG 176). O papa Francisco alerta também: “prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos.” (EG 49). Quem se omitir na missão para a qual o papa Francisco nos convida será cúmplice do sistema do capital, que é uma máquina de moer vidas.”
3)    Jornal Prosa Boa: As críticas ao capitalismo têm incomodado setores conservadores da Igreja, que já começam a se inquietar com as posições progressistas do Papa Francisco. Você acha que o Papa conseguirá avançar nas reformas que a Igreja necessita?
Frei Gilvander: “O ensinamento de Jesus Cristo e seu testemunho libertador consolaram os aflitos e incomodaram parte dos fariseus, todos os saduceus (os grandes senhores de terra da época), o sinédrio e o império romano. Esses condenaram Jesus à pena de morte. Óbvio que quem estiver sendo cúmplice das opressões do capital nunca irá gostar do papa Francisco, mas como Jesus fez história, o papa Francisco também está fazendo história. Feliz quem colocar em prática o que propõe o papa Francisco, um legítimo discípulo de Jesus Cristo. O papa Francisco critica o "fetichismo do dinheiro" e "a ditadura de uma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano", versão nova e implacável da "adoração do antigo bezerro de ouro". O papa Francisco critica o atual sistema econômico: "esta economia que mata", porque prevalece a "lei do mais forte". Este se opõe à cultura do "ser humano descartável" que criou "algo novo" e dramático: "Os excluídos não são 'explorados', mas resíduos, 'sobras'" (EG 53). Enquanto não se resolverem de forma justa os problemas dos pobres, renunciando "à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estruturais da desigualdade social – insiste o papa Francisco –, não se resolverão os problemas do mundo e, em definitivo, problema algum". O papa Francisco indica que as raízes dos males sociais estão na "desigualdade social”.”
4)    Jornal Prosa Boa: Você milita também no movimento de moradia e está sempre presente nas periferias. O que vai significar, para os pobres, o golpe que derrubou a presidenta Dilma?
Frei Gilvander: “O papa Francisco disse que “o povo brasileiro passa por um momento triste”, porque ele sabe que os golpistas, após perderem quatro eleições, insistem em cortar todos os direitos sociais conquistados pelo povo nos últimos 30 anos e colocar o Brasil de joelho frente aos interesses das grandes empresas transnacionais e do capital financeiro. Não podemos admitir esse imenso retrocesso. O Impeachment da Presidenta Dilma foi golpe, não militar, mas político, jurídico, midiático e do capital, porque Dilma não cometeu crime de responsabilidade. Com o golpe, Dilma perdeu o exercício do seu mandato, mas o povo brasileiro, se não ir para as ruas em lutas massivas, perderá todos os direitos sociais conquistados com muita luta nas últimas décadas. Leonardo Boff alertou há uns cinco meses atrás: "Se os pobres desse país soubessem o que estão preparando para eles, não haveria ruas que coubessem tanta gente para protestar contra o impeachment". Mas a mídia deixou muita gente grogue e anestesiada. Oxalá o povo acorde antes que a faca – dos cortes sociais - está na garganta! Agora, eu alerto: se toda a classe trabalhadora e toda a classe camponesa não forem para as ruas, em lutas coletivas massivas e bem organizadas, perderão todos seus direitos trabalhistas, previdenciários, ambientais, pois os golpistas estão rasgando a Constituição para congelar investimentos públicos nas áreas sociais por 20 anos, o que é um absurdo. Estão tramando para vender terras a estrangeiros, entregar o pré-sal para as transnacionais dos Estados Unidos, amputar o braço social do Estado e robustecer o braço repressor do Estado. E privatizar tudo: portos, aeroportos, terras, águas, SUS etc. Será o retorno da miséria, do aumento da violência social e da precarização das relações de trabalho, sem falar no imenso retrocesso nas reformas agrária e urbana. Os golpistas são poderosos, mas têm pés de barro. Continuemos animando lutas coletivas em todos os cantos e recantos.”
5)    Jornal Prosa Boa: O Papa Francisco lançou uma encíclica com duras críticas ao modelo de desenvolvimento que domina o mundo. Em alguns trechos o Papa se aproxima de posições defendidas por teólogos progressistas como Leonardo Boff, de quem solicitou e leu alguns livros. Ele também recebeu no Vaticano um dos fundadores da Teologia da Libertação, padre Gustavo Gutierrez. Francisco pode marcar um novo fortalecimento da Teologia da Libertação?
Frei Gilvander: “Sim. O papa Francisco está sendo, pelo seu ensinamento e pela sua prática, um expoente da Teologia da Libertação, das Comunidades Eclesiais de Base, das Pastorais Sociais e dos Movimentos Sociais Populares. A Igreja não deve ficar indiferente a tais injustiças. Diz o papa Francisco: “a economia não pode mais recorrer a remédios que são um novo veneno, como quando se pretende aumentar a rentabilidade reduzindo o mercado de trabalho e criando assim novos excluídos” (EG 204). O papa Francisco dedica páginas à denúncia da "nova tirania invisível, às vezes virtual" em que vivemos, um "mercado divinizado", onde reinam a "especulação financeira", a "corrupção ramificada", a "evasão fiscal egoísta" (Laudato Sí, n. 56).”
6.   Jornal Prosa Boa: Como você vê o papel da Cáritas, dos movimentos sociais e das Comunidades Eclesiais de Base no período pós-golpe?
Frei Gilvander: “Terminou o golpe contra a presidenta Dilma e está em marcha golpes contra os direitos sociais do povo brasileiro, mas as reações contra os golpes crescerão. Precisamos com urgência resgatar os círculos bíblicos, o trabalho de base, os encontros de formação, fazer opção de classe optando pelos injustiçados e conclamar todas as pessoas das igrejas e da sociedade a dar as mãos para a construção de uma sociedade justa, solidária e sustentável ecologicamente. Temos que por em prática as três eloquentes metáforas do evangelho: ser luz que incomoda as trevas, sal que salga/incomoda a comida e fermento que incomoda a massa, mas a faz crescer em tamanho e em qualidade. Não podemos mais acreditar que democracia representativa, eleições e via institucional será o caminho de libertação. Com o golpe de 31 de agosto de 2016 – dia 31, não de março de 1964, mas de agosto de 2016 - foi assassinada a democracia representativa. Para reerguer essa devemos dedicar apenas 5% das nossas energias e do nosso tempo. A hora exige 95% das nossas energias e do nosso tempo na luta por Política com P maiúsculo, que é a construção de democracia real, que passa necessariamente pela construção do Poder Popular e pela organização e lutas coletivas em todo o tecido social. Sem pressão de baixo para cima e de dentro para fora, a classe política asquerosa e criminosa continuará humilhando o povo. Não há mais espaço para política de conciliação de classe. A luta de classes está mais viva do que nunca. O nosso lado deve ser o dos oprimidos.”
7.   Jornal Prosa Boa: A crise política demarcou a falência do presidencialismo de coalizão e do modelo político e eleitoral. Ao mesmo tempo, levou ao poder o que tem de mais reacionário e corrupto na política brasileira, sinalizando tempos de trevas e retrocessos. Ainda é possível desatar esse nó e avançar na reforma política? 
Frei Gilvander: “Uma reforma política popular feita por uma Assembleia Constituinte só acontecerá junto com reforma agrária e urbana. Isso tudo exige organização e lutas populares massivas. Esperar que um Congresso Nacional podre e aconchavado com o sistema do capital como o que temos fará uma boa reforma política é o mesmo que acreditar que raposa cuida bem de galinheiro.”
8.   Jornal Prosa Boa: Você como conhecedor do Noroeste de Minas, quais seriam as pautas que poderiam unificar a luta dos movimentos sociais, na região? Existem sinais de esperança em nossa região, existem motivos para as lideranças populares continuarem a lutar?
Frei Gilvander: “Sim. No Noroeste de Minas há uma infinidade de lutas históricas e de resistências que precisam ser resgatadas e fomentar um salto de qualidade nas lutas sociais do nosso querido Noroeste de Minas. Como pautas unificadoras sugiro o resgate das Comunidades Eclesiais de Base, do trabalho de base, formação de lideranças, articular o que há de melhor em todos os assentamentos e comunidades do campo e das periferias das cidades. Encontros para troca de experiências entre os veteranos de tantas lutas e a juventude. Realizarmos no Noroeste de Minas a 20ª Romaria das águas e da terra do estado de Minas Gerais em meados de 2017 (sugiro). Propor caminhada ecumênica entre pessoas de várias igrejas. Organizar lutas que desmascarem o agronegócio na região, pois ao produzir feijão, soja, milho e etc., com exagero de agrotóxico, está envenenando a comida do povo do Brasil e alastrando epidemia de câncer, alzaimer e outras doenças. E, por outro lado, exercitar produção na linha da agroecologia no campo e na cidade. Ah! Combater a privatização da fé, a volatilização da fé e as propostas religiosas (neo)pentecostais que, na prática, amputam a dimensão social e transformadora da fé cristã. São muitas pautas que devem ser abraçadas coletivamente.”

P.S.: Frei Gilvander é padre da Ordem dos Carmelitas, bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia, mestre em Exegese Bíblica, doutorando em Educação na FAE/UFMG, assessor de CEBs, CPT, CEBI, SAB e Movimentos Sociais urbanos; 
– No facebook: Gilvander Moreira III

Belo Horizonte, MG, 05 de setembro de 2016.



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