Frei
Cláudio van Balen, mestre e amigo.
Gilvander Luís Moreira[1]
Pelo
frei Cláudio van Balen nutro uma eterna gratidão e o considero um dos meus
mestres. Tive a alegria e a responsabilidade de morar na mesma comunidade junto
com frei Cláudio e ao lado dele trabalhar na pastoral da Igreja do Carmo, de
Belo Horizonte, MG, durante dez anos, de junho de 2000 a junho de 2010.
Durante
o meu mestrado em exegese Bíblica em Roma, Itália, fui muito apoiado, através
de cartas e etc, por muita gente do CEBI[2],
da CPT[3],
das CEBs[4]
e do MST[5]
de Minas Gerais, pois antes de ir para Roma eu tinha trabalhado na assessoria
do CEBI, CPT, CEBs e MST de Minas. Por isso eu sentia-me com a missão de
continuar a missão em Minas. Perguntei ao frei Cláudio se eu poderia fazer
parte da Comunidade do Carmo, após voltar de Roma. Ele, prontamente, disse que
sim. Fui vigário na Igreja do Carmo por 7,5 anos, auxiliando frei Cláudio na
condução de uma evangelização emancipatória na comunidade do Carmo, ao mesmo
tempo em que assessorava as CEBs, CPT, CEBI e o MST em Minas Gerais. Isso
implicava que eu tinha que viajar muito e ficar boa parte do meu tempo fora da
Igreja do Carmo. Frei Cláudio sempre se mostrou compreensivo diante de minhas
“ausências”. Aliás, sempre me apoiou e sempre me incentivou a continuar
apoiando a luta dos pobres que buscam seus direitos de forma organizada.
Inclusive me disse algumas vezes: “Se eu tivesse a sua idade – 30 anos mais
jovem -, eu estaria como você colocando fogo no mundo”.
Frei
Cláudio tem uma história de compromisso com a luta pelos direitos humanos
durante a ditadura militar-civil-empresarial, pois, junto com outros frades,
colocou a Igreja do Carmo como uma trincheira que oxigenava a luta contra a
ditadura. Por isso teve que responder Inquérito militar. Com essa história,
frei Cláudio sempre compreendeu minha luta ao lado dos movimentos sociais
populares, pois sabe que hoje uma ditadura econômica paira sobre a maioria do
povo.
Com
frei Cláudio, os momentos de almoço, de reuniões, de palestras, de correção de
textos e conversas informais eram sempre momentos de formação teológica na
linha libertadora. Eu sempre pedia ao frei Cláudio e ao saudoso Eliseu Lopes –
grande biblista do CEBI – para corrigirem os meus textos. Com alegria eu
acatava quase todas as sugestões de melhorias nos meus textos. E frei Cláudio
humildemente sempre pedia que eu corrigisse os seus textos e aceitava quando eu
sugeria mudar algumas palavrinhas, em uma troca mútua de conhecimentos e
experiências.
Durante
10 anos eu celebrei a missa na Comunidade da Vila Acaba Mundo, comunidade da
Igreja do Carmo, aos domingos, às 09:00h da manhã. Eu voltava e fazia questão
de chegar a tempo de assistir a homilia do frei Cláudio na missa das 11:00h.
Quanto aprendizado! Frei Cláudio, assim como o profeta Oséias, nos estimula
sempre a fazermos autocrítica e não nos acomodar no jeito de pensar e agir
tradicionalmente Frei Cláudio é um exímio crítico do poder religioso. Hoje, na
sociedade capitalista – individualista, consumista e mercantilizadora de tudo –
para as igrejas e pessoas religiosas criticarem os podres da política e da
economia é menos difícil, mas criticar o poder religioso e os funcionários do
templo é muito complicado, é mexer em um vespeiro. Mas frei Cláudio,
destemidamente, ajuda-nos a desmascarar as opressões veladas, sutis e, muitas
vezes, disfarçadas de propostas religiosas que aparentemente se dizem
humanizadoras, mas são na prática moralistas, doutrinadoras, proselitistas e
domesticadoras, infantilizando pessoas. Por isso vejo muitas semelhanças entre
frei Cláudio e Oséias, o profeta das
relações de amor e da anti-idolatria religiosa. Em ambos vejo uma
profecia que vai do miúdo da vida para o macro, do cotidiano para as questões
globais, mas revelando a interdependência e o entrelaçamento das várias
dimensões da vida humana e social. O profeta Oséias e frei Cláudio denunciam o
poder opressor localizado nas grandes instituições, mas também desvenda a
microfísica do poder: todas as relações interpessoais (sociais, etc) são
permeadas de relações de poder. O poder não está localizado somente nas grandes
instituições, mas está presente nas micro-relações. Estão permeadas de poder as
relações homem-mulher, adulto-criança, professora-estudante,
governante-governados, branco-negro, sadio-doente...
Com
frei Cláudio aprendi muitas perspectivas teológicas que inspiram minha atuação
ao lado dos pobres na luta pelos seus sagrados direitos. Aprendi, por exemplo,
que nenhum dualismo é cristão e evangélico. O divino está no humano. A luz e a
força divina permeiam e perpassam todos e tudo. O profano é o que existe de
mais sagrado. Muitas orações transferem para Deus responsabilidades que são
nossas. Que a eucaristia não é prêmio para os puros, mas é alimento espiritual
para todos e que ninguém tem o direito de excluir ninguém da eucaristia. A primeira eucaristia foi um
jantar e certamente Jesus de Nazaré não excluiu nenhum dos que estavam na
caminhada. Jesus veio para todos a partir dos pecadores e dos doentes. Logo,
todos devem se sentir convidados de honra para participar da mesa da
eucaristia. É terrorismo religioso excluir alguém da eucaristia por questões
morais, por ser divorciado/a, desquitado/a, homossexual etc.
Mas,
após 7,5 anos sendo auxiliar do frei Cláudio, a pedido dele por se sentir
cansado, com menos força física e também para que ele tivesse mais liberdade
para “fazer o que mais gosta”: escrever de forma teológica para contribuir no
processo de humanização das pessoas, eu aceitei assumir a coordenação da Igreja
do Carmo, tornei-me pároco, o que fiz durante 2,5 anos. Diminuí muito minhas
viagens e me dediquei à coordenação do trabalho pastoral da Igreja do Carmo.
Aprendi muito, sofri muito e, sem querer, fui ocasião de sofrimento para muitas
pessoas e motivo de alegria para outras. Experimentei o desafio que é aliar
lutas por solidariedade, por promoção humana, com lutas por justiça. Alguns
amigos/as de frei Cláudio não compreenderam a nossa opção de tentar unir as
perspectivas do profeta Oséias, o que frei Cláudio faz com muita destreza e
sabedoria, com a perspectiva do profeta Amós: luta por justiça social, o que eu
tento fazer caminhando ao lado dos pobres que lutam de forma organizada por
terra, moradia digna, direitos sociais etc. Assim, saí da Igreja do Carmo, mas
sendo sempre grato ao frei Cláudio e o reconhecendo como um dos meus mestres, bem
como, diga-se de passagem, também sou grato a muitas pessoas da Comunidade da Igreja
do Carmo.
Frei
Cláudio, que beleza você celebrando 80 anos de vida e de muitas lutas! Obrigado
por tudo o que você me ensinou e tem ensinado a tanta gente.
Belo
Horizonte, MG, 09 de setembro de 2013.
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela
UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo
Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutorando em Educação pela
FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; conselheiro do Conselho
Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais – CONEDH; e-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.twitter.com/gilvanderluis -
Facebook: Gilvander Moreira
Esse texto está publicado
no Livro ARTESÃO DE FÉ: Frei Cláudio Van Balen, Org. Mauro Passos e Cláudio Bueno
Guerra, Belo Horizonte: 3i editora, 2013, pp. 180-184.
[3]
Comissão Pastoral da Terra – Cf. www.cptnacional.org.br
[4]
Comunidades Eclesiais de Base – Cf. www.cebsuai.org
[5]
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – Cf. www.mst.org.br
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