O QUE PEDE DE NÓS A PAIXÃO DE JESUS SEGUNDO O EVANGELHO DE LUCAS? (Lc 22,1-23,56). Por frei Gilvander Moreira[1]
A paixão de Jesus Cristo é narrada nos
quatro Evangelhos da Bíblia. Em Lucas, começa com o anúncio da traição de Judas
(Lc 22,21-23). Estando reunido com seus discípulos e discípulas pela última
vez, Jesus anuncia: "A mão daquele
que me trai está comigo sobre a mesa". Este jeito de falar acentua o
contraste. O traidor seria um íntimo. Ser traído por um companheiro reforça o
heroísmo do líder (cf. a História e a Mitologia grega). O nome Judas ajuda a
associar a judeus, a Judá. É, provavelmente, uma forma de tentar inocentar o
Império Romano, ao lado do governador Pilatos “lavando as mãos”, o que é muito
pouco provável historicamente, pelo caráter sanguinário e opressor de Pilatos,
conforme escreveu o historiador Flávio Josefo, do 1º século da Era Cristã. Para
os judeus, a comunhão de mesa era a expressão máxima da amizade, da intimidade
e da confiança. Jesus ser morto na cruz não se trata de predestinação nem de
fatalismo. Em um mundo organizado a partir do egoísmo e da ganância, quem
decide viver o amor vai ser condenado “a morrer crucificado”.
Segundo os Evangelhos de Marcos e
Mateus, Jesus está desesperado. “Apavora-se, angustia-se”. Muito diferente, em
contrapartida, é o relato de Lucas. Lucas não descreve diretamente a angústia
de Jesus e omite a frase: "A minha
alma está triste até a morte". Não aparece o tríplice e inquieto ir e
vir de Jesus. Os discípulos são repreendidos somente uma vez e também a oração
é proferida somente uma vez.
Lucas acrescenta o seguinte: o anjo que
conforta Jesus (Lc 22,43)[2];
a oração que, no momento da agonia, se faz mais forte e insistente, e o suor de
sangue; "como de costume" (cf. Lc 21,37), afasta-se dos discípulos
"a um tiro de pedra"; não reza prostrado por terra, mas
"dobrando os joelhos" (naquele tempo o costume era rezar em pé), e os
discípulos adormeceram "de tristeza".
"Os discípulos o acompanhavam". Aqui aparece o verbo
técnico do seguimento. Jesus e os discípulos estão juntos, mesmo se em atitudes
contrastantes; e, se caem de sono, é "de tristeza". Lucas procura
desculpá-los revelando ternura. A tensão entre Jesus e os discípulos, em Lucas,
é, na verdade, lembrada, mas também, de certa forma, dissolvida. Lucas sabe
muito bem que, na realidade, os discípulos abandonaram Jesus no momento mais
trágico e que Pedro até mesmo o renegou, mas sabe também que, depois, estes
mesmos discípulos deram a sua vida por Jesus Cristo e seu Evangelho.
Jesus, que supera a tentação rezando, é
o quadro. A moldura é "orai para não
entrardes em tentação". Lucas quer ensinar às comunidades que, se
pretendem superar as tentações, é necessário rezar, como fez Jesus. É como diz
a sabedoria popular: "Certos "problemas" só se resolvem com reza
"brava"". A oração é a única arma capaz de deter a tentação de
querer instaurar o Reino com a violência do poder.
Por que Judas trai Jesus? Porque não
concorda com a forma de Jesus exercer a sua liderança messiânica, não
eliminando os inimigos (cf. Lc 9,54). E também Judas trai Jesus pela idolatria
do dinheiro (cf. Lc 16,13[3]).
Segundo Lucas, no tempo da Paixão, Jesus e os discípulos estão unidos na mesma
luta.
Narrada em Lc 22,47-53, o que a prisão
de Jesus quer nos dizer? O primeiro traço que desperta a atenção do leitor
estudioso são os silêncios. Lucas diz que Judas "se aproximou de Jesus para beijá-lo". Mas não diz se de
fato o beijou. Em seguida, não existe nenhum aceno à prisão e nenhuma
referência à fuga dos discípulos. Lucas procura calar, embora supondo-as, sobre
as coisas mais humilhantes que Jesus sofreu. Jesus é traído, aprisionado e
abandonado, mas é, apesar disso, sempre o Senhor glorioso e inatingível.
Para Lucas, Jesus é eminentemente
misericordioso, aquele que sempre perdoa. Lucas não perde oportunidade de
colocar também em evidência que Jesus e compassivo-misericordioso. Mais do que
o discurso, o gesto de Jesus na hora em que seu discípulo decepa a orelha de
Malco, um segurança do sumo-sacerdote ("E
tocando-lhe a orelha, curou-o") revela a lógica que o guia: Não à
violência, nem mesmo para resistir a outra violência, mas somente o amor. Jesus
é coerente com o seu ensinamento de amar os inimigos, inclusive. A distância
entre Jesus e os discípulos não poderia parecer maior, na compreensão. Para uns
discípulos é lógico resistir. A paixão de Jesus não aconteceu nem porque Deus
quis a morte do seu Filho – o Deus da vida não é sádico! -, nem porque Jesus
era masoquista e queria morrer, mas foi consequência da opressão humana
(sistema e pessoal) e da arrogância dos poderosos da economia, da política e da
religião, que, já naquele tempo, sentiam-se donos da vida dos seres humanos.
Jesus assumiu o martírio por solidariedade a todas as vítimas do mundo, a
todos/as os/as crucificados/as da história, de todos os tempos.
O dinheiro recebido por Judas (Lc 22,5)
para trair Jesus, segundo Mt 26,15, tratou-se de trinta siclos de prata (e não
de trinta denários, como se afirma frequentemente). Era o preço que a Lei
fixava para a vida de um escravo (Ex 21,32), o equivalente a quatro meses de
trabalho. Logo, Jesus foi entregue pelo preço de um escravo (cf. Mt 26,15).
Diferentemente de quanto afirmam os
Evangelhos de Marcos (Mc 14,48-49) e Mateus (Mt 26,55), as últimas palavras de
Jesus não são dirigidas à multidão, mas diretamente aos mandantes ("chefes dos sacerdotes, chefes dos guardas do
Templo e anciãos"). Lucas sabe muito bem que, para prender Jesus veio "uma multidão" (cf. Lc 22,47),
e não os mandantes. Mas ele se dirige diretamente a estes, os verdadeiros
responsáveis. É a eles que Jesus fala, pois são os principais responsáveis pela
condenação de Jesus à pena de morte e sua execução.
E Jesus diante do sinédrio? (Lc 22,66-71.63-65). Após o relato da
prisão de Jesus, Lucas abandona a ordem da narração de Marcos e Mateus,
colocando os episódios diferentemente. Primeiro, a negação de Pedro (Lc
22,54-62); depois, a cena dos ultrajes (Lc 22,63-65) e, por último, o
interrogatório diante do Sinédrio (Lc 22,66-71).
O Sinédrio
era um "parlamento com poder judiciário. Era composto por 71 membros
(Fariseus + Anciãos + Sumo-sacerdote + Saduceus + Escribas). Segundo At
5, pelo menos um fariseu - Gamaliel - pertencia ao Sinédrio. Gamaliel consegue
fazer valer sua opinião no Sinédrio. Segundo At 23, o Sinédrio era composto por
fariseus e saduceus. Não se sabe se pertencer a um destes grupos era algo
relevante para ser membro do Sinédrio ou se, ao contrário, os membros do
Sinédrio eram determinados segundo outros critérios, como família, propriedade
ou função.
"Negado pelo primeiro dos discípulos, espancado e escarnecido pelos
seus adversários, Jesus anuncia diante dos chefes de Israel a sua reivindicação
como Messias e filho de Deus[4]". Está delineada a
figura do mártir, que nada consegue dobrar, nem a traição dos amigos nem a
zombaria dos inimigos. O interrogatório de Jesus é conduzido por todos juntos,
unanimemente, em coro, como se, na condenação de Jesus, ninguém pudesse ser
considerado mais responsável do que o outro. O segundo significado é a absoluta
centralidade de Jesus.
"Se eu vos disser, não acreditareis, e se eu vos interrogar, não
respondereis" (Lc 22,67b-68). Com estas palavras, um pouco enigmáticas, que não têm
nenhum paralelo em Marcos e Mateus, Jesus denuncia o vício de fundo do
interrogatório: a hipocrisia dos juízes, que fingem indagar, mas na realidade
já estão de posse da resposta. "Eles
somente interrogam para encontrar motivos de condenação, não para saber,
portanto não merecem ou não mereceriam uma resposta[5]".
Com esta denúncia, Jesus, o interrogado, se transforma em juiz. É inútil dar
uma resposta, se não existe a sinceridade da pergunta.
O que nos diz a cena de Jesus diante de
Pilatos (Lc 23,1-25)? Lucas insiste
em realçar a unanimidade (em forma de coro) da rejeição de Jesus. Multidão,
sacerdotes e anciãos se sobrepõem. Não se diz que os sacerdotes incitaram a
multidão. Para Lucas, autoridades e multidão são responsáveis do mesmo modo e
no mesmo nível. Além da unanimidade, surpreende o encarniçamento da rejeição.
Os acusadores seguem Jesus em todos os diferentes deslocamentos: do Sinédrio a
Pilatos, de Pilatos a Herodes, de Herodes a Pilatos. Não são somente graves e
infundadas as acusações contra Jesus, mas também e, sobretudo, encarniçada e
furiosa a maneira como o acusam.
Lucas dá a entender que os responsáveis
pela morte de Jesus são as autoridades judaicas, especificamente o Sinédrio, e
inocenta o povo e Pilatos. Se as autoridades do Sinédrio tivessem coragem de
peitar o povo, poderiam optar pela via do apedrejamento, como o farão mais
tarde com Estêvão (At 6 e 7), mas preferem optar pela via política, arrancando
de Pilatos o castigo aplicado aos que se rebelavam contra o império romano
escravocrata.
O que as acusações contra Jesus (Lc
23,1-2) nos dizem? As acusações contra Jesus são fundamentalmente três: a) subverte
a nação (acusação social religiosa); b) impede que se paguem os impostos[6]
(acusação econômica) a César; c) e se proclama rei – acusação política - (cf.
Lc 23,2). A acusação principal é a primeira, de tal sorte que é retomada mais
adiante pelos acusadores ("ele subverte
o povo” (Lc 23,5) e por Pilatos ("Vós
me apresentastes este homem como agitador do povo" (Lc 23,14)).
Os chefes judeus temem a subversão
religiosa. Contudo, diante de Pilatos, deixam entender que o seu temor diz
respeito, acima de tudo, à subversão política, conforme fica sugerido claramente
pela segunda acusação: não pagar tributos a César. Trata-se de uma maliciosa
inversão de perspectiva que comprova a sua falta de sinceridade. Em parte,
porém, eles mesmos se traem, ao insistirem, dizendo: "Ele subverte o povo, ensinando por toda a Judeia, desde a Galileia,
onde começou, até em Jerusalém” (Lc 23,5). Logo, era o ensinamento de Jesus
que metia medo nas autoridades opressoras e exploradoras.
E a inocência de Jesus (Lc 23,3-5)? Por
três vezes, Pilatos declara publicamente que Jesus é inocente (cf. Lc
23,4.14-15.22) e por três vezes externa o desejo de soltá-lo (Lc 23,16.20.22).
Contudo, ao final, entrega Jesus "ao
arbítrio deles" (Lc 23,25).
Segundo muitos biblistas, o objetivo de
Lucas é o de desculpar Jesus (e os cristãos) diante do império romano de
qualquer acusação política. A sociedade romana não precisaria temer nada dos
cristãos. Jesus não teria nada a ver com os zelotas, do tipo Barrabás, diz
Lucas. Mesmo se o seu fundador foi crucificado - processado por um procurador
romano e sentenciado com a condenação que os romanos reservavam aos revoltosos
-, a acusação de sublevação que lhe foi imputada era completamente infundada. Na
década de 80 do 1º século, com as pessoas cristãs sendo expulsas da sinagoga,
Lucas percebe que é melhor ir infiltrando no império romano que confrontá-lo
abertamente, o que poderia levar à exasperação da perseguição às pessoas
cristãs.
A ironia da troca entre Barrabás e
Jesus (Lc 23,18-19) é, em Lucas, muito mais descoberta do que em Marcos e
Mateus. Acusam Jesus de ser um subversivo e pedem a libertação exatamente de um
subversivo! Com efeito, Lucas descreve Barrabás assim: "Este último havia sido preso por um motim na cidade e por
homicídio" (Lc 23,19). Lucas quer dizer: este povo não sabe o que faz,
não tem cabeça, é massa e não povo. Por ironia da história, Jesus, que tinha
sido acusado injustamente de amotinar o povo, é entregue ao arbítrio de seus
acusadores em troca de um condenado por "subversão e assassinato".
E a
verdade de Jesus? Se de um lado Jesus rompe o esquema teocrático, irritando os judeus, por outro lado
rompe o esquema do absolutismo político, irritando
os romanos. Assim Jesus foi um profeta religioso-político, não somente um
revoltoso político. Todavia, as coisas "religiosas" que disse e que
fez eram também socialmente e politicamente "perigosas".
E Jesus diante de Herodes (Lc 23,8-12)? A novidade mais
importante do relato de Lucas é o comparecimento de Jesus diante de Herodes (Lc
23,8-12), algo que os outros evangelhos não mencionam. Lucas ainda acrescenta:
a partir desta data, Pilatos e Herodes, antes inimigos, fazem as pazes. Para a
comunidade de Lucas isso tem um sentido muito claro e dramático, que se
expressa na oração da primeira comunidade cristã em At 4,24-30: trata-se da
união dos poderes opressores e violentos para destruir o ungido de Deus, como
já o dissera o Salmo 2. "Nesse mesmo
dia Herodes e Pilatos ficaram amigos entre si" (Lc 23,12). Contra a
verdade de Jesus, estão de acordo também aqueles que em outras coisas são
inimigos, como precisamente os judeus e os romanos.
E a crucificação e morte de Jesus (Lc 23,26-49)? Lucas está muito
interessado em mostrar a grandeza ética de Jesus, representando-o como o modelo
do mártir cristão. Lucas enfatiza a inocência de Jesus, já enfatizada no
processo diante de Pilatos e aqui reconhecida pelo bom ladrão (Lc 23,41) e pelo
centurião pagão (Lc 23,47).
Jesus passou toda a sua vida em perene
busca dos injustiçados, excluídos e dos pecadores, e agora morre na cruz entre
dois malfeitores (Lc 23,33). Falou de perdão e pregou o amor aos inimigos (cf.
Lc 6,27-42; 15) e agora, na cruz, não somente rejeita a violência, mas perdoa
os seus crucificadores (Lc 23,34) e morre por aqueles que o rejeitam,
ilustração viva da misericórdia de Deus, de que fala toda a Escritura Sagrada.
O mártir afirma o homem diante de Deus, Jesus afirma Deus diante da pessoa
humana.
A caminho do Calvário (Lc 23,26-32) o
que nos diz? No caminho para o calvário, os soldados romanos propositalmente
não são citados. A estrada que conduzia do palácio do governador ao lugar da
execução, fora dos muros, não era longa. O condenado, porém, era obrigado a
passar pelas ruas do centro de Jerusalém. A condenação devia ser pública e
servir de escárnio. As tropas de ocupação podiam obrigar qualquer um a prestar
um serviço de ordem pública. Simão, de Cirene (de fora da Palestina), ajuda
Jesus a carregar a cruz. "Vinha do
campo" indica que era um discípulo (cf. Lc 6,1). Lucas utiliza, ao
contrário, uma expressão mais genérica, de uso civil: "tomaram". E continua: "e impuseram-lhe a cruz para levá-la atrás de Jesus" (Lc
23,26). Simão, personagem representativo ("certo") de um grupo real (nome próprio) de discípulos oriundos
da diáspora judaica ("que vinha do
campo", "de Cirene” (cf.
At 11,20; 13,1), é figura do discípulo que faz sua a cruz de Jesus, levando até
o fim o seu seguimento (cf. Lc 9,23; 14,27).
Nos sepultamentos judaicos, estavam
sempre presentes algumas mulheres que elevavam lamentos fúnebres. Isto fazia
parte do rito. Para os sentenciados à morte, porém, estavam proibidos os
lamentos fúnebres, proferidos em público, porque o justiçado era considerado
uma maldição (cf. Dt 21,22-23). As mulheres que seguem Jesus demonstram, com o
seu corajoso testemunho, que ele não é um malfeitor, mas um profeta que está
padecendo a sorte de todos os profetas: o martírio[7].
"Pai, perdoa-lhes" (Lc
23,34). A crucifixão era um castigo imposto pelo império romano aos que se
engajavam politicamente fazendo oposição ao império. Curiosamente, à direita e
à esquerda de Jesus são crucificados dois líderes da oposição ao império,
chamados de malfeitores. O Crucificado de Lucas não está em silêncio, mas fala:
às multidões, ao Pai, ao ladrão arrependido. Jesus não somente perdoa, mas
desculpa. Não morre ameaçando com o juízo de Deus, mas perdoando e desculpando.
Toda a Paixão, segundo Lucas, está, efetivamente, atravessada pela
misericórdia: o gesto de Jesus que cura a orelha do servo do Sumo Sacerdote, o
olhar benevolente a Pedro que o renega e a palavra de perdão aos que o
crucificam. Jesus não dá pessoalmente o seu perdão, mas o pede ao Pai. Deve
ficar claro que o seu perdão remete ao do Pai. A cruz é o esplendor do perdão do
Pai. Morrer perdoando é uma característica essencial do mártir cristão.
"Salva-te a ti mesmo!" (Lc
23,35b.37.39). Observe-se a insistência na expressão "salvar a si
mesmo", dirigida a Jesus por todos os três representantes da
incredulidade: os chefes, os soldados e um dos dois malfeitores. Renunciando
salvar a si mesmo, ele permanece solidário com todas as pessoas que, na morte,
podem esperar salvação somente de Deus - abandonando-se a ele na fé.
"Jesus, lembra-te de mim!" (Lc
23,39-43). O primeiro malfeitor é, provavelmente, um indomável zelota, que,
mesmo na morte, continua fiel à sua opção de se rebelar contra o domínio
estrangeiro, para instaurar o reino de Deus. O ladrão arrependido confia nele
prontamente ("Jesus, lembra-te de
mim!"), e Jesus responde com a sua pessoa, assegurando-lhe uma vida de
comunhão com ele ("estarás comigo"),
e logo ("hoje"). A um
pedido que remetia ao futuro ("quando
vieres no teu reino"), Jesus responde, remetendo ao presente ("hoje")[8]. No
episódio dos dois malfeitores estão presente a misericórdia e a justiça.
"Dizendo isso, expirou"
(Lc 23,44-46). Para a comunidade de Lucas a cruz é o momento último de
reafirmar a fidelidade ao projeto do Pai, à missão que recebeu pela unção do
Espírito. Quem morre ali é o mártir, fiel até o fim. A cruz é o momento: a) do
perdão maior, do perdão àqueles que lhe tiram a vida (Lc 23,34. Cf. Estevão em
At 7,60); b) da promessa da vida (Lc 23,43) para aquele que na última hora
reconheceu o sentido de sua missão; c) de afirmar, no último suspiro, a
confiança no Pai (Lc 23,46).
Diferentemente do que relatam Marcos e
Mateus, para Lucas, "a vida de Jesus
não termina com uma trágica interrogação, mas na serena convicção do cumprimento
de uma missão libertadora[9]".
Para Lucas não houve uma salvação da
morte, mas na morte.
E as Sete Frases exclusivas de Lucas o
que nos dizem? Eis Sete frases de Jesus
que só Lucas nos conservou e nas quais transparece a vitória da vida que a
morte não conseguiu matar:
1) "Desejei ardentemente comer esta páscoa com
vocês" (Lc 22,15).
2) "Façam isto em memória de mim!" (Lc
22,19).
3) "Simão, rezei por você, para que não
desfaleça a sua fé!" (Lc 22,32).
4) Na hora da negação de
Pedro, Jesus fixa nele o olhar, provocando o choro de arrependimento (Lc
22,61).
5) No caminho do
calvário, Jesus acolhe as mulheres: "Filhas
de Jerusalém, não chorem por mim!" (Lc 23,28).
6) Na hora de ser pregado
na cruz, ele reza: "Pai, perdoa,
porque não sabem o que fazem" (Lc 23,34).
7) Ao ladrão pendurado na
cruz ao seu lado ele diz: "Hoje
mesmo estarás comigo no paraíso!" (Lc 23,43).
Estas frases nos dão os
olhos certos para ler e a saborear a descrição da morte, do enterro e da
ressurreição de Jesus.
Enfim, Jesus aceitou ser
crucificado por infinito amor à humanidade e a toda a Criação, e pede de nós
compromisso com a libertação de todos/as que estão crucificados atualmente. A crucificação de Jesus foi consequência da sua opção
incondicional pelo reino de Deus, de liberdade, de justiça, de amor, de paz, de
vida! Os poderosos da época foram desmascarados. Jesus incomodou a religião, o
sistema político do império romano, os grandes do poder econômico e passou a
ser uma ameaça para os exploradores. Por isso, não tem sentido fazer
memória da paixão de Jesus, do seu martírio, sem reconhecer que Jesus
continua padecendo, encarnado na vida de tantos irmãos e irmãs vítimas de um
sistema que oprime, exclui, mata. E como discípulos e discípulas de Jesus,
devemos seguir com coragem e esperança seus passos, em defesa de vida com
dignidade para todos e todas e para toda a Criação, na certeza de que a morte
não tem a última palavra... O horizonte é de ressurreição!
18/04/2025.
Obs.: A
videorreportagem no link, abaixo, de alguma forma ATUALIZA o assunto tratado,
acima.
1 - SENTIDO DA PÁSCOA DA CRUZ NAS PESSOAS
CRUCIFICADAS E NOS POVOS MARTIRIZADOS (JO 18 E 19): EVANGELHO PARA ALÉM DOS
TEMPLOS. Por Nancy Cardoso, Gilvander Moreira e Darlan Oliveira. 18/04/25
2 - Segue Sexta-feira da Paixão em Ibirité/MG.
MRS/Vale, despejo/DEMOLIÇÃO de CASAS SEM DECISÃO JUDICIAL
3 - Basta de sexta-feira da Paixão em Betim,
MG! Construamos Domingos de Ressurreição. Araújo! Vídeo 3
4 - Paixão e calvário no despejo de Ocupação em
Miravânia, norte de MG. Zilah. Vídeo 5. 10/7/2019
[1] Doutor em
Educação pela FAE/UFMG; Mestre em Ciências Bíblicas; Bacharel e Licenciado em
Filosofia; Bacharel em Teologia; frei e padre da Ordem dos Carmelitas; e Agente
de Pastoral e Assessor da CPT/MG (Comissão Pastoral da Terra – www.cptmg.org.br ); e-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br
– www.youtube.com/@freigilvander
– No instagram: @gilvanderluismoreira
[2]
Pela terceira vez
[3]
“Nenhum servo pode servir dois senhores; porque, ou há de odiar um e amar o
outro, ou se há de chegar a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e
a Mamom.”
[4]
J. ERNST, op. cit., pp. 863-864.
[5]
O. SPINHETOLI, Da Luca, Assis,
Cittadella, 1982, p. 893.
[6]
O Império Romano dominava os povos conquistados através de uma pesadíssima
carga tributária.
[7]
Mencionando a presença da multidão e das mulheres, Lucas mostra a sua
predileção pelas grandes multidões e pela presença das figuras femininas. Ver,
a propósito, ROSSÉ, G., Il vangelo di
Luca, Roma, Città Nuova, 1992, p. 967.
[8] Cf. GRELOT, P., De la mort à la vie eternelle, Paris,
Cer, 1971, pp. 201ss.
[9]
G. ROSSÉ, Il vangelo di Luca, op.
cit., p. 987.