A prisão de Jobert Fernando é ilegal, injusta e perseguição a quem luta contra injustiças.

A prisão de Jobert Fernando de Paula é ilegal, injusta e perseguição a quem luta contra injustiças.
Por frei Gilvander Moreira, da CPT.


Dia 25 de setembro de 2015, ficamos indignados ao saber da prisão do companheiro lutador Jobert Fernando de Paula, trabalhador da CEMIG, sindicalista do SINDIELETRO, militante do Movimento Luta de Classes e do MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas). Jobert está preso no Ceresp de Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte, MG. Jobert foi preso como bode expiatório. Segundo o advogado Thales Viote Augusto é uma clara criminalização das ocupações urbanas. Um pátio de carros da prefeitura de Nova Lima, que fica ao lado de uma das ocupações urbanas, pegou fogo e querem incriminar alguém, preferencialmente que seja das ocupações. O caso tem um pano de fundo parecido com o que o juiz Sérgio Moro tem feito. Jobert foi preso para “confessar” ou entregar quem provocou o referido incêndio. Os advogados do Sindieletro estão atuando em prol de Jobert. “A prisão dele é arbitrária, pois do ponto de vista legal ele já poderia ter sido liberado”, afirma o advogado Thales Viote.
Em 2004, ano da Campanha da Fraternidade sobre Água, fonte de vida, ao criarmos o Movimento Capão Xavier Vivo, que lutou em defesa dos quatro mananciais de Capação Xavier – 10% do abastecimento público de Belo Horizonte -, contra a abertura da mina Capão Xavier, da Mineradora Vale, sofremos ameaças de morte e vimos de perto o coronelismo ainda reinante em Nova Lima. Apenas o vereador Octávio de Freitas teve a coragem de abraçar a luta contra a Mineração em Capão Xavier. Todos os outros vereadores de Nova Lima, prefeito e etc vociferavam na defesa das mineradoras MBR e Vale. Só a mineradora Vale se diz proprietária de 70% do território de Nova Lima, uma injustiça que brada aos céus. As Mineradoras Anglo Gold e outras vêm usando e abusando do território de Nova Lima e impondo seu poderio. Em Nova Lima, milhares de trabalhadores são vítimas da silicose, causada pelas mineradoras. Jobert, Anderson, o MLB, o Sindieletro, o povo das Ocupações urbanas e outras forças vivas estão questionando um monte de injustiças que continuam ocorrendo em Nova Lima. Por isso Jobert foi preso pela segunda vez dentro de dois meses. Jobert Fernando, preso político!
Em inúmeras lutas coletivas do Sindieletro, do MLB, das Ocupações urbanas e do Campo, do MST, do Movimento Quem Luta Educa e etc sempre Jobert estava presente. Eu conheço Jobert e sou testemunho da idoneidade, da ética e do caráter humanista dele. Jobert, um grande lutador, companheiro nosso de tantas lutas.
Estou indignado com a prisão injusta de Jobert, mais um companheiro de luta preso arbitrariamente. Bem dizia Jesus de Nazaré: “Feliz quem tem fome e sede de justiça, porque será saciado” (Mt 5,6). Jobert tem fome e sede de justiça. “Felizes os que sofrem perseguição por estarem lutando por justiça, pois o reino de Deus é deles. Felizes vocês quando injuriarem e perseguirem vocês, e, mentindo, difamarem vocês por minha causa” – a causa de Jesus Cristo e dos injustiçados que lutam de cabeça erguida. (Mt 5,10-11).
Jobert, estamos com você. Mexeu com você, mexeu conosco e com muita gente de luta. Conquistaremos sua libertação e você será mais forte e aguerrido na luta ao lado dos injustiçados.
Exigimos a libertação de Jobert Fernando e o fim da criminalização dos movimentos sociais e de seus militantes. Conclamamos todas as entidades de defesa dos Direitos Humanos, Defensoria e Promotoria de Direitos Humanos do Ministério Público a intervirem na defesa de Jobert e nesta luta contra a criminalização dos pobres e seus defensores.

Veja no link, abaixo, Nota Pública do Movimento Luta de Classes.

Assina, frei Gilvander Moreira, da CPT.
Belo Horizonte, MG, 27/09/2015.




sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Prefeitura de BH criminaliza as Ocupações urbanas, segundo frei Gilvander Moreira

Prefeitura de BH criminaliza as Ocupações urbanas.
Por frei Gilvander Moreira.

A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) mais destrói casas do que constrói e tenta jogar pobre contra pobre para justificar sua insensibilidade e omissão com milhares de famílias que estão debaixo da pesadíssima cruz do aluguel.
Hoje, dia 25/09/2015, a PBH realizou mais uma reunião do Conselho Municipal de Habitação com o objetivo de criminalizar as 8 mil famílias das Ocupações da Izidora (Ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória) alegando que “as invasões estão impedindo a construção de moradias em BH”. Mentira.
Com relação à reportagem que saiu na TV Globo, MGTV, hoje, dia 25/09/2015, ao meio dia, devemos esclarecer o que segue para restabelecer a verdade:
1.   A PBH alega que a fila cresceu e que há hoje 17 mil famílias na Fila da moradia. Há 7 anos exigimos a publicação dessa fila, mas essa   fila, a da habitação, é fila mentirosa, pois, se é que existe, não anda e cuja lista de nomes nunca é apresentada. A PBH usa essa hipotética fila como desculpa para perseguir as ocupações urbanas, o que é injustiça covarde.
2.   Cerca de 25 mil famílias em Belo Horizonte tiveram que ir para ocupações nos últimos anos, porque a “fila, se é que existe, não anda”. Pior, a PBH exclui as ocupações do Conselho Municipal de Habitação. Essa é outra injustiça inadmissível. Por que aceitar no Conselho quase só quem está “resignado” esperando na fila? Por que não aceitar quem está lutando coletivamente por um direito humano fundamental, o de morar com dignidade?
3.   Ter um coronel aposentado como presidente da URBEL, coordenando a política habitacional, é eloquente, pois revela a postura da PBH: não trata o gravíssimo problema da habitação como caso de Política, mas como caso de polícia.
4.   Cumpre recordar que as Ocupações da Izidora (Rosa Leão, Esperança e Vitória) e todas as outras ocupações coletivas não são invasões, são ocupações, algo legítimo, justo e inclusive já referendado por decisão do STF. Além disso, as Ocupações cumprem a função social de uma propriedade, que estava abandonada, função social esta, que é um princípio importantíssimo assegurado na Constituição brasileira. Insistir em falar de ocupações chamando-as de invasões é injustiça, é criminalização.
5.   A PBH não tem contrato assinado para construir 13 mil apertamentos pelo Programa Minha Casa Minha Vida. Isso é mentira. Tem apenas um Contrato com a Caixa Econômica Federal, mas que está suspenso, contrato para construir 8.896 “apertamentos”, em prédios, 90% de 7 a 8 andares, segundo o engenheiro da construtora Direcional. O que se diz a mais é apenas promessa enganosa, pode ser que se torne realidade daqui a uns 5 ou 10 anos.
6.   Por que a PBH não revela o tamanho do lucro que a construtora Direcional terá ao comprar por 63 milhões de reais 50 hectares de terra da Granja Werneck, terras com sérios indícios de grilagem, e ter um lucro de mais de 400 milhões de reais, podendo inclusive terceirizar toda a construção? E mais: deixando milhares de famílias em “apertamentos” muito pequenos, sem elevadores, sem ser moradia digna.
Enfim, esclarecemos isso por respeito à dignidade humana que é pisada por interesses escusos não confessados e também porque “a verdade liberta”, gostava de dizer Jesus de Nazaré.
Veja no link, abaixo, Reportagem da TV Globo no MGTV de 25/09/2015:



quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Prefeitura de Belo Horizonte insiste em mentir e em cometer injustiças sobre Política habitacional. Nota pública.

Prefeitura de Belo Horizonte insiste em mentir e em cometer injustiças sobre Política habitacional.
Nota pública das Ocupações da Izidora, BPs, MLB e CPT.
   “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem.” (Bertolt Brecht)
A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e a Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (URBEL) insistem em mentir e em continuar cometendo injustiça sobre a Política habitacional, por vários motivos.
A PBH, nos últimos 7 anos, mais demoliu/destruiu casas do que construiu. Mais de 14 mil casas foram demolidas pela PBH nos últimos 10 anos para construir “casas” para automóveis, ou seja, para ampliar avenidas e construir viadutos - que podem cair, inclusive!. Assim, se cuida melhor da dignidade dos automóveis do que da dignidade humana. Injusto.
O déficit habitacional em BH estima-se que esteja acima de 150 mil moradias. Pesquisa da Fundação João Pinheiro, com dados de 2010, diz que, naquele ano, o déficit era de 78 mil moradias. Nos últimos 5 anos esse número aumentou muito.
O povo cansou de esperar em uma fila mentirosa, a fila da habitação, fila que - se é que existe - não anda e cuja lista de nomes nunca é apresentada. Não suportando mais a pesadíssima cruz do aluguel ou a humilhação que é sobreviver de favor, para diminuir o estrago que a PBH vem fazendo na área habitacional, o povo resolveu ir para Ocupações urbanas, onde, nos últimos 8 anos, já construíram mais de 12 mil casas dignas.
As Ocupações da Izidora (Rosa Leão, Esperança e Vitória), com cerca de 8 mil famílias, são Ocupações legítimas, justas e em franco processo de consolidação. Ocuparam terrenos abandonados que não cumpriam sua função social e já construíram mais de 5 mil casas por meio de autoconstrução. Em média, 10 mil reais por cada casa, e os moradores estão devendo cerca de 50% desse valor, pois muitos deles tiveram que pegar empréstimo para construir. Dia 17/09/2015, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento de mérito de um Mandado de Segurança, manteve a decisão do Ministro Og Fernandes, que proíbe despejos das Ocupações da Izidora. Além dessa decisão favorável ao povo, há 31 ilegalidades nos processos de reintegração de posse da Izidora e na Operação Urbana Simplificada do Isidoro (o nome correto é Izidora, mulher negra quilombola que lavava roupa no ribeirão que passou a ter seu nome), conforme estudo apresentado pelo Grupo de Pesquisa Indisciplinar, da UFMG. O contrato com a Caixa Econômica Federal (CEF), para construir 8.896 apartamentos de 43 m², em prédios de 8 andares, sem elevadores, pelo Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV),  está suspenso por várias pendências, entre elas: a) a PBH mentiu para a CEF dizendo que tinha na área ocupada apenas cerca de 60 a 160 famílias em 27/12/2013, quando o contrato foi assinado. E a realidade é que desde julho de 2013 já existiam aproximadamente 8 mil famílias ocupando as áreas; b) pesquisa cartorial feita pelo padre Piggi na cadeia dominial da matrícula 1202 (documento da Granja Werneck S/A que consta do contrato da CEF), comprova que a documentação da Granja Werneck é falsa, forjada ilegalmente em cartórios, sem cadeia dominial e com título Torrens falso. Logo, se trata de terras griladas, terras devolutas que devem ser resgatadas e devolvidas ao Governo de MG.
A PBH/URBEL tem sido irresponsável no trato da gravíssima questão habitacional de BH, pois alimenta a especulação imobiliária, não dialoga com o povo das Ocupações urbanas e nem com os movimentos sociais que as acompanham. Prova disso é que as Ocupações urbanas, com cerca de 25 mil famílias em Belo Horizonte, estão excluídas do Conselho Municipal de Habitação.
  PBH/URBEL não priorizou construir moradias dignas para a população e agora, ardilosamente, quer colocar povo contra povo, ao tentar jogar a culpa pela falta de moradia popular nas Ocupações. As Ocupações são solução, e não problema.
As Ocupações da Izidora sempre estiveram abertas à negociação, desde que seja justa e ética. Não aceitamos despejos: nem vermelho e nem branco/humanizado. As Ocupações da Izidora já apresentaram mais de 10 propostas na Mesa de Negociação coordenada pelo Governo de MG. Há como compatibilizar o MCMV na Izidora com a continuidade de parte das Ocupações, mas para isso exigimos garantias em 7 pontos, tais como: A) Cadastro prévio e idôneo, com acompanhamento do Ministério Público, Defensoria Pública, PUC/MG e UNA, BPs, MLB e CPT; B) Construção do MCMV em várias etapas para viabilizar, sem maiores transtornos, o reassentamento de todas as famílias que precisam e que estão vivendo nas Ocupações; C) Desapropriação, regularização fundiária e urbanização de toda a Ocupação Rosa Leão e das partes das Ocupações Vitória e Esperança que estão fora do MCMV; D) Auxílio pecuniário de 500 reais para cada família até o reassentamento; E) Comitê gestor plural; F) Mudanças no contrato com a CEF, que garantam reassentamento, rediscussão das áreas comerciais e critérios que não excluam quem mora e precisa. Com tantos cortes no orçamento do Governo Federal haverá dinheiro para construir MCMV na Izidora?
Respeitamos os núcleos de moradia, mas repudiamos a PBH tentar nos dividir para dominar. Há diversas formas de se lutar. Alertamos que muita gente que está nas Ocupações se cansou de esperar na fila da habitação. Os núcleos têm o direito e o dever de pressionarem a PBH para que construa “pra ontem” moradia digna, mas culpar as Ocupações pela falta de moradia em BH é injustiça, é inverter as responsabilidades: as Ocupações são consequência da falta de política habitacional séria, e não a sua causa. Reafirmamos que as Ocupações têm construído mais casas do que a PBH. Repudiamos a postura da PBH que tenta dividir os Sem-casa e o Povo das Ocupações.
A PBH alega que não há terrenos, mas insistiu em vender 129 terrenos da municipalidade. No Barreiro há muitos terrenos grilados que já deveriam ter sido resgatados e destinados a um grande programa habitacional.
Ainda vale lembrar que o Povo das Ocupações luta também pela reforma urbana, para que toda a cidade seja acessível, segura, sustentável e atenda a todas e todos que a constroem cotidianamente, coletivamente.
Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito. De cabeça erguida, em luta coletiva, seguiremos batalhando por moradia própria, digna e adequada para todas e todos.

Belo Horizonte, 24 de setembro de 2015.

Assinam essa nota:
Coordenações das Ocupações da Izidora (Rosa Leão, Esperança e Vitória)
Frente Pela Reforma Urbana das Brigadas Populares em Minas Gerais (BPs)
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB)


Contatos para maiores informações: frei Gilvander (31 9473 9000); Charlene (31 8534 4911); Rose (31 8941 2083); Elielma (31 9343 9696); Isabella (31 9383 2733); Leonardo (31 9133 0983).

Ocupações Urbanas nas ruas contra ajuste fiscal nas costas do povo brasileiro. Isso é injustiça gravíssima!

Ocupações Urbanas nas ruas contra ajuste fiscal nas costas do povo brasileiro. Isso é injustiça gravíssima!
Em Belo Horizonte, as organizações Brigadas Populares e MLB e as ocupações da Izidora e do Barreiro, ocuparam na manhã de hoje, quarta-feira, dia 23/09/2015, o Ministério da Fazenda como parte do ato nacional contra os cortes do orçamento federal nos gastos sociais, sobretudo do Ministério das Cidades. Reivindicam também mais orçamento do Estado para habitação de interesse social: 1) Mais recursos para a construção habitacional do Estado; 2) Recursos para urbanização das comunidades/ocupações.
Segue o manifesto nacional do ato:
Dia 23/09/2015 TOMAMOS AS RUAS!
Mais uma vez repudiamos as soluções adotadas pelo Governo Federal que joga o custo da crise nas costas dos trabalhadores mais pobres e dos servidores públicos. Desta vez foi anunciado o corte de mais R$26 bilhões no Orçamento. Os principais cortes referem-se ao congelamento no salário de servidores e ao financiamento do Minha Casa Minha Vida, além de R$3,8 bilhões na saúde.
A terceira fase do MCMV foi anunciada no último dia 10/9 e seu formato incorporou várias das propostas apresentadas pelos movimentos, tais como: maior priorização da modalidade Entidades, aumento do limite de renda da faixa 1, recurso para equipamentos públicos e regulamentação de áreas comerciais nos condomínios.
Mas de nada adianta ganhar e não levar. Não houve compromisso do Governo com a definição do orçamento do programa nem com metas de novas contratações. O cenário se agravou ainda mais com os novos cortes anunciados que deixam ainda mais distante o direito humano de milhões de famílias pobres de morar dignamente.
Com o adiamento do MCMV, carro chefe do Ministério das Cidades, o Governo Federal ficou praticamente sem nenhum investimento na política urbana. Tal cenário poderia ser diferente se houvesse combatido a raiz do problema: a estrutura fundiária das cidades e a segregação urbana. Problemas que devem ser tratados com uma reforma urbana estrutural. O MCMV sem outras medidas não tem conseguido, como vemos desde 2009, reduzir o número de famílias sem teto no Brasil e, portanto, não deve ser tratado como única saída possível para a questão habitacional. Seguimos lutando por uma reforma urbana de verdade: que depende também de políticas estruturais de controle da especulação, regularização fundiária e de medidas de garantia da infraestrutura urbana para as famílias pobres, medidas que vem sendo deixadas de lado nos últimos anos de governo.
Por isso, mobilizamos milhares de pessoas hoje, dia 23/09/2015, em mais de 10 capitais do país contra os cortes e pelas reformas populares. Deixamos claro que não aceitamos pagar a conta da crise.
Além disso, o Fórum Dos Servidores Públicos Federais, a categoria mais diretamente atingida pelos cortes, somou-se às nossas mobilizações e fizeram sua jornada hoje também. Entendemos que esta iniciativa fortalece a luta contra o ajuste fiscal e avança na unidade dos/as trabalhadores/as para uma saída popular para a crise.
O problema fiscal só será realmente solucionado se atacado em suas raízes: a gigantesca dívida pública e o injusto sistema tributário. Por isso, defenderemos nas ruas a taxação das grandes fortunas, de dividendos e remessas de lucro, maior progressividade no Imposto de Renda e uma auditoria da dívida pública. Os ricos, banqueiros e empresários devem pagar a conta. A saída para a crise é com o povo e não contra ele.
Assinam essa Nota:
MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto)
MLB (Movimento de Luta nos Bairros, vilas e favelas
Brigadas Populares
Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG)

Contatos: Charlene (31 85344911) Isabella (31 93832733), Leonardo (31 91330983), Cadu (31 93982553) e Rose (31 89412083).

Sobre a ausência insurgente: da política habitacional à política urbana! Nota sobre o falso conflito MCMV x Ocupações.

Sobre a ausência insurgente: da política habitacional à política urbana!
Nota sobre o falso conflito MCMV x Ocupações.

“A quem possa interessar. Escutaram? Esse silêncio é o som do seu mundo caindo. É o do nosso mundo ressurgindo. O dia que foi o dia era noite. E noite será o dia que será o dia.” (Sub-Comandante Marcos)
   
     No dia 02 de junho de 2015, o Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), a Central dos Movimentos Populares (CMP), a Confederação Nacional de Associações de Moradores(CONAM) e a União Nacional por Moradia Popular (UNMP) foram recebidos pelo Ministro das Cidades, Gilberto Kassab, pelo governador Fernando Pimentel e pela Secretária Nacional de Habitação, Inês Magalhães, no Palácio da Liberdade (foto abaixo).
     No dia 18 de setembro de 2015, o ministro das Cidades esteve novamente em Belo Horizonte para a entrega de unidades habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida no bairro Paulo VI (foto abaixo). No mesmo dia, o MNLM soltou nota intitulada “Maior entrega do MCMV em BH sob impasse”em que considera as ocupações da região da Izidora como atraso ao início da sobras e conclama todos os núcleos de moradia a exigir, em caráter de urgência,do Conselho Municipal de Habitação uma audiência pública para debater a questão. Hoje o MNLM soltou convocatória para plenária do Conselho Municipal de Habitação a ser realizada no dia 29/09 no auditório da truculenta Guarda Municipal para "discutir a quantas anda a maior entrega do MCMV em BH, na Granja Werneck, região Izidora."
     Frisamos que nos colocamos a favor da solidariedade a todas as formas de luta pela reforma urbana, pois acreditamos no povo organizado em marcha por uma vida melhor. Por isso realçamos que não será a oposição entre as ocupações da Izidora e os núcleos de moradia que resolverá o déficit habitacional na cidade, mas sim a somatória de várias formas de luta e expressão do povo dando voz  aos silenciados. Aliás, parte das famílias das ocupações vieram de núcleos de moradia. Cansaram de esperar em uma fila que não anda, pois é um engodo.
     No entanto, as imagens e a nota são muito simbólicas. Gilberto Kassab é conhecido pelos movimentos sociais em São Paulo, cidade que (des) entre 2006 e 2012,como o prefeito inflamável, ou o “Nero” do PSD – na sua gestão ocorreram mais de 500 incêndios em favelas na cidade em áreas de interesse do mercado imobiliário. Fato é que o Ministro das Cidades representa diretamente o setor do capital imobiliário no governo federal.
     Já Fernando Pimentel e Inês Magalhães representam a financeirização da política habitacional expressa no Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Tal programa foi diretamente construído pelo capital imobiliário em associação direta com o Governo Federal sem considerar a participação dos movimentos sociais e destruindo o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) que havia sido construído de forma participativa.
     As fotos também representam um silêncio. Uma ausência que incomoda o sistema – uma ausência insurgente. As ocupações urbanas de Belo Horizonte e Região Metropolitana nunca foram recebidas pelo Governador Fernando Pimentel, nunca foram ouvidas diretamente por ele. Mesmo Anastasia do PSDB recebeu lideranças das Ocupações da Izidora. No entanto, essa ausência representa a coragem do novo, representa aqueles e aquelas que querem construir a cidade e a Política Urbana de form ajusta. Dentre as ocupações da Izidora temos a ocupação Esperança. Não é à toa esse nome. A esperança tem duas lindas filhas: a raiva e a coragem. Justa raiva do estado de coisas em que vivemos e coragem para mudar essa situação e ir à luta!  O déficit habitacional é falsamente enfrentado com uma política habitacional mercadológica sem a efetivação de instrumentos do Estatuto das Cidades.
     Acreditamos em uma Política Urbana que não seja confundida com política habitacional gerida pela construção civil. Esse silêncio e essa ausência representam os escombros da cidade construída como mercadoria e o ressurgimento do direito à cidade para milhares de famílias que vivem e lutam nas ocupações! As ocupações não são problema, mas solução.
     É uma grande injustiça social empurrar o gravíssimo problemas social pra frente com auxílio moradia despejando ocupações legítimas que estão dando função social a terrenos que não cumpriam sua função social e eram propriedades especulativas, muitas delas terras griladas.

Belo Horizonte, 21 de setembro de 2015

Assinam essa nota,
Frente Pela Reforma Urbana das Brigadas Populares em Minas Gerais
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Por uma cidade onde haja tudo para todos!


 Obs.: Nota publicada originalmente no link, abaixo:

https://www.facebook.com/notes/brigadas-populares-minas-gerais/sobre-a-aus%C3%AAncia-insurgente-da-pol%C3%ADtica-habitacional-%C3%A0-pol%C3%ADtica-urbana-nota-sobr/482570645258551

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Ocupação Nova Canaã em Betim é despejada. Injustiça grave! Nota pública.

Ocupação Nova Canaã em Betim é despejada. Injustiça grave! Nota pública.


Dia 15 de setembro de 2015, foi consumado o "despejo branco" da Ocupação Nova Canaã, no bairro Nossa Sra. de Fátima em Betim – MG. "Branco" porque foi facilitado por suposto processo de acordo, através da Mesa Estadual de Diálogo e Negociação (Decreto nº 203/15‏). Das 82 famílias que residiam na ocupação (com casas de alvenaria construídas), somente 25 foram contempladas, as outras 57 restaram com sua dignidade literalmente demolida.
A prefeitura de Betim, junto a COHAB do Governo do Estado, realizou a seguinte proposta às famílias: bolsa aluguel de 350 reais e ingresso na fila do Minha Casa Minha Vida para aquelas famílias que “passassem” nos critérios municiais dos dois programas. Para todas as outras, DESPEJO E RUA. 
Sem qualquer transparência, sem a participação das famílias e dos movimentos sociais, a prefeitura de Betim realizou o cadastro, informou individualmente a cada família se ela tinha sido contemplada e lhes conferiu o prazo de 1 semana para encontrar um imóvel e se mudar, sob pena de perder o benefício.  A maioria das famílias despejadas eram evidentemente pobres e vivem em situação de vulnerabilidade, mas não se sabe porque seu perfil não foi contemplado, uma vez que a prefeitura não apresentou qualquer abertura para a participação ou transparência. É o caso do Sr. Tião, idoso, aposentado, morador da ocupação há 18 anos, que não foi contemplado e terminou arrancado a força de dentro de sua casa por mais de 30 policiais.  
Cada família contemplada se viu forçada à difícil escolha de optar pela alternativa precária, ou tentar coletivamente resistir, sem nenhuma garantia. Muitas fizeram a primeira opção. A maioria teve que assistir passivamente à destruição de suas casas pelo Batalhão de Choque da PM. É a alardeada tática utilizada pelo poder público do “divides e reinarás”.
As Brigadas Populares e outros movimentos sociais como o MLB e a CPT não coadunam com este método de resolução dos conflitos sociofundiários que a COHAB insiste em promover. A combinação entre de remoção + bolsa moradia para família contempladas + espera na fila pelo empreendimento do Minha Casa Minha Vida é solução precária, insuficiente e vai na contramão do interesse público e das inovações em termos de política urbana apresentadas pelas Constituição Federal e o Estatuto das Cidades.
São vários os instrumentos que o Poder Público poderia utilizar para promover a desapropriação das áreas ocupadas e sua destinação para os processos de regularização fundiária, contemplando universalmente as famílias envolvidas e partindo do esforço que essas coletividades já realizaram para a conquista de seu direito à moradia, no processo de autoconstrução das casas e da infraestrutura dos assentamentos.    
Ao propor a remoção parte-se do pressuposto que o exercício ao direito à propriedade dos proprietários é legitimo, quando praticamente todos os terrenos ocupados estavam abandonados e eram descumpridores de sua função social. Os critérios utilizados pelos programas de Bolsa Moradia e do próprio Minha Casa Minha Vida são muito estreitos e se situam dentro de concepções focalizadas de políticas públicas, contrastando com a universalidade do direito à moradia sacramentado na Constituição Federal. E em relação ao MCMV tem-se todos os problemas exaustivamente apresentados pelos movimentos sociais e literatura especializada: os apartamentos são padronizados e minúsculos, os empreendimentos se dão nas periferias das periferias, em zonas desprovidas de cidade e equipamentos básicos, os custos de reprodução do habitar são altíssimos (água e luz formalizados, IPTU e taxa mensal de compra) se se tem em tela as condições de famílias de baixa renda, ademais da longa espera até que a burocracia estatal apresente os empreendimentos prontos.
É importante também frisar que na atualidade não existem recursos para novos empreendimentos do MCMV. Cortes importantes na política de moradia foram anunciados pelo Governo Federal e o MCMV3 não terá recursos para novas contratações antes de 2016, isso se a verba sair. O que significa que as famílias não tem a perspectiva de serem contempladas em programas habitacionais tão cedo. Destrói-se suas casas, gasta-se dinheiro público com aluguel social, o que aumenta a especulação imobiliária, e não há qualquer perspectiva de reassentamento definitivo.
O caso da ocupação Nova Canaã é paradigmático, o terreno era público municipal, bastava que o município iniciasse a regularização fundiária da área ou a sua transformação em ZEIS, integrando a ocupação como mais um bairro à cidade. Contudo se optou pelo despejo, pela criação de mais um contingente de famílias sem-teto, pelo pagamento oneroso aos cofres públicos da Bolsa Aluguel mensal e a espera de um empreendimento do MCMV que não sabemos que se vai realizar dado a política de arrocho e cortes em gastos sociais insistentemente anunciados pelo Governo Federal.
O Governo do Estado não poderia ser leniente com esta proposta inicialmente capitaneada pela Prefeitura de Betim hoje sob o comando de um tucano – o prefeito Carlaile Pedrosa (PSDB) - notoriamente atrelado aos interesses privatistas e do capital imobiliário. Recentemente foi denunciado pelo Ministério Público desta cidade, a entrega desenfreada de terrenos e lotes público sob o controle da municipalidade à iniciativa privada.   
As organizações sociais que estão presentes na Mesa de Diálogo e Negociação recentemente instituída e que tratam da problemática da moradia devem estar atentas quanto a este modelo de solução dos conflitos fundiários que se está fomentando quase como paradigma. A tríade acima apresentada (remoção das ocupações + bolsa moradia + fila do MCMV) não é a única possível e muito menos a mais desejada se tivermos como objetivo a promoção do direito à cidade e a salvaguarda plena do direito à moradia adequado das famílias pobres e sem-teto.   

Assina esta nota: 

Brigadas Populares-MG

Comissão Pastoral da Terra (CPT)

Fórum das Ocupações Urbanas de Betim

Betim, MG, Brasil, 16 de setembro de 2015.



MANTIDA A SUSPENSÃO DO DESPEJO DAS OCUPAÇÕES DA IZIDORA NO STJ!

MANTIDA A SUSPENSÃO DO DESPEJO DAS OCUPAÇÕES DA IZIDORA NO STJ! 
Nota do Coletivo Margarida Alves de Assessoria jurídica.

Conquistou-se hoje mais uma vitória histórica para a luta popular neste país!
As Ocupações da Izidora de Belo Horizonte e Santa Luzia, MG, assessoradas pelo Coletivo Margarida Alves, a Rede Margarida Alves e o escritório do Cezar Britto (ex-presidente da OAB Nacional), tiveram ontem, dia 17/09/2015, o seu recurso provido pela 2a Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para anular decisão anteriormente proferida pelo TJMG. Em sustentação oral realizada pela combativa Dra. Camila Gomes de Lima, ressaltou-se a incompetência absoluta da 6º Câmara Civil para analisar o Mandado de Segurança no qual se questiona o despreparo da Polícia Militar de Minas Gerais e do aparato estatal para realizarem o despejo, bem como a relevância social do caso, que atinge cerca de 30 mil pessoas.
Nesse julgamento que traz um precedente importantíssimo para as ocupações urbanas, os ministros ressaltaram a necessidade de se manter a suspensão do despejo, tendo em vista a alta complexidade do caso e o seu imenso impacto social. Afirmaram ainda que, em casos de remoção forçada, o poder executivo não pode se esquivar do cumprimento dos tratados internacionais e da legislação brasileira que garantem os direitos fundamentais dos ocupantes. Para os ministros, a força policial deve ser utilizada como último recurso e sempre observado o princípio da proporcionalidade.
‪#‎ResisteIzidora
Para maiores informações fazer contato com:
Thaís Lopes - 31 98820094
Mariana Prandini - 61 81010846
Isabela Corby - 31 96437703
Camila Gomes – 6182458828
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Prêmio Humanidades de Direitos Humanos da Academia Brasileira de Direitos Humanos, dia 14/09/2015, a frei Gilvander, prof. José Luiz Quadros, Antônio Romanelli, Jefferson de Paula e Ricardo Garcia.

A Academia Brasileira de Direitos Humanos, ao celebrar seus 10 anos na luta em defesa dos Direitos Humanos, concedeu ao Frei Gilvander Luís Moreira, ao prof. José Luiz Quadros de Magalhães, ao Antônio Ribeiro Romanelli, ao Jefferson de Paula e ao Ricardo Garcia, dia 14/09/2015, em Belo Horizonte, o Prêmio Humanidades em reconhecimento pela luta na defesa dos Direitos Humanos e da Justiça Social. Na oportunidade foi lançado o livro Direitos Humanos e Meio Ambiente, obra dedicada ao Instituto Terra. Os homenageados receberam uma estatueta Humanidades, criada pelo artista plástico Penithencia.








segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Cristãos no Brasil de hoje: desafios da Fé e Política, papa Francisco e tarefas emancipatórias. por frei Gilvander Moreira

Cristãos no Brasil de hoje: desafios da Fé e Política, papa Francisco e tarefas emancipatórias.
No 7º Encontro de Fé e Política do estado do Rio de Janeiro, tarefas emancipatórias a partir dos clamores dos injustiçados, do testemunho e dos ensinamentos do papa Francisco na Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho e no Discurso aos Movimentos Sociais na Bolívia.
Gilvander Luís Moreira[1]

1.   Introdução.
Dias 12 e 13 de setembro de 2015, tive a alegria e a responsabilidade de contribuir na assessoria do 7º Encontro de Fé e Política do estado do Rio de Janeiro, em Angra dos Reis, com o objetivo de refletir, meditar, orar e contemplar à luz da palavra de Deus na Bíblia e nas entranhas da realidade histórica o tema Cristãos no Brasil de hoje: desafios da Fé e Política. Para isso faz-se necessário resgatar a profecia do Concílio Vaticano II e da Opção da Igreja pelos pobres e pelos jovens, opção da Igreja afrolatíndia. Imprescindível ouvirmos os clamores dos injustiçados e levarmos a sério o testemunho e os ensinamentos do papa Francisco na Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho e no seu Discurso aos Movimentos Sociais na Bolívia.
Fizemos referência ao cap. IV de A Alegria do Evangelho, do papa Francisco, que trata justamente da Dimensão Social da Evangelização. Prestemos atenção a algumas afirmações do papa Francisco:
Se a dimensão social da evangelização não for devidamente explicitada, corre-se o risco de desfigurar o sentido autêntico e integral da missão evangelizadora.” (n. 176).
Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos.” (n. 49).
Além de ser pobre e para os pobres, a Igreja desejada por Francisco é corajosa em denunciar o atual sistema econômico, "injusto na sua raiz" (A alegria do Evangelho, n. 59). Como disse João Paulo II, a Igreja "não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça" (n. 183).
"Saiam!" é a essência da mensagem que o papa Francisco envia a bispos, padres, membros da comunidade. Saiam para fora das suas cômodas estruturas eclesiais burguesas e do caloroso círculo dos convencidos – anunciem o Evangelho às periferias das cidades, aos marginalizados pela sociedade, aos pobres, aos injustiçados.
Às questões sociais, o papa Francisco dedica dois dos cinco capítulos da Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho, o segundo e o quarto. Critica o "fetichismo do dinheiro" e "a ditadura de uma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano", versão nova e implacável da "adoração do antigo bezerro de ouro".
Francisco critica o atual sistema econômico: "esta economia que mata" porque prevalece a "lei do mais forte". Ele volta à cultura do "descartável" que criou "algo novo" e dramático: "Os excluídos não são 'explorados', mas resíduos, 'sobras'" (n. 53). Enquanto não se resolverem radicalmente os problemas dos pobres, renunciando "à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estruturais da desigualdade social – insiste –, não se resolverão os problemas do mundo e, em definitivo, problema algum". E indica na "desigualdade social" as raízes dos males sociais.
A Igreja não pode ficar indiferente a tais injustiças. "A economia não pode mais recorrer a remédios que são um novo veneno, como quando se pretende aumentar a rentabilidade reduzindo o mercado de trabalho e criando assim novos excluídos". Ele dedica páginas à denúncia da "nova tirania invisível, às vezes virtual" em que vivemos, um "mercado divinizado", onde reinam a "especulação financeira", "corrupção ramificada", "evasão fiscal egoísta" (n. 56).

2.   Pressuposto básico: Deus na história e o divino no humano.
O Deus do cristianismo é um Deus da história, quer dizer, age nas entranhas dos fatos e dos acontecimentos. O Deus da vida, mistério de infinito amor, não faz mágica. Desde que Deus, por infinito amor à humanidade, se encarnou-se, o divino está no humano.
O Concílio de Calcedônia, no ano de 451, reconheceu Jesus Cristo com “natureza” divina e humana. O apóstolo Paulo reconhece que Jesus de Nazaré é o Cristo, filho de Deus, mas “nascido de mulher” (Gal 4,4), ou seja, humano como nós desenvolveu seu infinito potencial de humanidade. “Jesus, de tão humano, se tornou divino,” dizia o papa João XXIII.
“Não é ele o filho de Maria e Jose?”. Progressivamente, na Galileia, Samaria e Judéia, Jesus se revela, à primeira vista, em aparentes contradições, mas, no fundo, com tal equilíbrio que chama a atenção de todos. Assim, ele testemunha que Deus é mais interior a nós do que imaginamos. A mística “encarnatória” revela a pessoa humanamente divina e divinamente humana. “Quem me vê, vê o Pai”.
Jesus, antes de se tornar mestre, foi discípulo. Antes de ensinar, aprendeu muito com muitos: com Maria e José, com o povo da sinagoga, com os vizinhos, amigos, com os acontecimentos históricos, com a natureza etc.
Somos discípulos/as de Jesus Cristo, um jovem camponês, da periferia, que foi condenado à pena de morte pelos podres poderes da política, da economia e da religião. Somos discípulos/as de um mártir. Feliz quem não esquece a vida, o testemunho e o ensinamento dos mártires.

3.   Tarefas emancipatórias que a Dimensão Social da Fé Cristã exige de nós hoje.
Vamos elencar na reflexão, abaixo, uma série de tarefas que julgamos decorrer da Dimensão Social da Fé Cristã, dos desafios da Fé e Política.

3.1 – Promover libertação integral.
Uma das tarefas das pessoas cristãs é lutar pela libertação integral das pessoas e de tudo e não apenas por libertação espiritual. No programa de Jesus, em Lc 4,16-21, consta uma libertação política (“libertar os presos”), social e econômica (“anunciar uma boa notícia aos pobres”), libertação ideológica (“restituir a visão”, e espiritual (“proclamar o Ano de Graça do Senhor”). Assim, Jesus resgata o Jubileu Bíblico (Lev 25,8-12). No ano do Jubileu, toca-se o “berrante” (em hebraico “sofar”), que acontece no primeiro ano após sete vezes sete anos. Neste Jubileu, todas as dívidas devem ser perdoadas; todas as terras devem voltar ao primeiro dono (aos ancestrais); todos os escravos devem ser libertados. Enfim, é tempo de se fazer uma re-organização geral na sociedade; tempo para recriar as relações humanas com fraternidade, justiça, solidariedade libertadora, reconciliação e novos sonhos.

3.2 – Acreditar na ortopráxis.
Outra tarefa é defender uma ortopráxis (= testemunho libertador), não uma ortodoxia (= opinião certa). O que de fato faz diferença não é tanto o que a gente pensa ou em que acreditamos, mas o que fazemos (ou deixamos de fazer). É hora de compromisso com o modelo de Igreja querido pelo papa Francisco: Igreja popular, justa e misericordiosa. Urge compromisso com outro projeto de sociedade, que seja justo, ecumênico e sustentável ecologicamente.

3.3 - Rever conceitos.
Verdade não é adequação de um conceito a um objeto. Isso é verdade formal. “Verdade é o que liberta todos e tudo”, diz o quarto evangelho da Bíblia. A verdade deve ser buscada conjuntamente. Ninguém é dono da verdade. Verdade como o que liberta deve ser buscada a partir dos pobres (últimos, pequenos, discriminados): pobre, excluído, sem terra, indígenas, negros, pessoas com deficiências, idosos, desempregados, homossexuais, mãe terra, irmã água, favelados, vítimas da violência etc.
É hora de perceber que a coisa mais sagrada é também profana. Profanar é retirar do uso exclusivo para dar acesso a todos. Pro-fanar vem do verbo grego faneo, que quer dizer “brilhar”. Ou seja, que o brilho do sagrado seja estendido a todos sem distinção e sem nenhuma discriminação. É hora de gritar “Não a todo e qualquer dualismo!” Não há separação entre espiritual e material, entre sagrado e profano, entre divino e humano, entre santo e pecador, entre puro e impuro etc. Tudo está intimamente relacionado.
Jesus não morreu na cruz porque Deus quis, mas foi condenado à pena de morte pelos podres poderes político-econômico e religioso.
Jesus doou sua vida por todos e tudo. Jesus testemunha um caminho de salvação, porque nos amou demais e não porque sofreu demais.
Jesus tornou-se Cristo, pois conseguiu desenvolver o infinito potencial de humanidade que cada pessoa traz consigo ao chegar a este mundo. “Jesus foi tão humano, tão humano, que só podia ser Deus”, disse o papa Paulo VI.
Milagre não é algo fruto de um poder extraordinário que está acima do humano. Milagre é uma maravilha de Deus, conforme diz o Primeiro Testamento da Bíblia. Milagre é um gesto solidário e libertador de Deus agindo nas entranhas da história.
Deus não é juiz, pois Deus é amor. O único poder que Deus tem é o poder do amor, que é de fato o que constrói.
Deus não é transcendente, mas transdescendente. Na Bíblia, de ponta a ponta, vemos a imagem de um Deus apaixonado pelo humano.
Deus não é neutro diante dos conflitos. Deus faz opção preferencial pelos pobres (cf. Ex 3,7-10).
Não existe inferno, nem purgatório e nem limbo como locais destinados aos pecadores, como descrito de forma tradicionalista por muitos nas igrejas. Satanás (satã, em hebraico) ou diabo (diabolos, em grego) não são entes abstratos, um deus negativo que faz oposição ao Deus da vida. Satanás (diabo) é tudo o que divide, separa, desune, oprime, exclui, discrimina e depreda. Pode ser uma dimensão interior nossa, mas em uma sociedade capitalista neoliberal como a nossa, trata-se prioritariamente de estruturas e instituições que oprimem, excluem e depreda a natureza. Podemos dizer que o agronegócio é satânico, pois concentra riqueza em poucas mãos, expulsa os pequenos do campo e devasta a biodiversidade. Uma democracia burguesa formal que não respeita a Constituição Brasileira e pisa na dignidade das pessoas é uma falsa democracia, algo também satânico.
Ser cristão implica ser anticapitalista. Não dá para compactuar com os pretensos valores do capitalismo: concorrência, competição, acumulação, lucrar e lucrar. Ser cristão é ser outro Cristo, alguém que consola os aflitos, mas que também incomoda os acomodados. Tarefa da pessoa cristã é buscar vida e liberdade para todos e tudo – e não apenas para alguns - mas a partir dos últimos.

3.4 - Sentir-se igreja, membro vivo de uma comunidade de fé libertadora.
“Igreja é Povo de Deus”, nos ensina o Vaticano II. É hora de percebermos que o sacerdócio comum está acima do sacerdócio ordenado. Os jovens não podem aceitar uma relação que os coloquem como infantis e em uma postura de quem só deve obedecer. Nada disso. Os jovens têm o direito e o dever de dialogar, discutir e reivindicar o direito de decidir conjuntamente todos os assuntos que envolvem a vida da comunidade cristã e da sociedade.

3.5 – Comprometer-se com a Opção pelos pobres e pelos jovens.
O apóstolo Paulo, ao escrever sobre o Concílio de Jerusalém, acontecido por volta dos anos 49/50 do 1º século diz que a circuncisão, a maior de todas as barreiras, tinha sido abolida e que a única coisa que os apóstolos fizeram questão de alertar foi: “Não esqueçam os pobres.” (Gal 2,10) Esse alerta deve ser acolhido por todas as pessoas cristãs. Mas faz bem ter um bom entendimento sobre quem é pobre. Primeiro, o carente economicamente. Depois, a mulher, o indígena, o negro, o homossexual, a divorciada, a mãe terra, a irmã água, o meio ambiente.
O pobre não é apenas como um poço de carência, mas principalmente um portador de força ética e espiritual. Deus age a partir dos pequenos. “O mundo será melhor quando o menor que padece acreditar no menor”, dizia Dom Hélder Câmara, o santo rebelde.

3.6 - Partir da periferia e dos injustiçados. O Evangelho de Lucas interpreta a vida, as ações e os ensinamentos de Jesus ao longo de uma grande caminhada da Galileia até Jerusalém, ou seja, da periferia geográfica e social ao centro econômico, político, cultural e religioso da Palestina. A Palavra, no Evangelho de Lucas, é a palavra de um leigo, de um camponês galileu, “alguém de Nazaré”, pessoa simples, pequena, alguém que vem da grande tribulação. Não é palavra de sumo sacerdote, nem do poder.

3.7 - Priorizar a formação de base. Na grande viagem de subida para Jerusalém, Jesus prioriza a formação dos discípulos e discípulas. Ele percebe que não tem mais aquela adesão incondicional da primeira hora. Jesus descobriu que para consolar os aflitos era necessário também incomodar os acomodados e denunciar pessoas e estruturas injustas e corruptas. Assim, o homem de Nazaré começou a perder apoio popular. Era necessário caprichar na formação de um grupo menor que pudesse garantir os enfrentamentos que se avolumavam. Jesus sabia muito bem que em Jerusalém estava o centro dos poderes religioso, econômico, político e judiciário. Lá travaria o maior embate.

3.8 - Não fugir do combate. O Evangelho de Lucas diz: Jesus, cheio do Espírito, em uma proposta periférica alternativa, vai, em uma caminhada, de Nazaré a Jerusalém; ou seja, vai da periferia para o centro, caminhando no Espírito. Em Jerusalém acontece um confronto entre o projeto de Jesus e o projeto oficial. Este tenta matar o projeto de Jesus (e de seu movimento) condenando-o à morte na cruz. Mas o Espírito é mais forte que a morte. Jesus ressuscita. No final do Evangelho de Lucas, Jesus diz aos discípulos: “Permaneçam em Jerusalém até a vinda do Espírito Santo” (Lc 24,49).

3.9 - Estar sempre em movimento. Seguir Jesus exige uma dinâmica de permanente movimento. A sociedade capitalista leva-nos a buscar segurança, o que é uma farsa. É hora de aprendermos a seguir Jesus de forma humilde e vulnerável, porém mais autêntica e real. Isso não quer dizer distrair com costumes e obrigações que provêm do passado, mas não ajudam a construir uma sociedade justa, solidária e sustentável ecologicamente.

3.10 - Andar na contramão. Seguir Jesus implica andar na contramão, remar contra a correnteza de tantos fundamentalismos e da idolatria do consumismo. Exige também rebeldia, coragem, audácia diante de costumes que entortam o queixo e de modas que aniquilam o infinito potencial humano existente em nós. Ser, na prática, luz no mundo, sal na comida, fermento na massa, algo que sempre incomoda.

3.11 - Saber a hora de conviver e a hora de lutar. O Evangelho de Lucas apresenta dois envios de discípulos para a missão. No primeiro envio (Lc 10,1-11), Jesus indicou aos discípulos que fossem para o campo de missão despojados e desarmados. Assim deve ser todo início de missão: conhecer, conviver, estabelecer amizades, cativar, assumir a cultura do outro, tornar-se um irmão entre os irmãos para que seja reconhecido como “um dos nossos”. No segundo envio (Lc 22,35-38), em hora de luta e combate, Jesus sugere que os discípulos devem ir preparados para a resistência. Por isso “pegar bolsa e sacola, uma espada – duas no máximo.” (Lc 22,36-38). Durante a evolução da missão, chega a hora em que não basta esbanjar ternura, graciosidade e solidariedade. É preciso partir para a luta, pois as injustiças precisam ser denunciadas. Ao tomar partido e “dar nomes aos bois” irrompem-se as divisões e desigualdades existentes na realidade. Os incomodados tendem naturalmente a querer calar quem os está incomodando. É a hora das perseguições que exigem resistência. Confira a trajetória de vida dos/as mártires da caminhada: Padre Josimo, Padre Ezequial Ramin, Chico Mendes, Margarida Alves, Sem Terra de Eldorado dos Carajás, Irmã Dorothy, Santo Dias, Chicão Xucuru, Padre Gabriel etc.

3.12 - Resistir, o que não é violência, mas legítima defesa. Diante de qualquer tirania e de um Estado violentador, vassalo do sistema capitalista que sempre tritura vidas e pratica injustiças, é dever das pessoas cristãs resistirem contras as opressões perpetradas contra os empobrecidos, os preferidos de Jesus. Lucas, em Lc 22,35-38, sugere desobediência civil – econômica, política e religiosa. Em uma sociedade desigual, esse é “outro caminho” a ser seguido (cf. Mt 2,12) por nós, discípulos e discípulas de Jesus, o rebelde de Nazaré.

3.13 - Exercitar a Pedagogia da partilha de pães, a que liberta e emancipa. A fome era um problema tão sério na vida dos primeiros cristãos e cristãs, que os quatro evangelhos da Bíblia relatam Jesus partilhando pães e saciando a fome do povo.[2] É óbvio que não devemos historicizar os relatos de partilha de pães como se tivessem acontecido tal como descrito. Os evangelhos foram escritos de quarenta a setenta anos depois. Logo, são interpretações teológicas que querem ajudar as primeiras comunidades a resgatar o ensinamento e a práxis original de Jesus. Não podemos também restringir o sentido espiritual da partilha dos pães a uma interpretação eucarística, como se a fome de pão se saciasse pelo pão partilhado na eucaristia. Isso seria espiritualização do texto. Eucaristia, celebrada em profunda sintonia com as agruras da vida, é uma das fontes que sacia a fome de Deus, mas as narrativas das partilhas de pães têm como finalidade inspirar solução radical para um problema real e concreto: a fome de pão.
A beleza espiritual das narrativas de partilha de pães está no processo seguido. Em uma série de passos articulados e entrelaçados que constituem um processo libertador. O milagre não está aqui ou ali, mas no processo todo. Ei-lo:
3.13.1 - Cidade, lugar de violência? Mateus mostra que o povo faminto “vem das cidades”, ou seja, as cidades, ao invés de serem locais de exercício da cidadania, se tornaram espaços de exclusão e de violência sobre os corpos humanos. Faz bem recordar que Deus criou – e continua criando -, nas ondas da evolução, tudo “em seis dias e no sétimo dia descansou.” Conta-se que alguém teria perguntado a Deus porque ele resolveu descansar após o sexto dia. Deus teria dito que já tinha criado tudo com muito amor e para o bem da humanidade e de toda a biodiversidade. Quando viu que faltava criar a cidade, o Deus criador concluiu que era melhor descansar.
3.13.2 - Ir para o meio dos excluídos e injustiçados.Jesus atravessa para a outra margem do mar da Galileia” (Jo 6,1), entra no mundo dos gentios, dos pagãos, dos impuros, enfim, dos excluídos e injustiçados. Jesus não fica no mundo dos incluídos, mas estabelece comunicação efetiva e afetiva entre os dois mundos, o dos incluídos e o dos excluídos. Assim, tabus e preconceitos desmoronam-se.
3.13.3 - Nunca perder a capacidade de se comover e de se indignar. Profundamente comovido, porque “os pobres estão como ovelhas sem pastor” (Mc 6,34), Jesus percebe que os governantes e líderes da sociedade não estavam sendo libertadores, mas estavam colocando grandes fardos pesados nas costas do povo. Com olhar altivo e penetrante, Jesus vê uma grande multidão de famintos que vem ao seu encontro, só no Brasil são milhões de pessoas que têm os corpos implodidos pela bomba silenciosa da fome ou da má alimentação.  -----------
3.13.4 - Ter postura crítica. Jesus não sentiu medo dos pobres, encarou-os e procura superar a fome que os golpeava e humilhava. Apareceram dois projetos para resgatar a cidadania do povo faminto. O primeiro foi apresentado por Filipe: “Onde vamos comprar pão para alimentar tanta gente?” (Jo 6,5). No mesmo tom, outros discípulos tentavam lavar as mãos: “Despede as multidões para que possam ir aos povoados comprar alimento.” (Mt 14,15). Filipe está dentro do mercado e pensa a partir do mercado. Está pensando que o mercado é um deus capaz de salvar as pessoas. Cheio de boas intenções, Filipe não percebe que está enjaulado na idolatria do mercado.
3.13.5 - Ter postura criativa a partir dos injustiçados e dos pequenos. O segundo projeto é posto à baila por André, outro discípulo de Jesus, que, mesmo se sentindo fraco, acaba revelando: “Eis um menino com cinco pães e dois peixes” (Jo 6,9). Jesus acorda nos discípulos e discípulas a responsabilidade social, ao dizer: “Vocês mesmos devem alimentar os famintos” (Mt 14,16). Jesus quer mãos à obra. Nada de desculpas esfarrapadas e racionalizações que tranqüilizam consciências. Jesus pulou de alegria e, abraçando o projeto que vem de André (em grego, andros = humano), anima o povo a “sentar na grama” (Jo 6,10). Aqui aparecem duas características fundamentais do processo protagonizado por Jesus para levar o povo da exclusão à cidadania, da injustiça à justiça. Jesus convida o povo para se sentar. Por quê? Na sociedade escravocrata do império romano somente as pessoas livres, cidadãs, podiam comer sentadas. Os escravos deviam comer de pé, pois não podiam perder tempo de trabalho. Era só engolir e retomar o serviço árduo. Um terço da população era escrava e outro terço, semi-escrava. Logo, quando Jesus inspira o povo para sentar-se, ele está, em outros termos, defendendo que os escravos têm direitos e devem ser tratados como cidadãos.
3.13.6 - Organizar os oprimidos, pois organização é o segredo da pedagogia de Jesus. Jesus estimula a organização dos famintos. “Sentem-se, em grupos de cem, de cinqüenta,  ...” (Mc 6,40). Assim, Jesus e os primeiros cristãos e cristãs nos inspiram que o problema da fome só será resolvido, de forma justa, quando o povo marginalizado e injustiçado se organizar e partir para lutas coletivas.
3.13.7 - Cultivar gratidão.Jesus agradeceu a Deus...” A dimensão da mística foi valorizada. A luz e a força divinas permeiam e perpassam os processos de luta. Faz bem reconhecer isso. Vamos continuar cantando com Manoelão cantos revolucionários, tal como: É madrugada, levanta povo! / A luz do dia vai nascer de novo! / Rompe as cadeias, abre o coração,/ Vamos dar as mãos, já é o reino do povo! / O povo agora é senhor da historia, / Somos rebentos desta nova era. / A liberdade, a fraternidade. / São as bandeiras desta nova terra!
3.13.8 - Não ser paternalista. Quem reparte o pão não é Jesus, mas os discípulos. Jesus provoca a solidariedade conclamando para a organização dos marginalizados como meio para se chegar à cidadania de e para todos. Dar pão a quem tem fome sem se perguntar por que tantos passam fome é ser cúmplice do capital que rouba o pão da boca da maioria.
3.13.9 - Reaproveitar.Recolham os pedaços que sobraram, para não se desperdiçar nada.” (Jo 6,12). Economia que evita o desperdício. Quase 1/3 da alimentação produzida é jogada no lixo, enquanto tantos passam fome. É hora de reduzir o consumo. Reaproveitar, reciclar. Nada deve se perder, mas ser tudo transformado. Em uma casa ecológica tudo é reaproveitado, inclusive as fezes são consideradas recursos, pois viram adubo fértil e orgânico. É hora de reduzir a produção, reciclar, reaproveitar...

3.14 - Participar da vida pública transformando a sociedade (Lc 10,38-42).
Seguindo para Jerusalém, Jesus entra na casa de duas mulheres, Marta e Maria. Tradicionalmente, a narrativa de Lc 10,38-42 tem sido interpretada como uma oposição entre vida Ativa e vida contemplativa. Ao longo dos séculos e ainda hoje, muitos usam e abusam de Lc 10,38-42 para justificar a vida contemplativa, mas essa interpretação não tem consistência exegética. Não há nenhuma referência no texto que diga que Jesus estivesse rezando ou orando com Maria. Para entender bem Lc 10,38-42 é preciso considerar algumas coisas.
Primeiro, nas duas perícopes anteriores, Lucas revelou uma oposição, um contraste: humildes X entendidos (Lc 10,21-24) e samaritano X sacerdote e levita (Lc 10,29-37). Em Lc 10,38-42 também há uma oposição, um contraste: Maria X Marta. A postura de Maria é elogiada por Jesus e a postura de Marta é censurada: “Marta, Marta! ... uma só coisa é necessária...” (Lc 10,41-42).
Segundo, precisamos considerar a situação das mulheres na época de Jesus e de Lucas. As mulheres eram - não todas, é óbvio - propriedades do pai e, depois de casadas, dos maridos; não participavam da vida pública, deviam ficar restritas ao lar; não aprendiam a ler e a escrever; não recebiam os ensinamentos da Torá. Encontra-se escrito no Talmud dos Judeus (Escritura não-sagrada): “Que as palavras da Torá sejam queimadas, mas não transmitidas às mulheres”. A oração que muitos judeus piedosos rezavam dizia: “Louvado sejas Deus por não ter-me feito mulher!”
Ao sentar-se aos pés de Jesus, para ouvir-lhe os ensinamentos, Maria reivindica para si o direito de ser discípula. Ela reclama para si o direito de ser cidadã no sentido pleno. “Sentar-se aos pés” era a atitude dos discípulos dos rabis.
Em Lc 10,38-42, Maria faz desobediência civil e religiosa, pois fica aos pés de Jesus ouvindo-o. Só os homens judeus podiam ficar aos pés de um mestre e se tornarem discípulos. Ouve Jesus e, provavelmente, dialoga com Jesus e o interroga, e se torna discípula.
Um judeu entrar em uma casa onde só havia mulheres também era algo censurável pela sociedade. Jesus desobedece a essa regra moral e entra na casa de duas mulheres. Assim, Jesus vai formando seus discípulos e discípulas enquanto caminha para Jerusalém.

3.15 - Ser simples como as pombas e espertos como as serpentes.
Após uma longa marcha da Galileia a Jerusalém, da periferia à capital (Lc 9,51-19,27), Jesus e seu movimento estão às portas de Jerusalém. De forma clandestina, não confessando os verdadeiros motivos, Jesus e o seu grupo entram em Jerusalém, narra o Evangelho de Lucas (Lc 19,29-40). De alguma forma deve ter acontecido essa entrada de Jesus em Jerusalém, provavelmente não tal como narrado pelo evangelho, que tem também um tom midráxico, ou seja, quer tornar presente e viva uma profecia do passado.
 Dois discípulos recebem a tarefa de viabilizar a entrada na capital, de forma humilde, mas firme e corajosa. Deviam arrumar um jumentinho – meio de transporte dos pobres -, mas deviam fazer isso disfarçadamente, de forma “clandestina”. O texto repete o seguinte: “Se alguém lhes perguntar: “Por que vocês estão desamarrando o jumentinho?”, digam somente: ‘Porque o Senhor precisa dele’”. A repetição indica a necessidade de se fazer a preparação da entrada na capital de forma clandestina, sutil, sem alarde. Se dissessem toda a estratégia a entrada em Jerusalém seria proibida pelas forças de repressão.
Com os “próprios mantos” prepararam o jumentinho para Jesus montar. Foi com o pouco de cada um/a que a entrada em Jerusalém foi realizada. A alegria era grande no coração dos discípulos e discípulas. “Bendito o que vem como rei...” Viam em Jesus outro modelo de exercer o poder, não mais como dominação, mas como gerenciamento do bem comum.
Ao ouvir o anúncio dos discípulos – um novo jeito de exercício do poder – certo tipo de fariseu se incomoda e tenta sufocar aquele evangelho. Hipocritamente chamam Jesus de mestre, mas querem domesticá-lo, domá-lo. “Manda que teus discípulos se calem.”, impunham os que se julgavam salvos e os mais religiosos. “Manda...!” Dentro do paradigma “mandar-obedecer”, eles são os que mandam. Não sabem dialogar, mas só impor. “Que se calem!”, gritam. Quem anuncia a paz como fruto da justiça testemunha fraternidade e luta por justiça, o que incomoda o status quo opressor. Mas Jesus, em alto e bom som, com a autoridade de quem vive o que ensina, profetisa: “Se meus discípulos (profetas) se calarem, as pedras gritarão.” (Lc 19,40). Esse alerta do galileu virou refrão de música das Comunidades Eclesiais de Base: “Se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão. Se fecharem uns poucos caminhos, mil trilhas nascerão... O poder tem raízes na areia, o tempo faz cair. União é a rocha que o povo usou pra construir...!”

3.16 - Ser intransigente diante da opressão econômica e política. Os quatro evangelhos da Bíblia[3] relatam que Jesus, próximo à maior festa judaico-cristã, a Páscoa, impulsionado por uma ira santa, invadiu o templo de Jerusalém, lugar mais sagrado do que os templos da idolatria do capital que muitas vezes tem a cruz de Cristo pendurada em um ponto de destaque. Furioso como todo profeta, ao descobrir que a instituição tinha transformado o templo em uma espécie de Banco Central do país + sistema bancário + bolsa de valores, Jesus “fez um chicote de cordas e expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e bois, destinados aos sacrifícios. Derramou pelo chão as moedas dos cambistas e virou suas mesas. Aos que vendiam pombas (eram os que diretamente negociavam com os mais pobres porque os pobres só conseguiam comprar pombos e não bois), Jesus ordenou: ‘Tirem estas coisas daqui e não façam da casa do meu Pai uma casa de negócio.” Essa ação de Jesus foi o estopim para sua condenação à pena de morte, mas Jesus ressuscitou e vive também em milhões de pessoas que não aceitam nenhuma opressão.

4. Enfim...
Contamos com todas as pessoas cristãs para vivenciar a Opção preferencial pelos Pobres e pelos Jovens, buscar alternativas para a superação da atual crise socio-política-econômica-cultural e religiosa. Apoiar firmemente a Economia Popular Solidária, as lutas pelas Reformas Agrária e urbana, por agricultura familiar, por preservação ambiental, pela mudança do atual modelo econômico neoliberal. Queremos um modelo econômico que seja popular, democrático, soberano, justo e sustentável ecologicamente. Queremos construir outro modelo de igreja, onde, de fato, a igreja seja Povo de Deus, em comunidades que se relacionam em sistema de rede.

Apêndice.
Sugestão de textos e eventos bíblicos libertadores que podem inspirar a vivência da Fé e Política e levarmos a sério os apelos do testemunho e dos ensinamentos do papa Francisco:
1)      Gn 1: Toda a Criação é muito boa, imagem e semelhança de Deus.
2)      Ex 1,15-22: O Movimento das parteiras faz Desobediência civil e religiosa. Cf. Gandhi, Martin Luther King, as camponesas da Via Campesina.
3)      Ex 3,7-10: Deus ouve o clamor dos oprimidos e faz opção pelos injustiçados.
4)      Davi vence Golias.
5)      Is 65,17-25: Eis um novo céu e uma nova Terra.
6)      Dn 2,31-37: Uma pedrinha destrói um gigante de pés de barro – a força da profecia.
7)      Jo 6,1-15: Solução radical para a fome de pão – partilha de pães.
8)      Mt 21,12-13: Jesus expulsa os capitalistas do Templo.
10)  Ap 12,1-17: Uma mulher grávida, em dores de parto, vence um Dragão.
11)  At 21,1-7: Deus deixa o céu e arma sua tenda no meio dos pobres.
Angra dos Reis, RJ, 13 de setembro de 2015.
Frei Gilvander Luís Moreira, gilvanderlm@gmail.com



[1] Frei e padre carmelita; bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutorando em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, SAB, PJR e Via Campesina, em Minas Gerais; e-mail: gilvanderlm@gmail.com  –www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br - www.twitter.com/gilvanderluis - facebook: Gilvander Moreira
[2] Cf. Mt 14,13-21; Mc 6,32-44; Lc 9,10-17 e Jo 6,1-13.
[3] Mt 21,12-13; Mc 11,15-19; Lc 19,45-46 e Jo 2,13-17.