terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Jesus da Gente: “Só ame!” - Profecia da Mangueira no Carnaval de 2020


Jesus da Gente: “Só ame!” - Profecia da Mangueira no Carnaval de 2020
Por Gilvander Moreira[1]

Jesus da gente como jovem de periferia crucificado pela violência institucionalizada de uma sociedade capitalista, máquina de moer vidas. Foto: Marcelo Barros

A Estação Primeira de Mangueira, na noite de 23 para 24 de fevereiro de 2020, no Sambódromo da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, RJ, fez um desfile histórico e deu uma Aula Magna de Teologia da Libertação por meio do samba-enredo, pelas fantasias, pela arte, ritmo, coreografias etc. Com um samba-enredo inspirado na afirmação evangélica “A verdade vos fará livres” (João 8,32), o carnavalesco Leandro Vieira mostrou as várias faces de Jesus de Nazaré no meio do povo empobrecido e injustiçado nos dias atuais que nos fazem pensar: Jesus com rosto de mulher, de índio, de jovem da periferia, de negro, de LGBTQIs, ...  Estas várias faces de Jesus estão em estreita sintonia com o Evangelho de Jesus Cristo. No Evangelho de Mateus, por exemplo, em Mt 25,31-46 se narra uma cena de “juízo final”, que em última instância acontece por autojulgamento. “Todos os povos estão reunidos diante de Jesus” (Mt 25,32). Ninguém é excluído a priori. Como Deus é amor, todos são bem-vindos/as, desde que tenham posto em prática relações sociais/humanas de fraternidade, ética, justiça e solidariedade com “quem estava com fome, com sede, nu, exilado/estranho, doente e preso” (Mt 25,35-36). A quem estranha a relação de Jesus com os enfraquecidos, Jesus adverte: “Todas as vezes que vocês se fizeram solidários ao menor dos meus irmãos foi a mim que fizeram” (Mt 25,40). Além de que “todos os seres humanos são imagem e semelhança de Deus criador” (Gênesis 1,26-27) e “o corpo de cada pessoa é templo do Espírito Santo” (I Coríntios 6,19), é sagrado e como tal deve ser respeitado, cuidado e amado. Portanto, quando uma pessoa negra, um índio, uma mulher, um jovem de periferia, um LGBTQIs, um irmão em situação de rua, desempregado, sem-terra, sem-moradia, ... está sendo discriminado/a, violentado/a, torturado/a e morto é Jesus Cristo que está novamente sendo “crucificado” nos dias atuais.
Com ousadia profética, o samba-enredo da Mangueira afirma um ‘Jesus da gente’ com espiritualidade libertadora e aponta verdades que podem nos inspirar rumo à emancipação humana. Destaco aqui alguns raios de luz do samba-enredo: “Só ame!” Não seja intolerante, homofóbico e nem disseminador de ódio. “Teu samba é uma reza”. O divino está no humano, o sagrado no profano. Em estilos religiosos fundamentalistas e moralistas estão mais idolatria do que culto verdadeiro a Deus. “Enxugo o suor de quem sobe e desce ladeira”. Esta afirmação está em profunda consonância com a Opção pelos Pobres que “deve atravessar todas as nossas estruturas e prioridades pastorais”, conforme os Documentos das Conferências Episcopais da América Latina (Documento de Aparecida, n. 396, cf. Medellín, n. 14,4-11; Documento de Puebla, n. 1134-1165; Santo Domingo, n. 178-181). Sendo filho de carpinteiro e de mulher simples do meio do povo, Jesus abraça as alegrias e as dores do povo como suas alegrias e suas dores. Isto se espera de quem se diz seguidor/a do Nazareno. Jesus vivo ressuscitado está presente no meio da classe trabalhadora consolando as pessoas aflitas e afligindo as pessoas opressoras.
Me encontro no amor que não encontra fronteira”. O nosso amor precisa ultrapassar o jeito de amar de moralistas e fundamentalistas. Devemos amar a todos, mas não do mesmo jeito. Devemos amar as pessoas injustiçadas nos colocando ao lado delas para com elas e a partir delas caminhar, solidariamente, lutando pelos seus direitos. E devemos amar os inimigos/opressores do povo fazendo o possível e o impossível para retirar das mãos deles as armas com as quais promovem violência e injustiça. “Procura por mim nas fileiras contra a opressão”. Jesus Cristo está muito mais no meio do povo sofrido e injustiçado do que nos templos e cultos religiosos desligados da vida real do povo, onde mais se furta dinheiro do povo com discursos de autoajuda e teologia da prosperidade.
“... a esperança brilha mais na escuridão”. Realmente, no meio de uma noite escura é possível luz brilhar mais do que o sol do meio dia. Quanto mais os violentos insistem em violentar os enfraquecidos mais se alimenta o movimento popular de luta para construir paz como fruto de justiça social, agrária e socioambiental. “Não tem futuro sem partilha, nem messias de arma na mão”. Eis mais uma verdade que liberta. O sistema capitalista é uma máquina de moer vidas, porque pisoteia cotidianamente na partilha como estilo de vida e insufla a acumulação e a competição como se fossem valores, mas na realidade são vírus que desumanizam quem se deixa desorientar pelo individualismo e pela idolatria do mercado. Jesus de Nazaré propôs: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amo” (João 13,34) e jamais ‘armai-vos uns aos outros’. Quem acredita em arma não acredita no poder infinito do amor. “Só o amor constrói”, já dizia Francisco de Assis há 800 anos.
Enquanto os povos escravizados enfrentavam o deserto, após a libertação do imperialismo dos faraós no Egito, e enquanto lidavam com os desertos interiores, a Bíblia narra que os profetas Eldad e Medad estavam profetizando no Acampamento, fora da tenda (Números 11,27), na caminhada pelo deserto rumo à conquista da "terra que mana leite e mel". Apareceu gente querendo proibir a profecia de Eldad e Medad, porque “eles eram de fora”. Às pessoas que ficaram iradas com a profecia de Eldad e Medad, fora da instituição, Moisés bradou: "Oxalá todo o povo fosse profeta e recebesse o Espírito de Javé, Deus solidário e libertador" (Números 11,29).

Evelyn Bastos representou uma versão feminina de Cristo e desfilou vestida. Foto: Marcos Serra Lima/G1
Evelyn Bastos, a sambista rainha de bateria da Estação Primeira de Mangueira, que representou Jesus como Mulher Negra, com as feridas que uma sociedade capitalista com desigualdade social e violência institucionalizada impõe também às mulheres, - o feminicídio, por exemplo -, disse após se apresentar na Sapucaí: "Renunciei ao que mais amo, que é sambar, para apresentar Jesus Mulher que "só ama". Por respeito às pessoas que pensam diferente também me apresentei sem expor o corpo". Evelyn Bastos perguntou: “Se tivessem nos ensinado que Jesus também poderia ser uma mulher, o Brasil estaria no topo do feminicídio?” E exortou profeticamente: “Que todos os olhos possam acolher todas as imagens de Jesus, porque ele está no meio de nós”. Que beleza profética, amorosa e respeitosa! Eu vi Jesus na Mangueira!

Jesus da gente: “Só ame!” Foto: Marcelo Barros
A quem se escandaliza com o ‘Jesus da gente’ da Mangueira pergunto: por que se tornou normal a imagem de Jesus Cristo como um europeu branco, de olhos azuis?
Se você não assistiu, sugiro assistir sem preconceitos, de coração acolhedor, ao vídeo do desfile da Estação Primeira de Mangueira e você se humanizará com a mensagem libertadora que a Estação Primeira de Mangueira trouxe para o Carnaval em 2020.
Com a Direção do CEBI Nacional, afirmamos: “A Mangueira com ousadia provoca e desestabiliza profeticamente muitos que desde os altares e púlpitos se calam diante das ações de uma política podre e destruidora; outros tomam o púlpito e os altares para defender o que não é o Evangelho de Jesus de Nazaré”. ‘Só ame!”, anuncia a Mangueira. Santo Agostinho dizia: “Ame e seja livre para fazer o que quiser”.

Obs.: Vídeo no link, abaixo, com o Desfile da Estação Primeira de Mangueira, em 2020, na noite de 23 para 24/02/2020.





[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Teologia da luta pela terra e por moradia​

Teologia da luta pela terra e por moradia
Por Gilvander Moreira[1]

Em Cascavel, no Oeste do Paraná, 53 dias da Vigília Resistência Camponesa - Por Terra, vida e dignidade! Foto: Júlio César, dia 17/02/2020.
Etimologicamente, Teologia é uma palavra da língua grega composta por teo = Deus, e logia = ciência.  Entretanto, teologia não é apenas ‘ciência de Deus’ e nem é apenas reflexão sobre as coisas relativas a Deus, ao pós-morte, às coisas de fé. Teologia é pensar a partir dos injustiçados qualquer assunto em uma perspectiva de fé no Deus da vida, mistério de infinito amor que nos envolve. Portanto, qualquer assunto pode e deve ser teologizado. Teologia que não for libertadora não é teologia, podendo ser dogmatismo disfarçado de teologia. Na Bíblia há uma infinidade de contradições entre os textos, mas há em toda a Bíblia um fio condutor: o Deus Javé, solidário e libertador, faz opção pelos empobrecidos e escravizados e com estes faz aliança de compromisso libertador. Quem lê a Bíblia na perspectiva da classe dominante ou da pequena burguesia, - eufemisticamente chamada de classe média -, jamais captará o sentido libertador dos textos bíblicos, que é verdade que liberta por consolar os aflitos e por incomodar os opressores. A verdade liberta, porque dói e incomoda. Nessa perspectiva, necessário se faz também pensarmos teologicamente sobre a luta pela terra e pela moradia própria, digna e adequada. Teologia da terra e Teologia da moradia nos dizem que o Deus da vida quer terra e moradia para todos os seres humanos e para todos os outros seres vivos, inclusive. Há Teologias da Libertação na luta pela terra e por moradia. Teologias no plural, porque, além da Teologia da Terra e da Teologia da Moradia, necessário se faz também Teologia da Negritude, Teologia de Gênero, Teologia da Água, Teologia da Ecologia Integral (Ecoteologia), Teologia do Trabalho etc.. Todas essas teologias subsidiam a luta pela partilha e socialização da terra e para que todos tenham acesso à moradia adequada. Ai daqueles que pisam nos pobres, que tripudiam sobre a dignidade de crianças recém-nascidas, idosos, deficientes e indefesos, mãe Terra, irmã água e todos os seres vivos, todos empobrecidos!
Fruto da injustiça agrária e social, do capitalismo, da especulação imobiliária e da falta de reformas agrária e urbana, o latifúndio continua injustamente sendo a coluna mestra da estrutura fundiária no Brasil há 520 anos, o que faz com que o déficit habitacional cresça em progressão geométrica nas cidades. Sem democratização e socialização da terra, a injustiça social e urbana só cresce. Como não dá para sobreviver no ar, com as contradições das injustiças agrária e urbana surgem as ocupações no campo e na cidade. Em uma Audiência Pública na Comissão de Direitos Humanos, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, uma senhora de uma Ocupação urbana, ameaçada de despejo, no microfone, gritou: “Queremos moradia e não apenas o direito à moradia.” Uma família camponesa sem-terra é como um pé de bananeira sobre o asfalto. Os clamores dos camponeses sem-terra e de milhões de pessoas crucificadas pela especulação imobiliária que gera pesadíssima cruz do aluguel ou a humilhação que é sobreviver de favor nos fazem pensar: Deus compactua com essas injustiças? O Deus da vida, Javé, solidário e libertador ao lado injustiçados/as, fica irado diante da concentração da terra e da moradia em poucas mãos. No Brasil nunca foi feito reforma agrária de nenhum tipo. Nos países europeus e nos Estados Unidos, pelo menos reforma agrária capitalista foi feita. Políticas habitacionais populares estão quase somente em discursos e vãs promessas. Direitos fundamentais, como o de acesso a terra e a moradia adequada, vêm sendo há muito tempo violados.
Documento do Ministério Público Federal informa que, de 7.957 remoções realizadas pelo programa Vila Viva em Belo Horizonte, MG, somente 3.950 remoções importaram em reassentamento – sem titulação - em apartamentos apertados construídos por esse programa. Do restante, apenas 496 dos removidos conseguiram adquirir a compra de casa com recursos advindos do Programa de assentamento de famílias removidas em decorrência de execução de obras públicas (PROAS) – 40 mil reais é o teto - e, mais de 50% dos removidos, 4.310, receberam indenização pela remoção compulsória. A indenização é sempre injusta, pois não indeniza o valor do imóvel, mas apenas o valor da construção da casa ou do barraco. Ou seja, ignora-se o direito à posse. Precisamos recordar que a noção de posse é muito mais antiga e mais justa do que a noção de propriedade, que é coisa da modernidade capitalista do século XVI para cá apenas. O que é considerado na indenização é somente o valor da incorporação feita no lote, e, via de regra, uma construção precária. Ainda assim, para os que conseguem ser assentados nos novos imóveis da Prefeitura, a notícia não é das melhores. Com uma pífia política habitacional que mais beneficia as grandes construtoras do que as famílias, nos últimos 25 anos, a prefeitura de Belo Horizonte, de joelhos para os senhores do mercado idolatrado, mais demoliu casas do que construiu. Demoliram-se milhares de casas para construir ‘casas’ para os automóveis, ou seja, construir grandes avenidas, viadutos e estacionamentos. Assim, milhares de famílias foram expulsas para as periferias da região metropolitana de Belo Horizonte. Há Relatório da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), da Polícia Militar, do Ministério Público e da Polícia civil atestando o caos nos predinhos do Programa Vila Viva, que é, na prática, Vila Morta.
O Governo de Minas Gerais, nos últimos 27 anos, não construiu nenhuma moradia para as famílias de zero a três salários mínimos em Belo Horizonte e nem na região metropolitana de Belo Horizonte. Sem-terra e sem-casa, o povo não tolera mais sobreviver sob a pesadíssima cruz do aluguel, que é veneno diário no seu prato. O povo não aguenta mais a cruz da humilhação que é sobreviver de favor: peso nas costas de parentes, chateação cotidiana e perda de liberdade. Muitos conservadores e moralistas ainda criticam a promiscuidade com que sobrevivem muitas famílias. Ora, como não expor crianças às cenas íntimas ou inapropriadas para menores, próprias de casais, se o espaço de convivência é totalmente inadequado?
Nas últimas semanas, as chuvas revelaram a imensa injustiça social e urbana reinante em Belo Horizonte e região metropolitana. Sob o olhar teológico, essa injustiça social que se reproduz cotidianamente mostra a idolatria do mercado reinante na sociedade capitalista. O Deus da vida quer terra e moradia para todos/as.

BH, MG, 18/02/2020.
Obs.: Os filmes e vídeos nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado acima.

1 - 160 famílias na luta pela terra em Pirapora, MG, há 20 anos. Despejar é injusto/violência. 17/2/2020



2 - Sem Moradia acampados na Prefeitura de Santa Luzia, MG: Luta justa por moradia adequada. 14/02/2020



3 - Leonardo Péricles na CMBH põe o dedo na ferida e mostra o rumo da luta social, em Belo Horizonte.








[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Frei Gilvander na CMBH: Rumo para superarmos a injustiça social que está deixando BH em Colapso.


Frei Gilvander na CMBH: Rumo para superarmos a injustiça social que está deixando BH em Colapso.



Dia 13/02/2020, frei Gilvander Moreira, participou na Câmara de Vereadores de Belo Horizonte, MG, de Audiência Pública sobre a tremenda injustiça social que está em Belo Horizonte sob colapso do atual modelo de cidade.

Frei Gilvander Moreira, da CPT e do CEBI, na Câmara de Vereadores de Belo Horizonte, MG, na luta por moradia para todos/as. Foto: Divulgação / Canal de frei Gilvander no youtube

Videorreportagem de frei Gilvander Moreira, da CPT, CEBs, CEBI, SAB e assessoria de Movimentos Sociais.
*Filmagem e Edição: frei Gilvander. Betim, MG, 13/02/2020.
*Inscreva-se no You Tube, no Canal Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos, no link: https://www.youtube.com/user/fgilvander, acione o sininho, receba as notificações de envio de vídeos e assista a diversos vídeos de luta por direitos sociais. Se assistir e gostar, compartilhe. Sugerimos.
#FreiGilvander #NaLutaPorDireitos #PalavrasDeFéComFreiGilvander

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Dimensão religiosa na luta pela terra e por direitos

Dimensão religiosa na luta pela terra e por direitos
Por Gilvander Moreira[1]

Cartaz da XVI Romaria da Terra e das Águas da Diocese de Goiás, promoção da CPT e da Diocese de Goias.

No Brasil, é impossível compreender a luta pela terra e por direitos sem a compreensão do fenômeno religioso manifestado pelos sujeitos da luta pela terra e por direitos. O fenômeno religioso aparece explicitamente nos discursos dos sujeitos que fizeram e continuam protagonizando a luta pela terra e por direitos. Podemos citar alguns exemplos como amostra. Na marcha do MST[2] de Goiânia a Brasília, dia 7 de maio de 2005, alguns camponeses devotamente liam um salmo na Bíblia. Perguntamos: “A Bíblia precisa estar na marcha?” Obtivemos como resposta: “Sem dúvida, pois Deus caminha conosco. Aqui descobrimos que somos Povo de Deus em busca de terra, pão e liberdade. Deus está conosco. Infeliz quem tenta impedir nosso projeto que é libertar a mãe terra!”, respondeu-nos um camponês idoso na Marcha.
Agente de pastoral aguerrida na luta pela terra, a irmã Geraldinha, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), ao ser entrevistada, volta e meia, revela a fé no Deus da vida que a move na luta em defesa dos empobrecidos: “Com base na Bíblialevamos o povo a descobrir que a terra pertence a Deus e, portanto, a todos” (Irmã Geraldinha, dia 09/6/2016). Ozorino Pires, 71 anos, camponês atualmente assentado em Salto da Divisa, MG, no Assentamento Dom Luciano Mendes, dizia evocando que a motivação para estar na luta pela terra está na fé em Deus: “A Escritura Sagrada diz que a terra foi criada por Deus sem cerca e sem porteira para todo mundo viver dela. Pelo que eu sei, Deus quando fez a terra não passou escritura para ninguém, não. Somos filhos da terra e filhos de Deus”. Assim, por uma perspectiva de fé que vem da experiência dos povos da Bíblia que lutavam por terra, justiça e paz, se questiona a propriedade privada capitalista como se fosse algo natural.
Na luta pela terra e por direitos, é imprescindível a fé das camponesas, dos camponeses e da classe trabalhadora na cidade. O camponês Olivério de Carvalho, do Assentamento Primeiro do Sul, em Campo do Meio, no sul de Minas Gerais, relata: “No início da nossa luta aqui, a gente ia para a cidade fazer panfletagem. Algumas pessoas pegavam um porrete e corriam atrás da gente dizendo que a gente estava roubando terra. Muita gente não entende. Deus criou a terra para todos, não colocou cerca e nem porteira. A luta pela terra não começou hoje. Começou com o povo da Bíblia, bem antes de Jesus Cristo, lá no Egito, com Moisés, Miriam e as parteiras, que, com muita luta, reuniram o povo e atravessou o Mar Vermelho. Quando a polícia do faraó quis impedir a libertação do povo, o mar fechou e não sobrou nenhum policial. No deserto, durante o dia, uma nuvem protegia o povo do calor e à noite uma coluna de fogo aquecia o povo e guiava todos. Depois que Moisés morreu, Josué passou a guiar o povo no deserto ruma à terra prometida. Na Bíblia está escrito que Deus enviou o povo para uma terra onde manava leite e mel. Logo, essa terra nossa aqui nesse latifúndio da ex-usina Ariadnópolis é a terra prometida. Não é fácil a luta pela terra, mas Deus está conosco. Quem poderá nos vencer, se Deus está do nosso lado?”
Obed Vieira de Jesus, camponesa assentada no Assentamento Nova Conquista II no latifúndio da ex-usina Ariadnópolis, afirmou: “Com fé em Deus e no MST, que somos nós povo do campo, nós não vamos mais ser despejados”. Getúlio Lopes do Nascimento, 61 anos, Sem Terra, atualmente assentado no Assentamento Dom Luciano, recorda: “Há muito que procuro um lugarzinho para a gente ficar sossegado, sem ser empurrado ou pisado, até Deus mandar chamar. A melhor alternativa é o caminho que nós estamos seguindo, primeiro, com Deus; depois, com o MST”. Feliz pela conquista do primeiro assentamento no município de Salto da Divisa, no Baixo Jequitinhonha, MG, no momento da oficialização do Assentamento Dom Luciano Mendes, Irmã Geraldinha exclama: “A ‘reforma agrária’ chegando a Salto da Divisa está chegando a libertação dos filhos de Deus, dos pobres dessa terra.  Graças a Deus, estou viva aqui, pois foram tantas ameaças de morte”.
Não apenas na luta pela terra aparece a dimensão religiosa das pessoas como forte fator de mobilização e de envolvimento com a luta, mas na luta por todos os direitos fundamentais, no meio do povo, é marcante a dimensão de fé das pessoas. Ignorar a dimensão de fé das pessoas nas lutas sociais é uma burrice sem tamanho. No Brasil, a dimensão religiosa das pessoas tem sido uma questão política muito séria. Todas as pessoas envolvidas em lutas por direitos sociais e ambientais precisam estudar, compreender e lidar de uma forma respeitosa com a dimensão de fé das pessoas. O diálogo é o caminho e jamais ignorar ou menosprezar a dimensão de fé das pessoas. Nesse sentido, sugiro a leitura do livro “Teologias da Libertação para nossos dias”, de Marcelo Barros, Ed. Vozes, 2019.
Necessário se faz estudar sociologia da religião a partir da perspectiva marxista para lançarmos luzes teóricas sobre o peso e a influência da religião na consciência e na ação prática da classe trabalhadora e do campesinato, a opressão nas diversas religiões e especificamente na imensa variedade de igrejas cristãs, o enorme poder das igrejas eletrônicas (neo)pentecostais na vida das/os trabalhadoras/es na cidade e dos camponeses no campo, a corrosão que movimentos religiosos espiritualizantes, moralistas e intimistas das igrejas promovem diariamente nas relações sociais.
O que é ou o que deve ser Religião? Segundo a etimologia da palavra, o termo ‘religião’ vem do latim re-ligarere-legerere-eligere. Assim, segundo a Teologia da Libertação, para quem acredita em um Deus e, por isso, segue uma religião, religião diz respeito a religar a pessoa humana com Deus, com o outro (o próximo, alteridade), com o nosso eu profundo e com todos os seres vivos da biodiversidade. Nesse sentido, para quem é adepto de alguma religião, a religião integra a pessoa na grande comunidade da vida, guia até o mais profundo de si mesmo, seus medos e sonhos, suas forças e fraquezas. Entretanto, a história da humanidade está recheada de religiões enquanto instituições cúmplices dos poderes opressivos. Uma religião institucional tem sacerdotes, funcionários, dogmas, doutrina e hierarquia. Com a institucionalização das religiões, o espírito original ético e promotor de sociabilidade com respeito à alteridade acaba sendo abafado. O que deveria ser instrumento de emancipação humana torna-se instrumento de opressão, de legitimação da ordem estabelecida opressora/injusta.
Enfim, a dimensão religiosa das pessoas, dependendo da forma como é vivenciada, pode mobilizar para lutas libertárias ou pode estilhaçar lutas necessárias.

Referência.
MOREIRA, Gilvander Luís. Mística evangélica do compromisso com os pobres, p. 85-102. In: RHEMA Revista de Filosofia e Teologia do Instituto Teológico Arquidiocesano Santo Antônio, v. 8, n. 29, 2002.

BH, MG, 11/02/2020.

Obs.: Os filmes e vídeos nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado acima.
1 - Acampamento Dom Luciano, do MST, tomando posse da Fazenda Monte Cristo, em Salto da Divisa. 22/10/14



2 - Acampamento Dom Luciano, do MST, em Salto da Divisa, MG, festeja conquista da Fazenda Monte Cristo



3 - Palavra Ética, na TVC/BH: frei Gilvander-Acampamento Dom Luciano/MST, Salto da Divisa/MG. 22/09/14






[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

domingo, 9 de fevereiro de 2020

Clamor dos Sem Moradia adequada diante da Prefeitura de Belo Horizonte, MG. Junto com o MLB, luta. Vídeo 9


Clamor dos Sem Moradia adequada diante da Prefeitura de Belo Horizonte, MG. Junto com o MLB, luta. Vídeo 9 - 06/2/2020


Dia 06/02/2020, em Belo Horizonte, MG, centenas de pessoas das Ocupações Urbanas e áreas atingidas pela Injustiça Urbana reinante, injustiça revelada pelas chuvas nas últimas semanas em Belo Horizonte e região metropolitana, protestaram diante do Palácio do Governador de Minas Gerais, na Praça da Liberdade, marcharam em todas as ruas da Praça da Liberdade e foram marchando até a Prefeitura de Belo Horizonte à Avenida Afonso Pena. Mesmo debaixo de chuva constante, o povo na arredou o pé da luta e cobrou do Governador de MG, Romeu Zema, e do prefeito de BH, Alexandre Kalil, investimentos em política habitacional séria, idônea e participativa. Não basta reconstruir só o asfalto de BH. É preciso reconstruir as condições de vida de milhares de famílias que perderam tudo: casa, móveis etc. Dos quase 60 mortos em MG a maioria é de Belo Horizonte e região metropolitana. Basta do poder público administrar a cidade priorizando o mercado idolatrado e, com isso, empurrar cada vez mais o povo para áreas de risco. Exigimos governos que de fato governem para quem mais precisa: a classe trabalhadora. Mesmo tendo sido protocolado com vários dias de antecedência Ofício pedindo reunião com o Governo de MG e com o prefeito Kalil, o povo não foi atendido nem no Palácio da Liberdade e nem na prefeitura.
A culpa não é da chuva e nem de Deus. A culpa é dos capitalistas e do Estado que governa segundo os ditames da classe dominante e, por isso, empurra o povo para a cruz do aluguel, para a humilhação que é sobreviver de favor ou em áreas de riscos. Basta de injustiça agrária! Basta de injustiça urbana! Basta de injustiça social!

Josiane, da coordenação da Ocupação Helena Greco, na Izidora, em Belo Horizonte, MG, em luta do MLB e Atingidos pela Injustiça Social, revelada pela irmã chuva, dia 06/2/2020. Foto: frei Gilvander

*Videorreportagem de frei Gilvander, da CPT, das CEBs e do CEBI. Filmagem e edição de frei Gilvander. Belo Horizonte, MG, 06/02/2020.
*Inscreva-se no You Tube, no Canal Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos, no link: https://www.youtube.com/user/fgilvander, acione o sininho, receba as notificações de envio de vídeos e assista a diversos vídeos de luta por direitos sociais. Se assistir e gostar, compartilhe. Sugerimos.

sábado, 8 de fevereiro de 2020

MLB e atingidos pela injustiça urbana ("Chuvas") lutam em Belo Horizonte, MG, por moradia. Vídeo 1

MLB e atingidos pela injustiça urbana ("Chuvas") lutam em Belo Horizonte, MG, por moradia. Vídeo 1 – 06//02/2020



Dia 06/02/2020, em Belo Horizonte, MG, centenas de pessoas das Ocupações Urbanas e áreas atingidas pela Injustiça Urbana reinante, injustiça revelada pelas chuvas nas últimas semanas em Belo Horizonte e região metropolitana, protestaram diante do Palácio do Governador de Minas Gerais, na Praça da Liberdade, marcharam em todas as ruas da Praça da Liberdade e foram marchando até a Prefeitura de Belo Horizonte à Avenida Afonso Pena. Mesmo debaixo de chuva constante, o povo na arredou o pé da luta e cobrou do Governador de MG, Romeu Zema, e do prefeito de BH, Alexandre Kalil, investimentos em política habitacional séria, idônea e participativa. Não basta reconstruir só o asfalto de BH. É preciso reconstruir as condições de vida de milhares de famílias que perderam tudo: casa, móveis etc. Dos quase 60 mortos em MG a maioria é de Belo Horizonte e região metropolitana. Basta do poder público administrar a cidade priorizando o mercado idolatrado e, com isso, empurrar cada vez mais o povo para áreas de risco. Exigimos governos que de fato governem para quem mais precisa: a classe trabalhadora. Mesmo tendo sido protocolado com vários dias de antecedência Ofício pedindo reunião com o Governo de MG e com o prefeito Kalil, o povo não foi atendido nem no Palácio da Liberdade e nem na prefeitura.
A culpa não é da chuva e nem de Deus. A culpa é dos capitalistas e do Estado que governa segundo os ditames da classe dominante e, por isso, empurra o povo para a cruz do aluguel, para a humilhação que é sobreviver de favor ou em áreas de riscos. Basta de injustiça agrária! Basta de injustiça urbana! Basta de injustiça social!

Ocupações organizadas pelo MLB na luta por moradia, mesmo debaixo de chuva, em Belo Horizonte, MG, contra Injustiça Urbana e social que a irmã chuva revela, dia 06/02/2020. Foto: Divulgação / MLB
*Videorreportagem de frei Gilvander, da CPT, das CEBs e do CEBI. Filmagem e edição de frei Gilvander. Belo Horizonte, MG, 06/02/2020.
*Inscreva-se no You Tube, no Canal Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos, no link: https://www.youtube.com/user/fgilvander, acione o sininho, receba as notificações de envio de vídeos e assista a diversos vídeos de luta por direitos sociais. Se assistir e gostar, compartilhe. Sugerimos.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Acampamento Pátria Livre, do MST, em São Joaquim de Bicas, MG: Luta e resistência / Qualidade de vida / Despejo, não! Vídeo 5


Acampamento Pátria Livre, do MST, em São Joaquim de Bicas, MG: Luta e resistência / Qualidade de vida / Despejo, não! Vídeo 5 - 26/1/2020


Acampamento Pátria Livre, do MST, em São Joaquim de Bicas, MG: Luta e resistência por terra, moradia, dignidade. DESPEJO, NÃO! No dia 5 de julho de 2018, centenas de famílias Sem Terra ocuparam uma área improdutiva de Eike Batista (preso por corrupção), em São Joaquim de Bicas, região metropolitana de Belo Horizonte (MG). Com 259 famílias, hoje o acampamento Zequinha é um exemplo de luta, resistência e produção! O nome do acampamento é uma homenagem a José Nunes (o Zequinha), importante companheiro na construção do MST em MG, que faleceu em 22 de junho de 2018. A área ocupada era uma propriedade abandonada sem cumprir função social. O Acampamento Zequinha está em plenonco desenvolvimento com grande produção de alimentos saudáveis na linha da agroecologia, em hortas comunitárias e nos quintais, além de áreas de plantação de milhão, feijão, mandioca, banana etc. No acampamento as pessoas vivem com mais saúde, entusiasmo e esperança, convivem em harmonia, trabalham com alegria. Dia 30/01/2020, haverá audiência de conciliação no Fórum Lafaiete, em Belo Horizonte, sob a presidência do juiz da Vara Agrária. O povo dos três Acampamentos inspecionados pelo juiz da Vara Agrária – Maria da Conceição, Zequinha e Pátria Livre - está determinado a não aceitar despejo. Esperamos que o poder judiciário seja sensato e que reconheça a constitucionalidade dessas lutas pela terra, por moradia e por dignidade humana e ambiental. OBS.: Na quinta-feira, 30 de janeiro de 2019, as audiências de conciliação dos acampamentos Maria da Conceição, Pátria Livre e Zequinha, realizadas em Belo Horizonte, terminaram com a suspensão do processo judicial por três meses. Nesses Acampamentos vivem cerca de 1550 famílias que retiram o seu sustento da produção orgânica.

Escola estadual no Acampamento Pátria Livre, em São Joaquim de Bicas, do MST. Foto: Mari Rocha

*Videorreportagem de frei Gilvander, da CPT, das CEBs e do CEBI. Edição de Nádia Oliveira. São Joaquim de Bicas, MG, 26/1/2020.
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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Caminhada de fé e luta na I Romaria pela Ecologia Integral a Brumadinho, MG. Vídeo 7

Caminhada de fé e luta na I Romaria pela Ecologia Integral a Brumadinho, MG. Vídeo 7 - 25/1/2020.



Dia 25/01/2020 aconteceu em Brumadinho, MG, a 1ª Romaria da Arquidiocese de Belo Horizonte pela Ecologia Integral a Brumadinho. Um sábado, das 8 horas às 21 horas aconteceu a Romaria: a) Celebração da Palavra às 8h30 no Santuário Nossa Senhora do Rosário; b) três missas: No Córrego do Feijão, na Igreja de São Sebastião e às 17h no Santuário em Brumadinho a missa de conclusão da Romaria; c) Acolhida no Letreiro da entrada de Brumadinho; Marcha até à Ponte do Rio Paraopeba; d) Ato das Famílias no Letreiro às 12h28; e) Almoço comunitário; f) Marcha do Movimento dos Atingidos por Barragens, de Pompéu a Brumadinho, de 20 a 25/01/2020, 300 quilômetros, passando por várias comunidades ribeirinhas do Paraopeba; g) Dois Momentos Culturais com vários artistas se apresentando gratuitamente, por amor ao próximo. Foi arte, poesia, música, teatro – cultura popular – fortalecendo a luta justa, necessária e urgente por Justiça Socioambiental; h) Lançamento do Livro Brumadinho – 25 é todo dia, de Dom Vicente Ferreira, Ed. Expressão Popular, um livro que dá voz aos atingidos pelo crime da Vale e do Estado, questiona com prosa e poesia o sistema minerário criminoso que causa tantos danos socioambientais, um grito que virou escrito e ecoará até que reparação integral aconteça. Livro de leitura atenta indispensável.

Sara (do MAM), Sônia Oliveira (das CEBs e do Conselho de Leigos/as), Dom Vicente Ferreira e frei Rodrigo Peret na I Romaria da Arquidiocese de Belo Horizonte pela Ecologia Integral a Brumadinho, MG, dia 25/01/2020. Foto: Divulgação/ Redes Digitais

Videorreportagem de frei Gilvander Moreira, da CPT, CEBs, CEBI, SAB e assessoria de Movimentos Sociais.
*Filmagem e Edição: frei Gilvander Brumadinho, MG, 25/01/2020.
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#FreiGilvander #EcologiaIntegral

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Livro do Deuteronômio - Mês da Bíblia/2020: Pistas para uma leitura sensata e libertadora, por Rafael, do CEBI (Entrevista completa)


Livro do Deuteronômio - Mês da Bíblia/2020: Pistas para uma leitura sensata e libertadora, por Rafael, do CEBI (Entrevista completa)



(Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos - www.cebi.org.br ) –
*Videorreportagem de frei Gilvander, da CPT, das CEBs e do CEBI, produzido na Casa de Encontros do CEBI, em Ribeirão das Neves, MG, ao final de dois dias de encontro de formação bíblica, a partir do livro do Deuteronômio, livro do Mês da Bíblia/2020. Ribeirão das Neves, MG, 02 de fevereiro de 2020. Edição de Nádia Oliveira.

Rafael Rodrigues, da direção nacional do CEBI, sendo entrevistado por frei Gilvander Moreira e Julieta Amaral sobre o Livro do Deuteronômio, que será o livro do mês da Bíblia em 2020, dia 02/02/2020. Foto: Videorreportagem de frei Gilvander
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#FreiGilvander #Cebi

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Mineração criminosa: ‘mais do mesmo’ até quando?


Mineração criminosa: ‘mais do mesmo’ até quando?
Por Gilvander Moreira[1]

Mina Córrego do Feijão, da mineradora Vale, Brumadinho, MG, onde aconteceu crime doloso e tragédia que matou 272 pessoas e apunhalou de forma mortal o Rio Paraopeba. Foto: Amadeu Barbosa

Dia 25 de janeiro de 2020 completou-se um ano do crime tragédia da mineradora Vale e do Estado em Brumadinho, crime que continua impune e crescendo. Crime doloso (qualificado, com intenção de matar), segundo o Ministério Público de Minas Gerais, que, dia 21 de janeiro, até que enfim, denunciou criminalmente a Vale e empresa Tuv Sud por gravíssimos crimes ambientais e 16 funcionários da Vale e da Tuv Sud por homicídio doloso. Esperamos que o poder judiciário não demore 10 ou 15 anos para julgar e condenar os criminosos. O crime não é só da Vale, é também do Estado, porque o licenciamento ambiental foi concedido pelo Governo de Minas Gerais que, em conluio com o capital, se ajoelha diante do poderio econômico e dribla todos os argumentos técnicos e jurídicos suficientes para não conceder licenciamento ambiental a grandes empreendimentos econômicos extremamente devastadores socioambientalmente. Pior, não fiscaliza. Uma funcionária da FEAM (Fundação Estadual do Meio Ambiente) disse em uma das audiências da CPI das mineradoras Vale e MBR, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, em 2004: “Nós do Governo apenas lemos os relatórios que funcionários das mineradoras nos apresentam. O Estado não tem funcionários para fiscalizar in loco”. A verdade é que o Estado está acumpliciado ao capital desde que se iniciou há 300 anos mineração no estado de Minas Gerais.
Uma espada de dor transpassou e continua transpassando o coração de milhares de pessoas, tal como a mãe de Erídio Dias, sobrevivente do crime da VALE/SAMARCO/BHP em Mariana, que era morador da Ocupação-Comunidade Dandara, em Belo Horizonte, e há cinco meses trabalhava como soldador na mina de Córrego do Feijão, como trabalhador terceirizado da Vale. Até parte do corpo do seu filho ser encontrado no meio da lama tóxica, com 74 anos e adoentada, vivendo em Sem Peixe, no interior de Minas, a mãe de Erídio telefonava todos os dias para os filhos em Belo Horizonte, perguntando: “Que dia a Vale e o Estado entregarão o corpo do meu filho Erídio para ser sepultado aqui em Sem Peixe?”. Onze pessoas martirizadas em Brumadinho ainda não foram encontradas. Exigimos a continuidade das buscas até que se encontrem todos os corpos para que as famílias tenham o direito de sepultar seus entes queridos. A Vale sepultou 272 pessoas vivas. Essa barbárie dói demais! Uma criança de três anos, que ficou órfã de mãe, pergunta toda hora: “Cadê mamãe? Por que ela está demorando a chegar? Ela deve estar com fome”. Com fome de justiça estamos todos nós, não apenas atingidos, mas golpeados por esse crime planejado e realizado com requintes de crueldade.
Palco inicial do genocídio da Vale, com licença do Estado, o Córrego do Feijão, em Brumadinho, ganhou esse nome porque era uma região rica na produção de feijão, de hortaliças, cereais e hortifrutigranjeiros que abastecia grande parte de Belo Horizonte e região metropolitana. Antes das mineradoras invadirem o território de Córrego do Feijão, era comum ver muitos carros de bois transportando feijão e uma grande quantidade de outros alimentos saudáveis produzidos sem agrotóxicos em regime de agricultura familiar. Conta-se que certo dia, um carro de boi, carregado de feijão, tombou em uma ponte ao atravessar o córrego. Por isso, o lugar passou a se chamar Córrego do Feijão. Mesmo sob o massacre que as mineradoras perpetram cotidianamente, Brumadinho ainda é o 2º maior produtor de cítricos de Minas Gerais. Isso nos mostra que a vocação de Brumadinho e região não é a mineração, mas é a agricultura familiar com produção de alimentos saudáveis.
As águas da bacia do Rio Paraopeba garantiam 50% do abastecimento de Belo Horizonte e região metropolitana, por meio das barragens nos rios Betim e Manso, e em barragem no ribeirão Serra Azul, sendo esses rios três afluentes do Rio Paraopeba que formam os três reservatórios que compõem o Sistema Paraopeba: Sistema Vargem das Flores, Sistema Rio Manso e Sistema Serra Azul, respectivamente. E agora, onde arrumar água para garantir o abastecimento de cinco milhões de pessoas de Belo Horizonte e região metropolitana? A COPASA[2] investiu 130 milhões de reais para captar água do Rio Paraopeba em uma grande obra inaugurada em dezembro de 2015, prometendo que a obra garantiria o abastecimento de BH e região metropolitana pelos próximos 25 anos. Tudo isso foi perdido. Em negociação com o Ministério Público e Poder Judiciário, de forma não transparente (pois os moradores locais e especialistas independentes questionam a eficácia desta obra), a Vale está construindo uma nova captação de água no Rio Paraopeba, acima do local do crime. Para isso está sacrificando também o território da comunidade de Ponte das Almorreimas. Ou seja, um crime gera outros crimes e assim o crime cresce, sob a égide de se tratar de uma ação “emergencial”. Por oportunismo e postura técnica questionável das partes envolvidas, a Vale aproveita para se apropriar de mais um território ambicionado outrora por possuir potencial aurífero. 
Os territórios cobiçados pelas empresas mineradoras são ao mesmo tempo ferríferos e aquíferos. Após invadirem esses territórios, as mineradoras escorraçam suas populações, utilizando várias artimanhas, propaganda enganosa e discursos tecnocráticos, muitas das vezes, e para variar, com a anuência do estado e do judiciário. Onde há muito minério há também muita água. O Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais, é também um Quadrilátero Aquífero, lugar de condições de vida e de gentes, histórias e de múltiplos significados. Os lugares onde as mineradoras se instalam eram paraísos naturais, mas após a invasão das mineradoras inicia-se um processo absurdo que sacrifica no altar do deus do mercado a dignidade humana e a dignidade da mãe terra, da irmã água, da flora e da fauna. O crime da Vale e do Estado também foi um atentado contra o Espírito do Deus da vida. Da perspectiva bíblica e teológica, é preciso recordar que toda a criação – os seres humanos, a fauna, a flora e os biomas - é sagrada. A terra é mãe e a água é irmã. “Água, fonte de vida” foi o lema da Campanha da Fraternidade de 2004. “O Espírito de Deus está nas águas”, diz o segundo versículo da Bíblia (Gênesis 1,2). O Espírito vivificador não apenas paira sobre as águas, mas permeia e perpassa as águas. Logo, matar as nascentes, os córregos e os rios é cometer um pecado contra o Espírito Santo, pecado capital que não tem perdão. Integrantes do sistema capitalista, os megaprojetos de mineração são projetos satânicos e diabólicos, que, como o dragão do Apocalipse (Apocalipse 12) cospe fogo e devora tudo o que encontra pela frente. Antes de serem cooptadas pelo Império Romano e pelo imperador Constantino, as Primeiras Comunidades Cristãs se regiam por um Código de Ética que alertava às pessoas cristãs que trabalhar em instituições que reproduzissem o sistema escravocrata do império romano era algo imoral. Um cristão não podia, por exemplo, ser soldado e nem militar do império romano, pois estaria, na prática, reproduzindo um sistema idólatra. É ético trabalhar para uma empresa que reproduz um sistema de morte?
Basta de medidas paliativas e emergenciais! São necessárias medidas radicais – que vão à raiz da injustiça - que mexam na engrenagem da guerra que as grandes mineradoras, com a cumplicidade do Estado, estão promovendo contra todos e tudo. Desde os primeiros dias, após o início da tragédia crime doloso, em 25 de janeiro de 2019, já defendíamos como justo e necessário: a) a prisão preventiva imediata do Presidente da VALE, dos Diretores da VALE, das autoridades dos Governos que autorizaram o funcionamento da mina e dos responsáveis pela licença da mina do Córrego do Feijão; b) o confisco dos bens da Vale para aplicar nas áreas sociais e em urgente projeto de reflorestamento das bacias dos rios Doce e Paraopeba; c) suspensão de todas as licenças ambientais por tempo indeterminado da mineração em Minas Gerais e em todo o país até que se faça uma avaliação independente e imparcial que viabilize reabrir apenas as minas que têm garantias idôneas de que não haverá rompimento de barragens de rejeitos de minério. No entanto, tripudiando sobre as vítimas, o Governo de Minas já autorizou o retorno da mineração da mineradora VALE/SAMARCO/BHP em Mariana, aprovou a construção da barragem de Maravilhas 3 da Vale, o alteamento da Barragem da mineradora Anglo American, em Conceição do Mato Dentro, à revelia da Lei “Mar de Lama”, de iniciativa popular,  aprovada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais - Lei Estadual nº 23.291/2019.  Assim, o sistema minerário em Minas Gerais segue sendo criminoso e, sem abrir mão da acumulação de capital, insiste em apresentar falsas soluções que são ‘mais do mesmo’. Até quando?

BH, MG, 04/02/2020.

Obs.: Os filmes e vídeos nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado acima.




2 – Vidas barradas



3 - Vale sacrificando o território de Ponte das Almorreimas, em Brumadinho, MG: violência! Vídeo 1 – 26/12/2019.



4 - "Vale comete crime e nós é que pagamos?" Ponte das Almorreimas, Brumadinho, MG. Vídeo 2 - 26/12/2019.



5 - "Vale pode tudo e compra todos?" (Cláudia). E Dom Vicente: Ponte das Almorreimas, Brumadinho/MG. Vídeo 3 – 26/12/2019.



6 - Dom Vicente: "Sistema minerário é criminoso". Vale na Ponte das Almorreimas, Brumadinho/MG. Vídeo 4 – 26/12/2019.



7 - Dom Vicente: "Não espere outra barragem romper". Vale na Ponte das Almorreimas/Brumadinho/MG Vídeo 5 – 26/12/2019.





[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Companhia de Saneamento de Minas Gerais.