segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Dom José Maria Pires, aos 98 anos, partiu para a vida em plenitude.

Dom José Maria Pires, aos 98 anos, partiu para a vida em plenitude.
Por frei Gilvander Luís Moreira[1]

Arcebispo emérito da Paraíba, dom José Maria Pires, faleceu aos 98 anos, na noite de ontem, dia 27 de agosto de 2017, em Belo Horizonte, MG. Nascido em 15 de março de 1919, no distrito de Córregos, no município de Conceição do Mato Dentro, MG, teve trajetória marcada pela defesa dos negros, dos empobrecidos, dos camponeses, das comunidades de periferia, enfim de todos os oprimidos. Foi bispo de Araçuaí, MG, membro da Comissão Central da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), presidente da Comissão Episcopal Regional do Nordeste, escritor e um dos poucos sacerdotes que participaram do Concílio Vaticano II, de 1962 a 1965. Também se posicionou com firmeza na defesa dos Direitos Humanos fundamentais ao lado dos que lutavam pela superação da ditadura militar-civil-empresarial, iniciada em 31 de março de 1964, mas sem perder a destreza que tinha para buscar o diálogo com os opressores. Dom José Maria Pires era também conhecido como dom Zumbi, por ser um dos poucos bispos negros no Brasil.
Dom José Maria Pires foi o quarto Arcebispo da Paraíba. Transferido para João Pessoa, PB, em 1965, ficou mais próximo de dom Helder Câmara, um aliado intrépido na luta pelos Direitos Humanos e contra todo tipo de opressão. Teve participação valiosa na luta pela terra na Paraíba, ao defender camponeses na luta pela reforma agrária, ao lado dos agentes de pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Participante ativo da luta pelos direitos dos negros, em 2013, publicou o livro “A cultura religiosa afro-brasileira e seu impacto na cultura universitária”. Dom Zumbi foi um grande incentivador e apoiador das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), das Pastorais Sociais e de Movimentos Sociais Populares. No 12º Intereclesial das CEBs, em Porto Velho, Rondônia, em 2012, dom Zumbi fez um pronunciamento a partir da sua experiência pastoral e profética denunciando o racismo e a escravidão do povo negro que perdura há séculos no Brasil.
Tornou-se arcebispo emérito e voltou a ser pároco de Córregos e Santo Antônio do Norte, no Vale do Jequitinhonha, desde 1995, onde se dedicou também a um projeto de geração de renda para centenas de famílias carentes dessa região. Nos últimos anos, residia na Arquidiocese de Belo Horizonte em casa dos padres Jesuítas.
“Homem de cabeça arrumada”, segundo dom Antônio Fragoso – outro bispo comprometido com a opção pelos pobres -, dom José Maria Pires deixa para nós e para as próximas gerações um legado espiritual profético imenso. Seu exemplo de testemunho profético e de bom pastor permanecerá vivo em nós na luta pela construção de uma sociedade justa, solidária, ecumênica e sustentável ecologicamente.
Obs.: O velório de Dom José Maria Pires será nessa segunda-feira, dia 28/8/2017, na Paróquia Nossa Senhora das Dores, bairro Floresta, em Belo Horizonte, por volta das 10h30, com Celebração Eucarística às 12h, presidida pelo arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, dom Walmor Oliveira de Azevedo. O sepultamento será na Paraíba.





[1] Padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutor em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, do CEBI, de CEBs, do SAB e Movimentos Sociais Urbanos; e-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br - www.twitter.com/gilvanderluis  – Facebook: Gilvander Moreira III

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Dom Oscar Romero, o arcebispo que enfrentou o império.

Dom Oscar Romero, o arcebispo que enfrentou o império.
De Juan José Tamayo[1], tradução de frei Gilvander Luís Moreira.


Em 15 de agosto de 2017, se celebra o centenário do nascimento de Oscar A. Romero, arcebispo de San Salvador, capital de El Salvador, assassinado por um francoatirador sob as ordens do major Roberto D'Aubuisson em 24 de março de 1980 enquanto celebrava a missa na capela do Hospital da Divina Providência no bairro Miramonte, que eu visitei muitas vezes para manter viva a memória do profeta salvadorenho da libertação.
Durante as três décadas após seu assassinato em setores eclesiásticos -dominados - pelo conservadorismo - e políticos - sob o partido direitista ARENA, em cúmplice aliança, em El Salvador um véu de silêncio se estendeu sobre a figura de Dom Oscar Romero e se esqueceu o legado profético de seu cristianismo libertador e seu compromisso com as maiorias populares.
Durante todo esse tempo Romero viveu em uma espécie de clandestinidade eclesiástica, sempre rejeitado pela maioria dos bispos salvadorenhos e boa parte dos padres do país e um esquecimento freudiano por parte das altas autoridades do Vaticano. O próprio arcebispo de San Salvador de 1995 a 2008, o espanhol Fernando Saenz Lacalle, um membro da Opus Dei e general das Forças Armadas de El Salvador, colocou todos os obstáculos para que Romero não foi elevado reconhecido como santo mártir.
Pronunciar o nome de Romero foi proibido em muitos desses setores. Poucos eram os movimentos e pessoas que se declararam seus seguidores de Romero em El Salvador. Houve, no entanto, honrosas exceções e muito significativas. Por exemplo, o arcebispo auxiliar de San Salvador Rosa Chavez, a quem o Papa Francisco nomeou como Cardeal, talvez em reconhecimento por manter viva a memória de Romero; a Universidad Centro-americana "José Simeón Cañas" (UCA); Teólogos Jon Sobrino e Ignacio Ellacuría, assassinados em 1989; Fundação Monsenhor Romero; Comité de Solidariedade Dom Romero e alguns outros.
Os Papas João Paulo II (1979-2005) e Bento XVI (2005-2013) contribuíram em boa parte com seus receios para esta marginalização. Tivemos que esperar o Papa Francisco para devolver o reconhecimento que Romero merece como um mártir da justiça e testemunho do Evangelho. Agora Romero está na boca de todos e é o objeto de culto popular. Mas eu acho que está falsificando a sua verdadeira personalidade, como muitos temiam uma vez que foi elevado aos altares. A imagem que está se espalhando é a de um bispo piedoso, devoto da Virgem Maria, milagreiro, fiel a Roma. Não questiono sua devoção, mas não era a face enfatizada durante os três anos como arcebispo de San Salvador, e nem a principal função exercida muito menos a razão para seu assassinato.
Urge resgatar a figura profética e libertadora de Dom Oscar Romero, sua dimensão política subversiva, seu permanente enfrentamento ao Governo da Nação, a quem acusou de ser responsável pela repressão sangrenta e mortal e até mesmo de estar fazendo um grande mal ao país; à oligarquia, que ele acusou de invadir a terra que pertencia a todos e camponeses assassinados, estudantes, trabalhadores, professores, etc.; às forças armadas e de segurança, que os acusaram de semear morte e destruição; ao Major D'Aubuisson, que qualifica como falacioso, mentiroso e distorcedor da realidade.
Aí estão para demonstrar os seus sermões evangélico-políticos, todos os domingos, contra a idolatria da riqueza, que ele considerava o maior perigo para o país, e contra a injustiça social, que era segundo seu juízo, a verdadeira razão para o mal estar do povo e a causa da violência. Deve-se lembrar do último sermão que fez em 23 de Março de 1980, na catedral, um dia antes de seu assassinado: "Em nome de Deus ... e em nome deste povo sofrido cujos gritos sobem para o céu a cada dia mais tumultuado, lhes suplico, lhes peço, eu lhes ordeno, em nome de Deus: Pare a repressão".
Romero também ousou enfrentar o império. Sim, o Império norte-americano. Ele o fez através de uma carta dirigida ao presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, em 17 de fevereiro de 1980, quando ele ficou sabendo que os Estados Unidos iriam enviar ajuda econômica e militar à Junta de Governo de El Salvador. “Essa ajuda, disse a Carter, longe de "promover uma maior justiça e paz em El Salvador certamente agudizará a injustiça e a repressão contra o povo organizado muitas que luta para que sejam respeitados seus direitos humanos fundamentais".
Na carta, Romero acusava a Junta de Governo, as Forças Armadas e órgãos de segurança salvadorenhos de terem recorrido à violência repressiva produzindo um saldo de mortos e feridos muito maior do que os regimes militares anteriores. Por isso, Romero pediu a Carter para não permitir tal ajuda militar ao governo salvadorenho e exigiu que os Estados Unidos não interviesse direta e nem indiretamente, com pressões militar, diplomática, econômica, etc. na autodeterminação do destino do povo salvadorenho. A carta foi descrita como "devastadora" por um membro do governo dos EUA.
37 anos depois de seu assassinato, ainda está se perguntando por que Oscar Romero foi assassinado. Concordo com o professor de filosofia na UCA, Carlos Molina: "Não era por defender os direitos da Igreja frente ao poder secular, mas por se colocar ao lado dos pobres, esses que tanto o poder secular como as igrejas tinham explorado, oprimido e excluído [...] por ter assumido a profecia utópica de que era a única resposta diante dos falsos deuses que ceifavam a vida do povo e assim se tornou seu inimigo".
Os múltiplos enfrentamentos que Oscar Romero travou diante de atores políticos e militares, de influência nacional e internacional, levaram ao seu assassinato, o que pode ser descrito como crônica de uma morte anunciada. Sua autoridade moral, tanto em El Salvador como em nível mundial, desafiava a aliança Governo-Exército-Oligarquia-EUA. Acrescente-se a isso o baixo reconhecimento que Romero tinha no Vaticano e na hierarquia de seu país, a sentença estava pronunciada: "Romero é réu de morte".
Sua memória em algo tão efêmero como o centenário do seu nascimento é um exercício de memória histórica diante do esquecimento injusto, o reconhecimento de sua coerência moral em um clima de imoralidade institucional e a reabilitação de sua dignidade em uma situação de indignidade dos poderosos aliados para assassiná-lo.









[1] Diretor do Departamento de Teologia e Ciências das Religiões "Ignacio Elacuría". Charles III Universidade de Madri e diretor e co-autor de San Romero da América, mártir da justiça (Tirant lo Blanch, Valencia, 2015). Artigo publicado no Jornal El País, em 15 de agosto de 2017.
 

Ocupação Nova Cachoeira, em São José da Lapa, MG, a um passo da conquista da terra que ocupa há mais de 5 anos: vitória inspiradora para outras ocupações.

Ocupação Nova Cachoeira, em São José da Lapa, MG, a um passo da conquista da terra que ocupa há mais de 5 anos: vitória inspiradora para outras ocupações.


 Dia 8 de agosto de 2017, o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), moradores da Ocupação Nova Cachoeira, de São José da Lapa, MG e a Defensoria Pública de Minas Gerais se reuniram com o prefeito Diego Álvaro, da Prefeitura de São José da Lapa/MG, exigindo alternativa digna ao despejo, após o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), por meios dos desembargadores/as da 5ª Câmara Cível determinarem que deveria ser despejadas as 100 famílias que ocupam um terreno há mais de 5 anos, terreno que estava abandonado e ocioso há séculos. Os movimentos sociais e a coordenação da Ocupação Nova Cachoeira reiteraram a proposta feita há quase 2 anos atrás à prefeitura (ocupada pelo mesmo grupo político): desistir do processo judicial de reintegração de posse da parte da ocupação localizada em terreno público municipal e desapropriar o restante da ocupação localizada em dois terrenos reivindicados por pessoas privadas e urbanizar a ocupação, o que foi enfim aceito pelo prefeito de São José da Lapa, Diego Álvaro dos Santos Silva, do PT, que se comprometeu a realizar estes encaminhamentos. O problema ainda não está resolvido, pois os encaminhamentos para enterrar os injustos processos de reintegração de posse ainda não se concretizaram, mas estamos muito felizes com o que nos parece ser o início daquilo que sempre pretendemos: a ocupação urbana Nova Cachoeira ser reconhecida oficialmente pelas políticas públicas. Infelizmente em um país onde ainda reina a falta de política publica de habitação social, em conformidade com os interesses da burguesia, resultando em um déficit habitacional de quase 30 milhões de pessoas, a solução para a classe trabalhadora sem teto definitivamente é ocupar as terras ilegal e imoralmente vazias, sem função social e ao sabor da especulação. A ocupação Nova Cachoeira é exemplo de luta para outros milhares de famílias, quando, mesmo na iminência de despejada covardemente em dezembro de 2015, sem o apoio de nenhum político ou empresário, somente com suas próprias forças e com os movimentos sociais e a Defensoria Pública, resistiram bravamente. Só conquista quem luta coletivamente e não desiste da luta! Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito e um dever!

Obs.: O compromisso assumido pelo prefeito Diego, de São José da Lapa, MG, está na Ata assinada e na Reportagem em vídeo que frei Gilvander Moreira fez ao final da reunião, dia 08/8/2017, no link, abaixo:


Segue, abaixo, fotos da Ata.

Assinam esta nota:
Coordenação da Ocupação Nova Cachoeira,
Comissão Pastoral da Terra (CPT),

Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB).



ABSURDO! JUSTIÇA BRINCA COM A VIDA E ESPERANÇA DAS FAMÍLIAS DA COMUNIDADE PESQUEIRA DE CANABRAVA, EM BURITIZEIRO, MG.

ABSURDO! JUSTIÇA BRINCA COM A VIDA E ESPERANÇA DAS FAMÍLIAS DA COMUNIDADE PESQUEIRA DE CANABRAVA, EM BURITIZEIRO, MG.


Na manhã de ontem, dia 04 de agosto de 2017, por volta das 11h da manhã, as famílias pesqueiras da Comunidade Canabrava retornaram ao território em Buritizeiro/MG para recomeçarem das cinzas a reconstrução do seu modo de vida tradicional que está imbricado nas dinâmicas das águas do rio São Francisco. Diante da visita em lócus da Promotora de Justiça da comarca de Pirapora, Clara Maria Hohene Sepúlveda, juntamente com o delegado Diego e comitiva da Polícia Civil, os pescadores em meio a rezas e celebração retomaram a área decidindo permanecer no local para garantir o seu direito à moradia junto às margens do rio, se organizando inclusive para dar início à reconstrução das casas criminosamente derrubadas.
Entretanto, em meio à celebração e júbilo da comunidade pela retomada de seu território, por volta das 15:30hr a mesma promotora do Ministério Público retornou ao local para informar que as famílias já não mais poderão permanecer na área e que novamente terão que deixar o território pesqueiro devido a novo recurso judicial empreendido por parte do fazendeiro anulando a suspenção da reintegração de posse, o que torna novamente desfavorável a situação jurídica da luta destas famílias pela garantia de seu território. Tudo isso a despeito das negociações que vinham sendo feitas no âmbito da Mesa de Diálogo do Estado, além de uma visita previamente agendada pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU) com o objetivo de demarcação da área como de interesse da União.
A comunidade permaneceu acampada e denuncia a órgãos competentes e sociedade que o ambiente local e perigoso e tenso, hoje, antes das 6h00 da manhã veio um capanga, se identificando ser por parte da fazenda, em uma moto Honda Titan, placa DAC9026, dando voltas em torno das famílias acampadas.
Clama aos céus o fato de que a vida de famílias e seu acesso ao território tradicional pesqueiro que lhes é de direito, estejam ameaçados perante os interesses do poderio econômico do latifúndio.
Torna-se mais urgente do que nunca a intervenção da SPU no processo no sentido de demarcar a área de interesse federal onde se localiza a comunidade. Além disso, é fundamental que a Promotoria do Ministério Público da Comarca de Pirapora juntamente com as forças de segurança pública locais atuem no sentido de garantir a segurança das famílias e lideranças comunitárias ameaçadas pelos latifundiários e seus jagunços envolvidos no conflito.

Contatos para maiores informações:
(38) 37422237 CPP-MG email: cppmg@gmail.com
Letícia Aparecida Rocha (38) 99180 6051 ou 38 – 99824 5585


A Comunidade Quilombola dos Luízes clama por justiça e nos faz recordar ...

A Comunidade Quilombola dos Luízes clama por justiça e nos faz recordar ...
Por frei Gilvander Luís Moreira[1]


Dia 31 de julho último (2017), a Comunidade quilombola dos Luízes, em Belo Horizonte, MG, foi violentada nos seus direitos constitucionais pela Polícia Militar de Minas Gerais e por pessoas/empresas que insistem em invadir seu território. Arbitrariamente quatro pessoas quilombolas foram presas e conduzidas à delegacia simplesmente porque defendiam seu território. Na delegacia, os quilombolas ouviram palavras e gestos racistas e preconceituosos. Após mais de um século de invasão do seu território, a comunidade quilombola dos Luízes teve mais uma área sua invadida, tendo um cadeado sido quebrado, inclusive.
O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação  (RTID) da Comunidade Quilombola dos Luízes, de Belo Horizonte, MG, foi publicado no Diário Oficial da União no dia 14/6/2012 e republicado dia 15/6/2012. A Defensoria Pública da União (DPU), o Ministério Público Federal (MPF), advogados populares, Movimentos Sociais, a CPT e uma grande Rede de Apoio, sob o protagonismo da Comunidade Quilombola dos Luízes, lutarão sempre para que se estanque as invasões do território dos Luízes e que as partes do seu território invadidos sejam resgatados. Os direitos quilombolas estão inscritos na Constituição de 1988. Artifícios legais infraconstitucionais não podem sustentar apoio jurídico para agressores que insistem em invadir o território quilombola dos Luízes, quilombo centenário que existe na capital mineira desde o século XIX - antes de a capital de Minas ser transferida para onde está atualmente, criando as condições materiais objetivas para que o território do quilombo fosse invadido e amputado gradativamente durante mais de um século.

Os Luízes nos fazem recordar ...
Com a invasão dos europeus portugueses, o Brasil colonial foi organizado como uma empresa comercial para a produção de commodities para a exportação. Daí a exploração do pau-brasil, a produção de açúcar e café até os dias de hoje com as monoculturas da soja, do eucalipto e minério, quase tudo para exportação. “O Brasil colonial foi organizado como uma empresa comercial resultante de uma aliança entre a burguesia mercantil, a Coroa e a nobreza” (VIOTTI DA COSTA, 1999: 173). Milhões de negros foram escravizados, mas muitos se rebelaram e formaram quilombos, como os liderados por Zumbi dos Palmares e Dandara, no final do século XVII.
A exploração também atingiu o povo negro, nossos irmãos de sangue, que alimentaram com suor e vida a ganância e a opulência da nobreza lusitana. Nesse período, a resistência dos quilombos alterou a correlação de forças que obrigou uma das mais tardias ações da colonialidade no mundo: a libertação dos escravos com a lei áurea de 1.888 e o aprisionamento da terra 38 anos antes, por meio da Lei de Terras de 1.850, no Brasil imperial.
Mais do que omisso ou conivente, o Estado brasileiro tem sido cúmplice, sustentador e fomentador da iníqua estrutura fundiária reinante no Brasil. Grande parte dos conflitos de terra em Minas acontece em terras devolutas. Além das demandas das famílias sem-terra, existem no estado de Minas Gerais cerca de 800 áreas de remanescentes de quilombos que estão em processo de auto-reconhecimento, reivindicando titulação e demarcação. Apenas entre 2004 e 2007 foram reconhecidas pela Fundação Palmares, em Minas Gerais, 81 comunidades quilombolas.[2] Os conflitos envolvendo comunidades quilombolas – do movimento quilombola, outro movimento socioterritorial - na luta pela terra estão crescendo. Na noite do dia 23 de março de 2017, o casal quilombola Jurandir e Rosa foram torturados na Comunidade Quilombola de Marobá dos Teixeira, no município de Almenara. Dia 28 de julho último, um fazendeiro, seguranças armados e policiais invadiram o território quilombola de Brejo dos Crioulos, no norte de Minas Gerais, e tentaram expulsar famílias quilombolas. O território da Comunidade Quilombola de Mangueiras, também em Belo Horizonte, teve seu território invadido e a comunidade está resistindo em um território de apenas alguns hectares. O território quilombola de Matição, em Jaboticatubas, MG, também já teve grande parte do seu território invadido e grilado.
As elites brasileiras sempre estiveram atentas para exterminar com castigos cruéis os focos de insurreição precavendo-se, assim, para que bons exemplos de resistência dos povos oprimidos não se disseminassem pelo país. Por exemplo, seguindo ordem do governador da capitania de Minas Gerais, José Antônio Freire de Andrade, a expedição chefiada pelo paulista capitão-mor, capitão do mato, Bartolomeu Bueno do Prado, destruiu, com requinte de crueldade, um grande número de quilombos nas regiões do Alto Paranaíba, Triângulo Mineiro e Sudoeste de Minas Gerais, entre eles, em 1756, o quilombo do Rio Grande. Nina Rodrigues se refere à destruição do quilombo do Rio Grande como “circunstância bárbara e repugnante” pelo fato de, além da mortandade perpetrada, ter “Bartolomeu Bueno trazido como troféu da vitória 3900 pares de orelhas tiradas aos negros destroçados e mortos” (RODRIGUES, 1988: 96).
As comunidades quilombolas estão espalhadas por quase todo o território mineiro, em mais de 600 já com auto-reconhecimento.  No Brasil, a Fundação Palmares contabiliza a certificação de 2821 comunidades como remanescentes de quilombo rural ou urbano.[3]
A luz dos Luízes precisa continuar brilhando. A sociedade brasileira precisa pagar a imensa dívida histórica que tem com o povo negro. Basta de racismo e discriminação. O povo negro exige respeito, não quer apenas compaixão.

Referências.

CEDEFES (Org.). Comunidades quilombolas de Minas Gerais no século XXI: história e resistência. Belo Horizonte: Autêntica/CEDEFES, 2008.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Camponeses, indígenas e quilombolas em luta no campo: a barbárie aumenta. In: Conflitos no Campo Brasil 2015. Goiânia: CPT Nacional, p. 28-42, 2015.
RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1988.
VIOTTI DA COSTA, Emília. Da monarquia à república: momentos decisivos. 6ª edição. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999.





[1] Padre da Ordem os Carmelitas, bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP, mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto bíblico de Roma, Itália; doutor em Educação pela FAE/UFMG; assessor do CEBI, CEBs e SAB e integrante da coordenação da CPT/MG; www.gilvander.org.brwww.freigilvander.blogspot.com.brgilvanderlm@gmail.com – face: Gilvander Moreira III
[2] Cf. https://www.achetudoeregiao.com.br/mg/quilombolas.htm . Acesso dia 28/5/2016 às 12h13. Sobre história e resistência dos quilombolas em Minas Gerais, cf. CEDEFES (Org.). Comunidades quilombolas de Minas Gerais no século XXI: história e resistência. Belo Horizonte: Autêntica/CEDEFES, 2008.

[3] Informação de reportagem sobre a concessão de certificado para 14 comunidades quilombolas em seis municípios do Vale do Jequitinhonha, MG, dia 22/8/2016, disponível em http://www.agenciaminas.mg.gov.br/noticia/comunidades-rurais-do-jequitinhonha-recebem-certificacao-quilombola , acesso em 02/11/2016 às 17h28.