Relato de Bruno Cardoso, conselheiro dos
Direitos Humanos do CONEDH-MG, preso simplesmente por defender os direitos
humanos.
Encaminho para
conhecimento o relato de uma triste situação ocorrida nesse sábado, dia
24/08/2013, em Belo Horizonte, MG. A versão da PM de Minas Gerais ficou
registrado no REDS 2013-017430118-001. BO 2013-1327736.
Por Bruno
Cardoso.
Eu estava
passando uma agradável tarde de sábado, depois de um encontro de jovens onde
teve um bom almoço e vimos o filme "Most - The Bridge", (que entre
outras coisas diz da fragilidade de vida humana, que num estalar de dedos se
encontra em risco). Peguei uma carona e desci na Cristiano Machado pra pegar
meu ônibus na altura do Minas Shopping. Estranhei o grande número de
adolescentes e do policiamento reforçado, parecia que algum cantor pop tinha
passado por ali. Cheguei no ponto que estava cheio, vi um grupo de uns 10
adolescentes (cerca de 14, 15 anos) entrarem num ônibus pela porta traseira.
Esses deram azar, pegaram uma trocadora que bem brava mandou eles saírem, e
eles, envergonhados desceram do ônibus. Aí chegaram uns policiais
militares, vi um sargento perguntando pra um cabo, pareciam agitados, - “trouxe
o gás de pimenta? Hoje vamos ter trabalho.” E o outro respondeu mostrando na
cintura, - “sim”. E logo passa uns oito adolescentes, cerca de 14- 15 anos, com
estilo pop de periferia , a polícia os aborda, - “mãos na cabeça!”. Eles
prontamente colocam as mãos na cabeça e abrem as pernas, já costumados com
o procedimento. O cabo não satisfeito com o tanto que um abriu a perna, dá um
chute contra a perna desse menino. E eu ali parado vendo tudo disse: - Moço não
faz isso, não precisa disso! Aí veio o Sargento em minha direção e me
perguntou, - “quem é você? Ponha a mão na cabeça!”. Eu que tinha falado como
qualquer cidadão indignado faria, me apresentei mostrando minha carteira
funcional, - sou Bruno, membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos, tenho
legitimidade pra acompanhar batidas policiais. Ele disse,- “vai com o cabo pra
viatura”. Eu disse, - não vou, tenho autoridade pra acompanhar batidas
policais. Ele respondeu, - “então você é autoridade, vai pra viatura ou levo
você a força”. Respondi: - não vou, vou ficar aqui acompanhando a batida”. Ele
pegou forte no braço esquerdo, um outro policial no braço direito, me levaram
até a viatura e me colocaram na parte de trás, no camburão onde se encontravam
outros três adolescentes. No caminho eles diziam, - “vamos ver então se tem
autoridade mesmo, foi fazer graça, se ferrou”. Diante dessa terrível situação
peguei o celular, pensei em ligar pro comandante do GATE, ou pra algum deputado
da Comissão de DH da ALMG, ou membro do Ministério Público, que fazem parte do
mesmo Conselho, mas quando peguei o celular, um de fora viu e disse “tá
ligando!”, abriram rapidamente a porta da viatura, me tomaram a força o celular
e me algemaram. Situação em que arranharam o meu pescoço. Vi que,
propositadamente, apertaram mais forte a algema do braço esquerdo, que ficou
dolorida. Colocaram-me novamente na viatura e liberaram os três adolescentes
que ali estavam. Entra e sai um, depois outro policial na parte de trás falando
de modo provocativo e ameaçador. Sozinho ali fiquei tentando chamar alguém que
passava perto, mas ninguém me atendia. Viram minha intenção, mas antes
que conseguissem entraram no carro e arrancaram a viatura. Pensei por todo
ocorrido, vão me fazer um mal pior. Vi ali o quanto fica fragilizado e
vulnerável alguém que está sob o poder de outros. Pensei, “quantos devem sofrer
por esses caminhos!” Lembrei do Amarildo desaparecido nas mãos da polícia do
Rio. Seguiram pela Cristiano Machado, depois entraram numa área mais
favelizada, “vão me entregar pra alguém, será que já estou pronto?” No meio do
caminho outra batida policial, o sargento para, desce e acompanha. Ficou alguns
minutos que pareceu uma eternidade. Nesse tempo fui tentado dialogar com os
outros que de fato estava fazendo minha função, um respondeu, - “função,
controlar o trabalho de polícia?” Continuei, “o Conselho é feito por lei
Estadual”, “nem o Governador pode fazer isso...” “Peça por favor ao sargento
pra vir folgar a algema que está apertada.” Depois o sargento voltou pra
viatura, seguiu adiante olhou um lugar e retornou. Voltando pra Cristiano Machado,
avistaram um motoqueiro, outra abordagem policial, mais alguns minutos,
perguntei, “Pra onde estamos indo?” Pra um hospital, ver esse seu ferimento
aí”. Esperei que fosse verdade, pedi novamente ao soldado, por favor peça ao
sargento pra vir folgar a algema. “Não estou com a chave”. Mas, foi e passou o
recado. O sargento depois da abordagem, abriu a porta da viatura, folgou um
pouco a algema, o soldado me revistou, pegou minha identidade e a carteira
funcional. Fecharam a porta, voltaram pra viatura e continuaram o caminho.
Algumas pessoas no trânsito me viam na viatura, não sentia vergonha mas a
vontade de que algum conhecido me identificasse ali. Nesse tempo o soldado
ligou pro 190 e passou meus dados. Não tinha muita certeza se de fato ligava,
mas comecei a me sentir mais aliviado. Continuando o caminho me levaram pra UPA
Nordeste. Ao descer pedi que retirassem as algemas mas não o fizeram. Entrei lá
como tantos outros na mesma situação já devem ter por ali passado. Se dirigindo
ao funcionário da UPA o soldado perguntou “Tem médico cirurgião?” ,
“cirurgião?” respondi assustado. “Sim”, com ironia, “pra mudança de sexo”,
respondeu o soldado. Fui encaminhado, o funcionário da primeira abordagem me
perguntou, “o que houve?” Disse, sou dos Direitos Humanos, fui acompanhar uma
abordagem policial, houve um desentendimento e”, “vai contar essa história pro
delegado, me cortou o soldado”, “ e pronto, machuquei o pescoço”. Fui
encaminhado pra uma médica, repeti a mesma história pra que fosse por mais
pessoas identificado, ela viu o machucado, passou um remédio e disse que não
era nada grave. Quase perguntei, “você faria uma ligação pra mim?” Mas não tive
coragem de pedir o que extrapolava o ofício dela. Voltando pra viatura só aí me
retiraram as algemas, fiquei um pouco mais confortável. Pedi, me dê meu
telefone, me deixe falar com um advogado, responderam, “não, você liga na
delegacia”. No caminho pararam pra comprar um refrigerante, mais uns minutos de
espera. No rádio começava um jogo de futebol tocando antes o hino nacional que
me pareceu tedioso. Voltando o sargento a viatura prosseguiu até a delegacia da
Andradas. Começaram a fazer o B.O. que nunca terminava, ficaram até as 20:00 e
nada. Vi uma senhora indo embora, pensei poderia ser a delegada. “Sra. por favor,
a sra é a delegada?”, “sim, me respondeu.” Perguntei, a Sra. poderia me
autorizar a dar um telefonema pra um advogado? “Não posso, só se tivesse sido
entregue a mim, você ainda está sob guarda deles.” E foi embora. Voltei pro
sargento e pedi novamente, “me deixe falar com um advogado”. Depois que eu
terminar aqui você liga. Peguei o telefone em cima da mesa, a bateria quase
acabando. Demorou mais um pouco, “pode, liga.” Liguei pra uma advogada
competente e de confiança do Coletivo Margarida Alves. Me atendeu, me orientou
e encaminhou um outro advogado do mesmo Coletivo pra delegacia onde seria
levado. Mandei uma mensagem pra presidente do Conselho de Direitos Humanos
dizendo do ocorrido, e pra uma pessoa querida que me esperava. Acaba a bateria.
Mais um passeio na viatura até a outra delegacia onde cheguei mais tranqüilo,
logo chegou o advogado popular pra me acompanhar. E aliviado lembrei da poesia
e da inconstância dos momentos: “De repente da calma fez-se o vento E das mãos
espalmadas fez-se o espanto. Fez-se da vida uma aventura errante De repente,
não mais que de repente.” Prestei o depoimento pra escrivã, pedi a guia de exame de
corpo delito. Sai da delegacia por volta da 23:30 com certeza de
que a Defesa dos Direitos Humanos deve ser cada vez mais forte. Continuemos!
Bruno Cardoso, 27/08/2013.
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